A Anarquia Funciona: Natureza Humana

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A anarquia funciona
Capítulo 1 - Natureza humana
Peter Gelderloos


O anarquismo desafia a concepção ocidental típica sobre a natureza humana por visionar sociedades construídas na cooperação, na ajuda mútua e na solidariedade entre pessoas, não baseadas na competição e na sobrevivência da mais apta.

As pessoas não são naturalmente egoístas?

Todas as pessoas têm um senso de interesse próprio e a capacidade de agir de um modo egoísta às custas de outras pessoas. Mas todas também têm um senso das necessidades daquelas ao redor de si, e somos todas capazes de efetuar ações generosas e altruístas. A sobrevivência humana depende da generosidade. Da próxima vez que alguém lhe disser que uma sociedade comunal e anárquica não poderia funcionar porque as pessoas são naturalmente egoístas, recomende-lhe que só dê comida a seus filhos se eles lhe pagarem, não faça nada para dar a seus pais uma aposentaria digna, nunca doe para a caridade e nunca ajude seus vizinhos ou seja gentil para com desconhecidas, a menos que receba alguma recompensa. Essa pessoa poderia levar uma existência completa levando a filosofia capitalista às suas conclusões lógicas? É claro que não. Mesmo depois de centenas de anos sendo reprimidos, o compartilhamento e a generosidade permanecem sendo vitais para a existência humana. Você não precisa olhar para movimentos sociais radicais para encontrar exemplos disto. Os Estados Unidos podem ser, em um nível estrutural, a nação mais egoísta do mundo – é o mais rico dos países “desenvolvidos”, mas têm uma das menores expectativas de vida porque a cultura política prefere que os pobres morram a que recebam assistência médica ou social. Porém, mesmo nos EUA é fácil encontrar exemplos institucionais de compartilhamento que constituem uma parte importante da sociedade. As bibliotecas oferecem uma rede interconectada de milhões de livros gratuitos. Os churrascos de vizinhança ou de outros grupos reúnem pessoas para compartilhar comida e desfrutar da companhia umas das outras. Que outros exemplos de compartilhamento não poderiam se desenvolver fora das barreiras restritivas do Estado e do capital?

Economias monetárias existem somente há alguns milhares de anos, e mesmo o capitalismo está aí há apenas algumas centenas de anos. Este provou funcionar sordidamente, levando às maiores desigualdades de riqueza, às maiores fomes em massa e aos piores sistemas de distribuição na história do mundo – apesar de produzir aparelhos eletrônicos maravilhosos. Pode surpreender as pessoas aprender como eram comuns outros tipos de economia em tempos passados, e como elas eram diferentes do capitalismo.

Uma economia comum desenvolvida por humanos em todos os continentes foi a economia da dádiva. Neste sistema, se as pessoas têm mais do que precisam para qualquer coisa, elas passam adiante o excedente. Elas não conferem valor, não contam dívidas. Tudo o que você usa pessoalmente pode ser dado como um presente – ou dádiva – para alguma outra pessoa e, dando mais, você inspira mais generosidade e fortalece as amizades que também mantêm você nadando em presentes. Muitas economias da dádiva duraram milhares de anos, e provaram-se muito mais efetivas para permitir que todos os participantes satisfizessem suas necessidades. O capitalismo pode ter aumentado drasticamente a produtividade, mas com que finalidade? Uma parte de uma típica cidade capitalista está morrendo de fome, enquanto a outra está comendo caviar.

Economistas e cientistas políticos ocidentais inicialmente supunham que muitas dessas economias da dádiva eram na verdade economias de escambo: sistemas de troca proto-capitalistas sem uma moeda efetiva: “eu te darei uma ovelha em troca de vinte pães”. Em geral, não é assim que essas sociedades descrevem a si mesmas. Posteriormente, antropólogos que foram viver nessas sociedades e conseguiram observar as suas tendências culturais mostraram na Europa que muitas daquelas economias eram baseadas na dádiva, nas quais as pessoas intencionalmente não mantinham nenhum registro de quem devia o quê a quem, com o fim de promover uma sociedade de generosidade e compartilhamento.

O que esses antropólogos talvez não soubessem é que as economias da dádiva nunca desapareceram totalmente no Ocidente; na realidade, elas emergiam frequentemente em movimentos de revolta. Anarquistas nos EUA atualmente também fornecem um exemplo do desejo por relações baseadas na generosidade e na garantia de que as necessidades de todas as pessoas serão satisfeitas. Em várias cidades, anarquistas mantêm Mercados Realmente Livres – essencialmente, mercados de pulgas sem preços fixados. As pessoas trazem bens que elas próprias fizeram ou coisas de que não necessitam mais e as dão para os transeuntes ou para outros participantes, ou ainda compartilham habilidades úteis com outras pessoas. Em um mercado livre na Carolina do Norte, todo mês:

Duzentas pessoas ou mais de todas as classes sociais reúnem-se no centro de nossa cidade. Elas trazem de tudo para dar, desde jóias até lenha, e pegam o que querem. Há barracas oferecendo conserto de bicicletas, corte de cabelo e até mesmo consultas de tarô. As pessoas vão embora com estrados de cama inteiros e computadores velhos; se não têm um veículo para transportá-las, motoristas voluntários estão disponíveis. Nenhum dinheiro circula, ninguém é constrangido por estar necessitando de algo. Contrariando o regulamento governamental, nenhuma quantia é paga pelo uso do espaço público, e ninguém está “no comando”. Algumas vezes, uma banda marcial aparece; algumas vezes há a apresentação de uma trupe de marionetes, ou as pessoas formam uma fila para bater numa piñata. Jogos e conversas ocorrem na periferia e todas as pessoas têm um prato quente de comida e uma bolsa com alimento de graça. Faixas com os dizeres “Para todos, não para os proprietários ou a burocracia” e “Ni jefes, ni fronteras” são penduradas em árvores e casas, e um grande cobertor é estendido com livros radicais em cima, mas isso não é essencial para o evento – essa é uma instituição social, não uma manifestação.
Graças aos nossos Mercados Livres mensais, todas as pessoas na cidade têm um ponto de referência efetivo de uma economia anarquista. A vida é um pouco mais fácil para aqueles de nós com pouca ou nenhuma renda, e os relacionamentos desenvolvem-se em um espaço em que a classe social e os meios financeiros são ao menos temporariamente irrelevantes.[1]

A sociedade tradicional dos Semai, na Malásia, é baseada mais na doação de presentes do que no escambo. Não conseguimos achar relatos de sua sociedade feitos pelos próprios Semai, mas eles explicaram como ela funcionava a Robert Dentan, um antropólogo ocidental que viveu com eles por um tempo. Dentan escreve que o “sistema através do qual os Semai distribuem comida e serviços é um dos modos mais significativos pelos quais os membros de uma sociedade se unem (...) As trocas econômicas dos Semai são mais como trocas natalinas do que trocas comerciais”.[2] Era considerado punan, ou tabu, para os membros da sociedade calcular o valor dos presentes dados ou recebidos. Outras regras de etiqueta mantidas conjuntamente envolviam o compromisso de compartilhar tudo o que se tinha e de que não se precisaria imediatamente, e de compartilhar com pessoas convidadas ou com qualquer outra que pedisse. Era punan tanto não compartilhar ou recusar um pedido quanto pedir mais do que alguém podia dar.

Muitas outras sociedades também distribuíam e trocavam excedentes em forma de presentes. Além da coesão social e do contentamento ganhos a partir do compartilhamento com sua comunidade, sem manter gananciosamente contas ou registros, uma economia da dádiva também pode ser justificada em termos de interesses pessoais. Geralmente, uma pessoa não consegue consumir o que produz sozinha. A carne de um dia de caça vai estragar antes que você consiga comê-la toda. Uma ferramenta, como uma serra, vai ficar sem uso a maior parte do tempo se for propriedade de uma única pessoa. Faz mais sentido dar a maior parte da carne ou compartilhar a sua serra com a vizinhança, porque você está assegurando que, no futuro, ganhará comida e terá ferramentas compartilhadas com você – assegurando, desse modo, que você tenha acesso a mais comida e a uma variedade maior de ferramentas; você e seus vizinhos vão se tornar mais ricos sem ter que explorar ninguém.

Pelo que sabemos, entretanto, membros de economias da dádiva provavelmente não justificariam suas ações com argumentos de interesse próprio calculado, mas com um raciocínio moral, explicando que compartilhar é a coisa certa a se fazer. Afinal, uma economia de excedente é o resultado de uma certa maneira de enxergar o mundo: é uma escolha social, não uma certeza material. As sociedades precisam escolher, ao longo do tempo, trabalhar mais do que precisam, quantificar valor, ou somente consumir o mínimo requerido para a sua sobrevivência e ceder todo o resto de sua produção para um armazém comum controlado por uma classe de líderes. Mesmo se um bando de caçadores ou um grupo de coletores tiverem sorte e trouxerem para casa uma enorme quantidade de comida, não há excedente se eles consideram normal compartilhar com todas as outras pessoas, realizar uma grande festa ou convidar uma comunidade vizinha para comemorar, até que todo o alimento seja comido. Esse modo é certamente mais divertido que medir quilos de comida e calcular qual porcentagem cada um merece.

No caso dos ociosos, mesmo se o valor dos presentes não é calculado, nem é mantido um balancete, é notado quando alguém se recusa constantemente a compartilhar ou a contribuir com o grupo, violando os costumes da sociedade e o senso de ajuda mútua. Gradualmente, essas pessoas vão prejudicar suas relações e perder alguns dos melhores benefícios de viver em sociedade. Parece que, em todas as economias da dádiva conhecidas, não se recusava comida mesmo às pessoas mais ociosas – em completo contraste ao capitalismo –, mas alimentar alguns ociosos é um dreno insignificante dos recursos de uma sociedade, especialmente quando comparado à criação de fartura da elite voraz da nossa sociedade. E perder essa pequena quantidade de recursos é de longe preferível a perder nossa compaixão e deixar as pessoas morrerem de fome. Em casos mais extremos, se os membros dessa sociedade são mais agressivamente parasitários, tentando monopolizar recursos ou forçar outras pessoas a trabalhar para eles – em outras palavras, se agem como capitalistas –, eles podem ser ostracizados ou mesmo expulsos da sociedade.

Algumas sociedades sem Estado têm chefes que desempenham papéis rituais, geralmente relacionados a dar presentes e espalhar os recursos. Na realidade, o termo “chefe” pode ser enganoso, porque houve muitas sociedades humanas diferentes que contaram com o que o Ocidente classifica como “chefes”, e em cada sociedade o papel significava alguma coisa um pouco diferente. Em muitas sociedades, os chefes não possuíam poderes coercitivos: a sua responsabilidade era mediar disputas ou conduzir rituais e esperava-se que eles fossem mais generosos do que todas as outras pessoas. No final, eles trabalhavam mais e tinham menos riqueza pessoal que os outros. Um estudo constatou que uma razão comum para depor ou expulsar um chefe era se ele não era considerado generoso o suficiente.[3]

As pessoas não são naturalmente competitivas?

Na sociedade ocidental, a competição é tão normal que não surpreende que se a considere como o modo natural das relações humanas. Desde a juventude, somos ensinados que temos que ser melhores que todos as outras pessoas para valer alguma coisa. As corporações justificam as demissões de trabalhadores, privando-os de sustento e assistência médica alegando que precisam “permanecer competitivas”. Felizmente, as coisas não precisam ser assim. O capitalismo industrial é apenas uma das milhares de formas de organização social que os humanos desenvolveram e, com sorte, não será a última. Obviamente, os humanos podem ter um comportamento competitivo, mas não é difícil notar como a nossa sociedade o estimula e reprime o comportamento cooperativo. Incontáveis sociedades ao redor do mundo desenvolveram formas cooperativas de viver que contrastam bastante com as normas de trabalho no capitalismo. Atualmente, quase todas essas sociedades foram integradas no sistema capitalista através do colonialismo, da escravidão, da guerra, ou da destruição de seu meio ambiente, mas há muitos relatos que permanecem para documentar a grande diversidade de sociedades que existiram ao longo da história.

Os Mbuti, caçadores-coletores da Floresta de Ituri, na África Central, viviam tradicionalmente sem governo. Relatos de antigos historiadores sugerem que eles viviam como caçadores-coletores sem Estado durante o período dos faraós no Egito, e, de acordo com os próprios Mbuti, sempre viveram desse modo. Contrariamente ao retrato comum feito por pessoas de fora, grupos como os Mbuti não são isolados ou primitivos. Na realidade, eles têm interações frequentes com povos Bantu sedentários das cercanias da floresta e tiveram muitas oportunidades de ver como são as sociedades supostamente avançadas. Durante centenas ou milhares de anos atrás, os Mbuti desenvolveram relações de troca e dádiva com agricultores próximos, enquanto conservavam sua identidade como “os filhos da floresta”.

Atualmente, alguns milhares de Mbuti ainda vivem na Floresta de Ituri e negociam relações dinâmicas com o mundo dos aldeões, enquanto lutam para preservar seu modo de vida tradicional. Muitos outros Mbuti vivem em acampamentos na beira das novas estradas. A mineração de coltan[4], matéria-prima de celulares, é um incentivo financeiro chave para a guerra civil e a destruição do habitat que está devastando a região e matando centenas de milhares de seus habitantes. Os governos de Congo, Ruanda e Uganda querem controlar essa indústria bilionária que produz primariamente para os EUA e a Europa, enquanto mineiros à procura de emprego vêm de toda a África para acampar na região. O desmatamento, a explosão populacional e o crescimento da caça para prover carne para os soldados e mineiros exauriram a vida selvagem local. Sem comida e competindo pelo controle territorial, soldados e mineiros promoveram atrocidades, como canibalismo, contra os Mbuti. Alguns Mbuti estão exigindo atualmente que uma corte internacional julgue essas violações.

Europeus que viajavam pela África Central durante a sua colonização do continente impuseram o seu próprio modelo moral aos Mbuti. Como eles encontraram os Mbuti nas vilas dos agricultores Bantu nas cercanias da Floresta de Ituri, eles supuseram que os Mbuti constituíam uma classe servil primitiva. Na década de 1950, os Mbuti convidaram o antropólogo Colin Turnbull para viver com eles. Eles toleraram as suas perguntas rudes e ignorantes e ensinaram-lhe sobre a sua cultura. As histórias que ele relata descrevem uma sociedade bastante distante do que uma visão de mundo ocidental considera possível. Enquanto antropólogos – e depois anarquistas – ocidentais começavam a debater sobre o que os Mbuti “significavam” para suas respectivas teorias, instituições econômicas globais estavam elaborando um processo de genocídio que ameaça destruir os Mbuti como povo. Mesmo assim, vários escritores ocidentais já idealizaram ou rebaixaram os Mbuti para produzir argumentos a favor ou contra o primitivismo, o veganismo, o feminismo e outras pautas políticas.

Portanto, talvez a lição mais importante a ser tirada da história dos Mbuti não seja que a anarquia – uma sociedade cooperativa, livre e relativamente saudável – é possível, mas que sociedades livres não são possíveis enquanto os governos tentam esmagar qualquer rastro de independência, as corporações financiam um genocídio para fabricar celulares e as pessoas supostamente solidárias estão mais interessadas em escrever etnografias do que em lutar.

Na perspectiva de Turnbull, os Mbuti eram resolutamente igualitários e muitas das maneiras pelas quais eles organizavam a sua sociedade reduziam a competição e promoviam a cooperação entre seus membros. Coletar comida era um afazer comunitário e, quando caçavam, geralmente o bando inteiro ia junto. Uma metade vasculhava os arbustos, indo em direção à outra metade, que a esperava com redes para pegar o animal que aparecesse. Uma caça bem sucedida era resultado do trabalho coletivo e toda a comunidade compartilhava a presa.

As crianças Mbuti tinham um alto grau de autonomia e passavam a maior parte de seus dias em uma parte do acampamento fora do alcance dos adultos. Um jogo frequente consistia em um pequeno grupo de crianças escalar uma árvore jovem até que seu peso dobrasse-a até o chão. Idealmente, as crianças sairiam todas ao mesmo tempo e a árvore, flexível, retornaria à posição original. Assim, se uma criança não estivesse em sincronia e saísse muito tarde, ela seria lançada através das árvores e tomaria um bom susto. Esses jogos ensinam a harmonia de grupo, em vez da performance individual, e estabelecem uma forma inicial de socialização numa cultura de cooperação voluntária. Os jogos de guerra e a competição individualizada que caracterizam as brincadeiras ocidentais estabelecem uma forma notavelmente diferente de socialização.

Os Mbuti também desestimulavam a competição ou mesmo a excessiva distinção entre gêneros. Eles não usavam o gênero para pronomes ou palavras familiares – p. ex., ao invés de “filho/a”, falam “criança” –, exceto no caso dos pais, em que há uma diferença funcional entre quem dá à luz ou provê o leite e quem provê outras formas de cuidado. Um importante jogo ritual realizado pelos Mbuti adultos funcionava para acabar com a competição entre os gêneros. Conforme a descrição de Turnbull, o jogo inicia como uma partida de cabo de guerra, com mulheres puxando uma extremidade da corda ou cipó e os homens puxando a outra. Mas, assim que um lado começava a vencer, alguém desse lado corria para o outro lado, ao mesmo tempo mudando simbolicamente seu gênero e tornando-se membro do outro grupo. No final, os participantes caíam amontoados rindo, todos tendo mudado seu gênero várias vezes. Nenhum lado “vencia” e esse parecia ser o objetivo. A harmonia do grupo era restaurada.

Os Mbuti também viam conflitos ou “rumores” como um problema comum e uma ameaça à harmonia do grupo. Se os disputantes não conseguiam resolver as coisas por si mesmos ou com a ajuda de amigos, o bando inteiro realizava um importante ritual que geralmente durava a noite toda. Todas as pessoas reuniam-se para debater e, se o problema ainda não fosse resolvido, os jovens, que geralmente desempenhavam um papel de fomentadores de justiça na sociedade, percorriam o acampamento promovendo rebuliços enquanto tocavam uma corneta que soava como um elefante, simbolizando como o problema ameaçava a existência do bando inteiro. Em caso de uma disputa particularmente séria que tivesse rompido a harmonia do grupo, os jovens podiam dar uma expressão maior às suas frustrações quebrando o próprio acampamento, apagando fogueiras e derrubando casas. Enquanto isso, os adultos cantavam uma harmonia de duas vozes, construindo um senso de cooperação e comunidade.

Os Mbuti também passavam por um tipo de fissão e fusão ao longo do ano. Geralmente motivados por conflitos interpessoais, o bando se dividia em grupos menores e mais íntimos. As pessoas tinham a opção de se afastar das outras, ao invés de serem forçadas pela comunidade maior a acabar com seus problemas. Depois de viajarem e viverem separadamente por um tempo, os grupos menores voltavam a se reunir, depois que os conflitos esfriavam. Eventualmente o grupo inteiro reunia-se e o processo reiniciava. Parece que os Mbuti sincronizavam essa flutuação social com suas atividades econômicas, de modo que o seu período de vivência conjunta como bando coincidia com o período em que formas específicas de caça e coleta requeriam a cooperação de um grupo maior. Já o período dos grupos pequenos e separados coincidia com a época do ano em que os alimentos eram melhor colhidos por grupos menores espalhados pela floresta.

Infelizmente para nós, as estruturas econômicas, políticas ou sociais da sociedade ocidental não tendem à cooperação. Quando nossos empregos e nosso status social dependem de sermos melhores que os nossos iguais, com os “perdedores” sendo demitidos ou ostracizados sem nenhuma consideração por quanto isso afeta a sua dignidade ou a sua capacidade de sustentarem a si mesmos, não é surpreendente que haja mais comportamentos competitivos que cooperativos. Mas a capacidade de viver cooperativamente não está perdida para as pessoas que vivem sob as influências destrutivas do Estado e do capitalismo. A cooperação social não está restrita a sociedades como a dos Mbuti, que habitam um dos poucos lugares autônomos remanescentes no mundo. Viver cooperativamente é uma possibilidade para nós agora mesmo.

Nesta mesma década [de 2000], em uma das sociedades mais individualistas e competitivas na história humana, a autoridade estatal colapsou por um tempo em uma cidade. Mesmo nesse período de catástrofe, com centenas de pessoas morrendo e com extrema limitação de recursos de sobrevivência, estranhos reuniram-se para se auxiliarem, com um espírito de ajuda mútua. A cidade em questão é Nova Orleans, depois de ser atingida pelo Furacão Katrina, em 2005. Inicialmente, a mídia corporativa difundiu histórias racistas de selvagerias cometidas pelos sobreviventes negros, com a polícia e as tropas da guarda nacional protagonizando resgates heroicos enquanto combatiam bandos de saqueadores. Mais tarde, admitiu-se que essas histórias eram falsas. Na realidade, a vasta maioria dos resgates foi realizada não pela polícia ou por profissionais, mas pelos habitantes comuns de Nova Orleans, geralmente desafiando as ordens das autoridades.[5] A polícia, enquanto isso, estava matando pessoas que salvavam água potável, fraldas e outros suprimentos de mercados abandonados, suprimentos que, do contrário, seriam jogados fora, pois a contaminação pela água da enchente os teria tornado inutilizáveis.

Nova Orleans não é atípica: qualquer pessoa pode aprender comportamentos cooperativos quando tiver o desejo ou a necessidade de fazê-lo. Estudos sociológicos constataram que, em quase todos os desastres naturais, a cooperação e a solidariedade entre as pessoas crescem, e são as pessoas comuns – não os governos – que fazem voluntariamente a maior parte do trabalho, efetuando resgates e protegendo-se mutuamente durante a crise.[6]

A espécie humana não foi sempre patriarcal?

Uma das formas mais antigas de opressão e hierarquia é o patriarcado: a divisão dos humanos em dois papéis de gênero rígidos e a dominação dos homens sobre as mulheres. Mas o patriarcado não é natural ou universal. Muitas sociedades têm mais de duas categorias de gênero e algumas permitem que seus membros mudem de gênero. Algumas inclusive possuem papéis espirituais respeitados para aqueles que não se encaixam em nenhum dos gêneros primários. A maior parte da arte pré-histórica retrata pessoas que ou não eram de um gênero determinado ou que tinham combinações ambíguas e exageradas de traços masculinos e femininos. Nessas sociedades, o gênero era fluido. É uma espécie de engodo histórico impor a noção de dois gêneros fixos e idealizados que consideramos natural atualmente. Falando em termos estritamente físicos, muitas pessoas perfeitamente saudáveis são intersexuais, com características fisiológicas masculinas e femininas, mostrando que essas categorias existem num continuum fluido. Não faz sentido que pessoas que não se encaixam facilmente em uma categoria sintam-se como se fossem não naturais.

Mesmo em nossa sociedade patriarcal, na qual todas as pessoas são condicionadas a acreditar que o patriarcado é natural, sempre houve resistência. Boa parte da resistência de pessoas queer e pessoas transgênero assume uma forma horizontal. Uma organização em Nova Iorque, a FIERCE![7], envolve um largo espectro de pessoas excluídas e oprimidas pelo patriarcado: transgêneros, lésbicas, gays, bissexuais, dois-espíritos (uma categoria respeitada em muitas sociedades ameríndias para pessoas que não se identificam como homens ou mulheres), queers e questionadoras (pessoas que não se decidiram sobre sua sexualidade ou sua identidade de gênero, ou que não se sentem confortáveis em nenhuma categoria). A FIERCE! foi fundada em 2000, na maior parte por jovens negros, com participação anarquista. Sua ética horizontal de “organização por nós e para nós” une ativamente a resistência ao patriarcado, à transfobia e à homofobia com a resistência ao capitalismo e ao racismo. Suas ações envolvem protestos contra a brutalidade policial contra jovens transgênero e queer; educação através de documentários, zines e internet; e organização por uma boa assistência médica e contra a gentrificação, particularmente quando esta ameaça destruir importantes espaços culturais e sociais para a juventude queer.

Quando da escrita deste livro, a FIERCE! estava particularmente ativa em uma campanha para impedir a gentrificação do Christopher Street Pier, que tem sido um dos únicos espaços públicos seguros para a juventude queer de baixa renda e negra encontrar-se e construir uma comunidade. Desde 2001, a cidade tem tentado aumentar o píer, ao mesmo tempo em que o assédio policial e as prisões se multiplicaram. A campanha da FIERCE! ajudou a constituir um ponto de encontro para aquelxs que querem conservar o espaço e transformou o debate público, de modo que outras vozes são ouvidas, além daquelas do governo e dos donos de negócios. As atitudes da nossa sociedade sobre gênero mudaram radicalmente nos últimos séculos por causa de grupos como esse, que realizam ações diretas para criar o que se diz ser impossível.

A resistência ao patriarcado remonta a tanto tempo quanto quisermos analisar. Nos “bons velhos tempos”, quando os papéis de gênero supostamente eram aceitos como naturais e não eram desafiados, podemos encontrar histórias de utopia que contradizem a hipótese de que o patriarcado é natural e a noção de que o progresso civilizado está nos levando lentamente de nossas origens brutais rumo a sensibilidades mais iluminadas. Na realidade, a ideia de liberdade total sempre desempenhou um papel na história humana.

No século XVII, europeus estavam indo para a América do Norte por várias razões, construindo novas colônias que exibiam um amplo espectro de características. Havia economias de plantations baseadas no trabalho escravo, colônias penais, redes de comércio que procuravam compelir os habitantes indígenas a produzir grandes quantidades de peles de animais, e utopias religiosas fundamentalistas baseadas no total genocídio da população nativa. Mas, assim como as colônias das plantations tinham suas revoltas de escravos, as colônias religiosas tinham seus hereges. Uma conhecida herege foi Anne Hutchinson. Uma anabatista que migrou para a Nova Inglaterra para fugir da perseguição religiosa no Velho Mundo, ela começou a promover encontros de mulheres em sua casa, grupos de discussão baseados na livre interpretação da Bíblia. À medida em que a popularidade desses encontros aumentou, os homens também começaram a participar. Anne ganhou apoio popular por suas ideias bem sustentadas, que se opunham à escravidão dos africanos e dos nativos americanos, criticavam a Igreja e insistiam que nascer mulher era uma bênção, não uma maldição.

Ela foi julgada pelos líderes religiosos da Colônia de Massachusetts Bay por blasfêmia, mas permaneceu firme em suas ideias. No inquérito a que foi submetida, foi chamada de instrumento do diabo; um ministro disse “você saiu do seu lugar, você prefere ser um marido a ser uma esposa, uma pregadora a uma ouvinte, e uma magistrada a uma súdita”. Depois de sua expulsão, Anne Hutchinson organizou um grupo, em 1637, para constituir um povoado, Pocasset. A instalação do povoado ocorreu intencionalmente perto de onde Roger Williams, um teólogo progressista, tinha fundado Providence Plantations, um povoado baseado na ideia de total igualdade e liberdade de consciência de todos os habitantes, com relações amistosas com a vizinhança indígena. Os povoados se tornariam, respectivamente, Portsmouth e Providence, em Rhode Island. Ambos juntaram-se para formar a Colônia de Rhode Island. Além disso, mantinham relações amigáveis com a nação indígena vizinha, os Narragansett; o povoado de Roger Williams foi presenteado com a terra em que se instalou, enquanto o grupo de Hutchinson negociou uma troca para comprar a seu terreno.

Inicialmente, Pocasset organizou-se através de conselhos eleitos e as pessoas recusavam ter um governante. O povoado reconheceu a igualdade entre sexos e o julgamento por júri, aboliu a pena de morte, as acusações de bruxaria, a prisão por dívida e a escravidão, além de ter garantido total liberdade religiosa. A segunda sinagoga da América do Norte foi construída na colônia de Rhode Island. Em 1651, um membro do grupo de Hutchinson conseguiu poder para fazer com que a administração britânica lhe concedesse o governo da colônia; entretanto, depois de dois anos, as outras pessoas do povoado o expulsaram numa mini-revolução. Depois desse incidente, Anne Hutchinson notou que suas crenças religiosas opunham-se à “magistratura” ou à autoridade governamental e diz-se que, em seus anos finais, ela desenvolveu uma filosofia político-religiosa muito semelhante ao individualismo anarquista. Pode-se dizer que Hutchinson e companheiros estavam à frente de seu tempo, mas em qualquer período histórico houve histórias de pessoas criando utopias, mulheres defendendo sua igualdade, leigos rejeitando o monopólio da verdade de seus líderes religiosos.

Fora da sociedade ocidental, podemos encontrar muitos exemplos de sociedades não patriarcais. Algumas sociedades sem Estado preservam intencionalmente a fluidez de gênero, como os Mbuti já descritos. Muitas sociedades aceitam gêneros fixos e a divisão de papéis entre homens e mulheres, mas procuram preservar a igualdade entre esses papéis. Algumas dessas sociedades permitem expressões transgêneras – indivíduos mudando seu gênero ou adotando uma identidade de gênero única para si. Em sociedades caçadoras-coletoras, “uma nítida e rígida divisão de trabalho entre os sexos não é universal (…) [e no caso de uma sociedade em particular,] virtualmente toda atividade de subsistência pode ser, e geralmente é, realizada por homens ou mulheres”.[8]

Os Igbo da África ocidental tinham esferas de atividade separadas para homens e mulheres. As mulheres eram responsáveis por certas tarefas econômicas e os homens por outras, enquanto cada grupo mantinha poder autônomo em sua esfera. Essas esferas indicavam quem produzia quais bens, domesticava que animais e quais responsabilidades assumia para plantar e comercializar. Caso um homem interferisse na esfera de atividade feminina ou maltratasse sua esposa, as mulheres promoviam um ritual de solidariedade coletiva que preservava o equilíbrio e punia o ofensor, chamado “sentar num homem”. Todas as mulheres reuniam-se fora da casa do homem, gritando para ele e insultando-o para causar-lhe vergonha. Se ele não saísse para se desculpar, a multidão de mulheres podia destruir a cerca ao redor de sua casa e as os locais de armazenamento de mantimentos próximos dela. Se a ofensa dele era grave o suficiente, as mulheres podiam entrar na sua casa, arrastá-lo para fora e espancá-lo. Quando os britânicos colonizaram os Igbo, eles reconheceram as instituições e os papéis masculinos, mas ignoraram ou estavam cegos à esfera correspondente de vida social feminina. Quando as mulheres Igbo reagiram à indecência britânica com a tradicional prática de “sentar num homem”, os britânicos, possivelmente tomando a movimentação por uma insurreição feminina, abriram fogo, colocando um fim no ritual de equilíbrio de gêneros e cimentando a instituição do patriarcado na sociedade que colonizaram.[9]

Os Haudennosaunne, chamados iroqueses pelos europeus, são uma sociedade matrilinear igualitária do leste da América do Norte. Eles usam tradicionalmente vários meios para equilibrar as relações de gênero. Enquanto a civilização europeia utiliza a divisão de gênero para socializar as pessoas em rígidas regras e para oprimir mulheres, pessoas queer e pessoas transgênero, a divisão de gênero do trabalho e dos papéis sociais entre os Haudennosaunne funciona para preservar um equilíbrio, concedendo a cada grupo nichos e poderes autônomos, permitindo um maior grau de movimentação entre gêneros do que é considerado possível na sociedade ocidental. Por centenas de anos, os Haudennosaune organizaram-se em várias nações usando uma estrutura federativa e, a cada nível organizacional, havia conselhos de mulheres e conselhos de homens. No que poderia ser chamado de nível nacional, que envolvia questões de guerra e paz, o conselho dos homens tomava as decisões, embora as mulheres tivessem poder de veto. No nível local, as mulheres possuíam mais influência. Considerava-se que a unidade sócio-econômica básica, a casa comunal, pertencia às mulheres, enquanto os homens não tinham nenhum conselho nesse nível. Quando um homem casava-se com uma mulher, ele se mudava para a casa dela. Qualquer homem que não se comportasse podia ser expulso da casa comunal pelas mulheres.

A sociedade ocidental tipicamente vê os níveis “mais altos” de organização como mais importantes e poderosos – inclusive a linguagem que usamos reflete isso. Mas, como os Haudennosaune eram igualitários e descentralizados, os níveis mais baixos ou locais de organização, onde as mulheres tinham mais influência, eram mais importantes para a vida diária. Na realidade, quando não havia conflitos entre as diferentes nações, o conselho mais alto podia ficar um longo tempo sem encontros. Entretanto, a sua sociedade não era “matriarcal”: os homens não eram explorados ou diminuídos da maneira como as mulheres o são em sociedades patriarcais. Pelo contrário, cada grupo tinha uma medida de autonomia e meios para preservar um equilíbrio. Apesar de séculos de colonização por uma cultura patriarcal, muitos grupos Haudennosaune permanecem com suas relações de gênero tradicionais e ainda são um forte contraste à cultura de gênero opressiva do Canadá e dos Estados Unidos.

As pessoas não são naturalmente inclinadas para a guerra?

Filósofos políticos como Thomas Hobbes e psicólogos como Sigmund Freud supunham que a civilização e o governo têm um efeito moderador no que eles viam como tendência para a guerra e instintos brutais das pessoas. Representações da cultura pop das origens humanas, como as primeiras cenas do filme 2001: Uma odisseia no espaço ou as ilustrações nos livros infantis de homens das cavernas hiper-masculinizados lutando contra mamutes ou tigres dente-de-sabre fornecem uma imagem que pode ser tão convincente quanto a memória: os primeiros humanos tinham que lutar entre si e contra a natureza para sobreviver. Mas, se a vida humana primitiva tivesse sido tão sangrenta e guerreira como a nossa mitologia a retrata, os humanos simplesmente teriam se extinguido. Qualquer espécie com um ciclo reprodutivo de quinze a vinte anos e que geralmente só pode produzir uma prole por vez simplesmente não consegue sobreviver se a sua possibilidade de morrer em um dado ano for maior que 1 ou 2%. Teria sido matematicamente impossível para o Homo sapiens sobreviver àquela batalha imaginária contra a natureza e contra os outros humanos.

Os anarquistas têm defendido há tempos que a guerra é um produto do Estado. Algumas pesquisas antropológicas produziram relatos de sociedades pacíficas sem Estado, e de guerras entre sociedades sem Estado que não eram mais que um esporte bruto, com poucas mortes.[10] Naturalmente, o Estado encontrou seus defensores, que procuravam provar que a guerra era inevitável e portanto não era culpa de estruturas sociais opressivas. Em um estudo monumental, War Before Civilization, Lawrence Keeley mostrou que, de uma amostra extensa de sociedades sem Estado, um grande número empenhava-se em ofensivas militares e uma grande maioria empenhava-se ao menos em guerras de defesa. Somente uma pequena minoria nunca tinha feito guerras, e poucas fugiram de suas terras natais para evitar a guerra. Keeley esforçava-se para mostrar que as pessoas eram inclinadas para a guerra, mesmo que seus resultados mostrassem que elas podiam escolher entre uma grande variedade de comportamentos que envolviam tender para a guerra, evitar a guerra mas ainda assim se defender de agressões, não conhecer a guerra ou ter tanta aversão a guerras que preferiam fugir da sua terra natal a lutar. Contrariamente ao título de seu trabalho, Keeley estava mostrando a guerra depois e não antes da “civilização”. Uma grande parte dos dados sobre sociedades não ocidentais vieram de exploradores, missionários, soldados, comerciantes e antropólogos que conduziam as ondas de colonização pelo mundo, levando conflitos fundiários e tensões étnicas a escalas antes inimagináveis através da escravidão em massa, do genocídio, da invasão, do evangelismo e da introdução de novas armas, doenças e substâncias viciantes. Também é desnecessário dizer que a influência civilizadora dos colonizadores gerou guerras colaterais.

O estudo de Keeley caracteriza como sociedades inclinadas para a guerra aquelas que foram pacíficas por cem anos, mas foram expulsas de sua terras e, dadas as opções de morrer ou de invadir o território de seus vizinhos para ter espaço para viver, escolheram a segunda. O fato de que, sob essas condições de colonialismo global, genocídio e escravização, algumas sociedades permanecerem pacíficas prova que, se as pessoas realmente querem, elas podem ser pacíficas mesmo na pior das circunstâncias. Sem falar que, nessas circunstâncias, não há nada de errado em revidar as agressões!

A guerra pode ser o resultado do comportamento humano natural, mas a paz também o é. A violência certamente existia antes do Estado, mas o Estado levou a guerra e a dominação a níveis sem precedentes. Como indicou um de seus maiores proponentes, “a guerra é a saúde do Estado”. Não é um engano que as instituições de poder em nossa civilização – mídia, academia, governo, religiões – tenham exagerado a prevalência da guerra e subestimado a possibilidade de paz. Essas instituições ganham poder com guerras e ocupações; elas tiram proveito delas e as tentativas de criar uma sociedade mais pacífica ameaçam a sua existência.

Uma dessas tentativas é o Acampamento de Paz de Faslane, uma ocupação existente ao lado da Base Naval de Faslane, na Escócia, que abriga mísseis nucleares Trident. O Acampamento da Paz é uma expressão popular do desejo de uma sociedade pacífica organizada em linhas anarquistas e socialistas. O Acampamento de Paz de Faslane existe continuamente desde junho de 1982 e hoje está bem estabelecido, com água quente e banheiros, cozinha e quartos comunais, doze trailers de habitantes permanentes e espaço para visitantes. Esse acampamento serve como uma área de base para protestos nos quais as pessoas bloqueiam as rodovias, fecham os portões e inclusive entram na base para promoverem sabotagens. Estimulados pelo Acampamento da Paz, uma difundida oposição popular à base naval e alguns dos partidos políticos da Escócia reivindicaram o fechamento da base. Em setembro de 1981, um grupo de mulheres galesas formaram um acampamento similar, o Acampamento da Paz de Mulheres Greenham Common, ao lado de uma base da Força Aérea Britânica que abriga mísseis de cruzeiro em Berkshire, na Inglaterra. As mulheres foram expulsas à força em 1984, mas reocuparam imediatamente o local e, em 1991, os últimos mísseis foram removidos. O acampamento permaneceu até 2000, quando elas ganharam permissão para montar um memorial comemorativo.

Esses acampamentos da paz possuem alguma semelhança com a Comuna Vida e Trabalho, a maior das comunas tolstoianas. Tratava-se de uma comuna agrícola estabelecida nas cercanias de Moscou, em 1921, seguindo os ensinamentos pacifistas e anarquistas de Liev Tolstoi. Seus membros, quase mil em seu auge, estavam numa disputa com o governo soviético por se recusarem a realizar o serviço militar. Por essa razão, a comuna foi fechada pelas autoridades em 1930. Entretanto, durante sua existência, os participantes criaram uma grande comunidade auto-organizada em paz e resistência.

O movimento Trabalhador Católico [Catholic Worker] teve início em 1933, nos Estados Unidos, como resposta à Grande Depressão, mas, atualmente, muitas das 185 comunidades do movimento pela América do Norte e Europa focam na oposição ao militarismo do governo e na criação de fundações para uma sociedade pacífica. Inseparável de sua oposição à guerra é o seu comprometimento com a justiça social, manifesto em restaurantes populares, albergues e outros projetos que visam a ajudar os mais pobres. Apesar de cristão, o movimento geralmente critica a hierarquia da Igreja e promove a tolerância religiosa. Ele também é anticapitalista, pregando pobreza voluntária e “comunitarismo distributivista; autossuficiência através da agricultura, de ofícios variados e da tecnologia apropriada; uma sociedade radicalmente nova onde as pessoas confiarão nos frutos do seu próprio trabalho e labuta; associações mutualistas e um senso de justiça para resolver conflitos.”[11] Alguns integrantes do movimento denominam-se inclusive anarquistas cristãos. Comunidades dos Trabalhadores Católicos, que funcionam como comunas ou centros de assistência aos pobres, geralmente servem como base para protestos e ações diretas contra o Exército. Os Trabalhadores Católicos entraram em bases militares para sabotar o armamento, embora tenham esperado a chegada da polícia para serem intencionalmente presos como mais uma ação de protesto. Algumas de suas comunidades também abrigam vítimas de guerra, como sobreviventes de tortura que fogem dos resultados do imperialismo norte-americano em outros países.

O quão pacífica poderia ser uma sociedade que criássemos superando a beligerância de governos e promovendo novas normas em nossa cultura? Os agricultores Semai, na Malásia, oferecem uma indicação. A sua taxa de homicídios de é apenas 0,56/100.000 por ano, comparado com 0,86 na Noruega, 6,26 nos EUA e 20,2 na Rússia.[12] Isso pode estar relacionado à sua estratégia de criação dos filhos: tradicionalmente os Semai não batem em seus filhos e o respeito à autonomia das crianças é um valor comum na sua sociedade. Uma das poucas ocasiões em que um adulto intervém é quando a criança perde a calma e briga com outra; nesse caso, adultos próximos pegam as crianças e as levam para suas respectivas casas. As maiores forças sociais que sustentam a pacificidade dos Semai parecem ser uma ênfase em aprender o autocontrole e a grande importância conferida à opinião pública nessa sociedade cooperativa.

De acordo com Robert Dentan, um antropólogo ocidental que viveu com eles, “há pouca violência entre os Semai. A violência, na realidade, parece aterrorizar os Semai. Um Semai não confronta a força com força, mas com passividade ou fuga. Entretanto, não há um modo institucionalizado de evitar a violência – nenhum controle social, nem polícia ou tribunais. De algum modo, um Semai aprende automaticamente a sempre manter um domínio rígido sobre seus impulsos agressivos”[13]. Claramente, a guerra não é uma inevitabilidade e certamente não é uma necessidade humana: mais que isso, é uma consequência de arranjos políticos, sociais e econômicos, arranjos esses que são modelados por nós.

A dominação e a autoridade não são naturais?

Atualmente está mais difícil construir justificativas ideológicas para o Estado. Um massivo conjunto de pesquisas demonstra que muitas sociedades humanas foram firmemente igualitárias e que, mesmo dentro do capitalismo, muitas pessoas continuam a formar redes e comunidades igualitárias. Tentando reconciliar isso com sua visão de que a evolução é uma questão de competição feroz, alguns cientistas propuseram uma “síndrome humana igualitária”, teorizando que os humanos evoluíram para viver em grupos unidos e homogêneos nos quais a transmissão dos genes de seus membros não era assegurada pela sobrevivência do indivíduo, mas pela sobrevivência do grupo.

De acordo com essa teoria, cooperação e igualitarismo prevaleciam dentro desses grupos porque estava no interesse genético de todos que o grupo sobrevivesse. A competição genética ocorria entre diferentes grupos e aqueles que cuidavam melhor de seus membros eram os que transmitiam seus genes. A competição genética direta entre indivíduos era diminuída pela competição entre diferentes grupos, que empregavam diferentes estratégias sociais; desse modo, os humanos desenvolveram várias habilidades sociais que permitiram uma maior cooperação. Isso explicaria por que, pela maior parte da existência humana, nós vivemos em sociedades com pouca ou nenhuma hierarquia, até que certos desenvolvimentos tecnológicos permitiram que algumas sociedades se estratificassem e dominassem outras.

Isso não é dizer que a dominação e a autoridade eram não-naturais e que a tecnologia foi o fruto proibido que corrompeu uma humanidade inocente. Na realidade, algumas sociedades caçadoras-coletoras eram tão patriarcais que praticavam estupro grupal como forma de punição contra as mulheres, enquanto algumas sociedades com agricultura e ferramentas de metal eram fortemente igualitárias. Alguns dos povos do Pacífico Noroeste da América do Norte eram caçadores-coletores sedentários e tinham uma sociedade altamente estratificada com uma classe de escravos. Na Austrália, grupos nômades caçadores-coletores eram dominados por anciãos homens; os homens mais velhos podiam ter várias esposas, os mais novos não tinham nenhuma e as mulheres eram evidentemente distribuídas como propriedade social.[14]

Os humanos são capazes de comportamento tanto autoritário quanto antiautoritário. Sociedades horizontais que não eram intencionalmente antiautoritárias poderiam ter desenvolvido facilmente hierarquias coercitivas quando novas tecnologias tornavam isso possível, e, mesmo sem tanta tecnologia, elas podiam tornar um inferno a vida de grupos considerados inferiores. Parece que as formas mais comuns de desigualdade entre sociedades parcialmente igualitárias eram a discriminação por gênero e idade, que podia habituar uma sociedade à desigualdade e criar o protótipo de uma estrutura de poder – governada por anciãos homens. Essa estrutura de poder podia tornar-se mais poderosa ao longo do tempo com o desenvolvimento de ferramentas de metal e armas, excedentes, cidades etc.

O ponto, porém, é que essas formas de desigualdade não eram inevitáveis. Sociedades que desaprovavam comportamentos autoritários conscientemente evitaram a avanço da hierarquia. Na realidade, muitas sociedades abandonaram organizações centralizadas ou tecnologias que permitiam a dominação. Isso mostra que a história não é uma via de sentido único. Por exemplo, os berberes – ou Imazighen –, do norte da África, não constituíram sistemas políticos centralizados nos últimos séculos, mesmo quando outras sociedades ao redor o fizeram. “Estabelecer uma dinastia é quase impossível”, escreveu um comentarista, “devido ao fato de que o chefe enfrenta revoltas constantes que, afinal, acabam bem sucedidas e fazem o sistema retornar à ordem anárquica descentralizada”.[15]

Qual é o fator que permite que sociedades evitem a dominação e a autoridade coercitiva? Um estudo feito por Christopher Boehm, com dados de dezenas de sociedades em todos os continentes, envolvendo povos forrageadores, horticultores, agricultores e pastoris, concluiu que o fator comum é um desejo consciente de permanecer igualitário: uma cultura antiautoritária. “A causa primária e mais imediata do comportamento igualitário é uma determinação moral por parte dos atores principais dos grupos locais de que nenhum de seus membros deve poder dominar os outros”[16]. Mais que a cultura ser determinada por condições materiais, parece que a cultura molda as estruturas sociais que reproduzem as condições materiais de um povo.

Em certas situações, alguma forma de liderança é inevitável, já que algumas pessoas possuem mais habilidades ou uma personalidade mais carismática. Sociedades conscientemente igualitárias respondem a essas situações não institucionalizando a posição de líder, não concedendo ao líder qualquer privilégio especial ou ainda estimulando uma cultura que torna vergonhoso para aquela pessoa ostentar a sua liderança ou tentar ganhar poder sobre os outros. Além disso, as posições de liderança mudam de uma situação para outra, dependendo das habilidades necessitadas para a tarefa em questão. Os líderes durante uma caçada são diferentes dos líderes durante a construção de uma casa ou durante uma cerimônia. Se uma pessoa em papel de liderança tenta obter mais poder ou dominar seus pares, o resto do grupo emprega “mecanismos niveladores intencionais”: comportamentos que visam a manter o líder com os pés no chão. Por exemplo, entre muitas sociedades antiautoritárias caçadoras e coletoras, o caçador mais habilidoso em um bando é criticado e ridicularizado se é visto se gabando e usa seus talentos para alimentar seu ego, em vez de usá-los em benefício do grupo inteiro.

Se essas pressões sociais não funcionam, as sanções aumentam e, em muitas sociedades igualitárias, na instância final o líder incuravelmente autoritário é expulso ou morto muito antes de ser capaz de assumir poderes coercitivos. Essas “hierarquias de dominação reversa”, nas quais os líderes devem obedecer a vontade popular porque não têm poder para manter as suas posições de liderança sem apoio, apareceram em muitas sociedades diferentes e funcionaram por longos períodos de tempo. Algumas das sociedades igualitárias documentadas no levantamento de Boehm possuem um chefe ou um xamã que desempenha um papel ritual ou age como mediador imparcial em disputas; outras indicam um líder em tempos conturbados ou têm um chefe para a paz e um chefe para a guerra. Mas essas posições de liderança são não coercitivas, e, durante centenas de anos, não se tornaram papéis autoritários. Geralmente as pessoas que ocupam esses papéis veem-nos como uma responsabilidade social temporária que desejam abandonar rapidamente por causa do alto nível de críticas e de responsabilidade que enfrentam enquanto os ocupam.

A civilização europeia demonstrou historicamente um tolerância muito mais alta em relação ao autoritarismo do que as sociedades igualitárias descritas no levantamento. No entanto, enquanto os sistemas políticos e econômicos que se tornariam o Estado moderno e o capitalismo estavam se desenvolvendo na Europa, houve várias rebeliões que demonstraram que mesmo aí a autoridade era uma imposição. Uma das maiores rebeliões foi a Revolta Camponesa, na atual Alemanha e arredores. Entre 1524 e 1525, cerca de trezentos mil camponeses insurgentes, unidos a citadinos e parte da baixa nobreza, revoltaram-se contra os donos de terras e contra a hierarquia eclesiástica em uma guerra que deixou cerca de cem mil pessoas mortas pela Bavária, Saxônia, Turíngia, Suábia, Alsácia e parte do que hoje é Suíça e Áustria. Os príncipes e o clero do Sacro Império Romano-Germânico estavam aumentando constantemente as taxas e impostos para sustentar os crescentes custos administrativos e militares, ao passo que o governo tornava-se pesado demais. Os artesãos e trabalhadores das cidades foram afetados por esses impostos, mas os camponeses receberam o maior fardo. Para aumentar o seu poder e as suas rendas, os príncipes forçaram os camponeses livres à servidão e retomaram o direito romano, que instituía a propriedade privada da terra, um passo atrás em relação ao sistema feudal, em que a terra era uma custódia entre o camponês e o senhor que envolvia direitos e obrigações.

Enquanto isso, integrantes da velha hierarquia feudal, como a cavalaria e o clero, estavam tornando-se obsoletos e conflitavam com outros integrantes da classe dominante. A nova classe mercantil dos burgos, assim como muitos príncipes progressistas, se opunha aos privilégios do clero e à estrutura conservadora da Igreja Católica. Uma nova estrutura, menos centralizada, que pudesse basear o poder em conselhos nas cidades e vilas, como o sistema proposto por Martinho Lutero, permitiria que a nova classe política ascendesse.

Nos anos imediatamente precedentes à guerra, vários profetas anabatistas começaram a viajar pela região, defendendo ideias revolucionárias contra a autoridade política, contra a doutrina eclesiástica e inclusive contra as reformas de Lutero. Entre essas pessoas estavam Thomas Dreschel, Nicolas Storch, Mark Thomas Stübner, e, mais notavelmente, Thomas Müntzer. Alguns deles defendiam a liberdade religiosa total, o fim do batismo não voluntário e a abolição do governo na Terra. Não é preciso dizer que eles foram perseguidos por autoridades católicas e por apoiadores de Lutero e banidos de muitas cidades, mas, mesmo assim, continuaram a viajar pela Boêmia, Bavária e Suíça, ganhando apoiadores e dando combustível à rebeldia camponesa.

Em 1524, camponeses e trabalhadores urbanos reuniram-se na região da Floresta Negra, na Alemanha, e redigiram os Doze Artigos; o movimento criado espalhou-se rapidamente. Os artigos, com referência bíblicas usadas como justificação, pediam a abolição da servidão e a liberdade para todas as pessoas; o poder municipal para eleger e derrubar pregadores; a abolição de taxas no gado e nas heranças; o fim do privilégio da nobreza de aumentar os impostos arbitrariamente; o acesso livre a água, caça, pesca e às florestas; e a restauração das terras comunais expropriadas pela nobreza. Outro texto que foi impresso e que circulou em quantidade massiva pelas mãos dos insurgentes foi o Bundesordnung, a ordem federal, que expunha um modelo de ordem social baseado em municipalidades federadas. Integrantes menos letrados do movimento eram ainda mais radicais, como se julga por suas ações e pelo folclore a que deram origem; o seu objetivo era limpar a nobreza da face da Terra e instituir uma utopia mística.

A tensão social cresceu durante aquele ano, enquanto as autoridades tentavam evitar uma rebelião suprimindo encontros rurais como festivais populares e casamentos. Em agosto de 1524, o conflito finalmente estourou em Stühlingen, na região da Floresta Negra. Uma condessa exigiu que os camponeses lhe entregassem uma colheita especial em um feriado religioso. Ao invés disso, os camponeses rejeitaram-se a pagar todos os impostos e formaram um exército de mil e duzentas pessoas, sob a liderança de um antigo mercenário, Hans Müller. Marchando até a cidade de Waldshut, receberam o apoio dos citadinos e avançaram sobre o castelo de Stühlingen, sitiando-o. Percebendo que precisariam de algum tipo de estrutura militar, decidiram eleger seus próprios capitães, sargentos e cabos. Em setembro, defenderam-se de um exército dos Habsburgo em uma batalha sem vencedores e posteriormente recusaram-se a largar as armas e pedir perdão quando solicitados a fazê-lo. Naquele outono, greves camponesas, recusas ao pagamento do dízimo e rebeliões estouraram pela região, à medida em que os camponeses expandiam sua política de denúncias individuais, chegando à rejeição unificada do sistema feudal como um todo.

Com a chegada da primavera de 1525 – e, consequentemente, com o fim do frio –, as lutas voltaram com ferocidade. Os exércitos camponeses tomaram cidades e executaram um grande número de integrantes do clero e da nobreza. Porém, em fevereiro, a Liga Suábia, em aliança com a nobreza e o clero da região, alcançou uma vitória na Itália, onde esteve lutando em nome de Carlos V, o então imperador do Sacro Império, e pôde trazer as tropas para casa, usando-as para esmagar as revoltas. Enquanto isso, Martinho Lutero, os habitantes dos burgos e os príncipes progressistas voltaram atrás no seu apoio e passaram a defender a aniquilação dos camponeses revolucionários; eles queriam reformar o sistema, não o destruir, e o levante já tinha desestabilizado o suficiente a estrutura de poder. Finalmente, em 15 de maio de 1525, o principal exército camponês foi derrotado em Frankenhausen; Müntzer e outros líderes influentes foram capturados e executados e a rebelião foi suprimida. Entretanto, durante os anos seguintes, o movimento anabatista espalhou-se por Alemanha, Suíça e Países Baixos e as revoltas camponesas continuaram a irromper na esperança de que um dia a Igreja e o Estado seriam destruídos definitivamente.

O capitalismo e os modernos Estados democráticos obtiveram sucesso em se estabelecer nos séculos seguintes, mas foram sempre assombrados pelo espectro de uma rebelião vinda de baixo. Dentro de sociedades com Estado, a habilidade de organizar-se sem hierarquias existe ainda hoje, e essa possibilidade permanece viva para criar culturas antiautoritárias que consigam limitar os poderes de líderes em potencial. De modo muito apropriado, boa parte da resistência contra a autoridade global é organizada horizontalmente. O movimento mundial antiglobalização surgiu em grande medida a partir da resistência dos zapatistas no México, dos autonomistas e anarquistas na Europa, de agricultores e trabalhadores na Coreia e de rebeliões populares contra instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI) que ocorreram pelo mundo inteiro, da África do Sul à Índia. Os zapatistas e os autonomistas, especialmente, são marcados por suas culturas antiautoritárias, uma quebra pronunciada em relação à hierarquia dos marxistas-leninistas que dominaram as lutas internacionais em gerações anteriores.

O movimento antiglobalização provou ser uma força global em junho de 1999, quando centenas de milhares de pessoas pelo mundo inteiro – de Londres, na Inglaterra, a Port Harcourt, na Nigéria – tomaram as ruas no Carnaval Contra o Capitalismo, ou simplesmente J18. Em novembro daquele ano, participantes desse mesmo movimento chocaram o mundo ao evitar a realização da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Seattle.

O aspecto mais notável dessa resistência global foi que ela foi criada horizontalmente por diversas organizações e grupos de afinidade, abrindo caminho para novas formas de consenso. Esse movimento não tinha líderes e fomentou uma oposição constante a todas as formas de autoridade que tentavam se desenvolver dentro de seus quadros. Aqueles que tentaram colocar-se permanentemente no papel de chefe ou de porta-voz caíram no ostracismo – ou levaram uma torta na cara, como a que a organizadora Medea Benjamin recebeu no Fórum Social dos EUA em 2007.

Sem liderança, com pouca organização formal, criticando constantemente as dinâmicas de poder internas e estudando formas mais igualitárias de organização, ativistas antiglobalização continuaram a alcançar mais vitórias táticas. Em Praga, em setembro de 2000, quinze mil manifestantes superaram a massiva presença policial e impediram que o último dia da reunião do FMI ocorresse. Em abril de 2001, na cidade de Quebec, manifestantes romperam a barreira policial ao redor de uma reunião que planejava a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA); a polícia respondeu jogando tanto gás lacrimogêneo pela cidade que a fumaça entrou no local onde as conversações ocorriam. Consequentemente, muitos moradores da cidade tornaram-se favoráveis aos manifestantes. A polícia aumentou a repressão para conter o crescente movimento antiglobalização, prendendo seiscentos manifestantes e ferindo três com tiros de arma de fogo na reunião da União Europeia na Suécia, em 2001; um mês depois, policiais assassinaram o anarquista Carlo Giuliani na reunião do G8 em Gênova, onde 150 mil pessoas reuniram-se para protestar contra a conferência dos oito governos mais poderosos do planeta.

A rede Dissent! [“Dissidente!”] surgiu do movimento europeu antiglobalização com a finalidade de organizar protestos maiores contra a reunião do G8 na Escócia, em 2005. A rede também organizou acampamentos de protesto e bloqueios contra a reunião do G8 na Alemanha, em 2007, e ajudou nas mobilizações contra a reunião do G8 no Japão, em 2008. Sem hierarquia ou uma liderança central, a rede facilitou a comunicação entre grupos de diferentes cidades e países e organizou encontros para discutir e decidir estratégias para ações posteriores contra o G8. As estratégias visavam a tornar possíveis abordagens diversas, de modo que os grupos de afinidade pudessem organizar ações de apoio mútuo dentro de uma base comum, ao invés de cumprir as ordens de uma organização central. Por exemplo, um plano para realizar um bloqueio podia definir uma estrada que levasse ao local da reunião como uma zona para as pessoas que preferiam táticas pacíficas e teatrais, enquanto as pessoas que queriam construir barricadas e defender-se da polícia concentravam-se em outro lugar. Esses encontros para traçar estratégias reuniam pessoas de vários países e tinham tradução para vários idiomas. Posteriormente, panfletos, anúncios, documentos e críticas eram traduzidos e colocados em um site na internet. As formas anarquistas de coordenação usadas pelos manifestantes provaram-se efetivas muitas vezes para conter e algumas vezes enganar a polícia e a mídia corporativa, que possuíam equipes de milhares de profissionais pagos, uma avançada infraestrutura de comunicação e vigilância, e muito mais recursos que os que o movimento tinha.

Cabe uma comparação entre o movimento antiglobalização e o movimento antiguerra que surgiu em resposta à chamada Guerra ao Terror. Depois do 11 de Setembro de 2001, os líderes mundiais passaram a visar a destruição do crescente movimento anticapitalista, identificando o terrorismo como o inimigo número um, recriando a narrativa do conflito global. Após o colapso do Bloco Soviético e o fim da Guerra Fria, era preciso uma nova guerra e uma nova oposição. As pessoas tinham que escolher entre dois poderes hierárquicos – uma democracia estatista ou terroristas fundamentalistas –, ao invés de poder optar entre dominação e liberdade. No contexto conservador que se seguiu ao 11 de Setembro, o movimento antiguerra acabou rapidamente dominado por grupos reformistas e hierarquizados. Apesar de o movimento ter começado no dia do maior protesto da história da humanidade, em 15 de fevereiro de 2003, os organizadores canalizaram deliberadamente a energia dos participantes para rituais rigidamente controlados que não desafiavam a máquina de guerra. Em dois anos, o movimento antiguerra tinha desperdiçado completamente o impulso construído durante a era antiglobalização.

O movimento antiguerra não conseguiu deter a ocupação do Iraque, ou mesmo sustentar a si mesmo, porque as pessoas não são nem empoderadas nem ficam satisfeitas somente participando passivamente de espetáculos simbólicos. Por outro lado, a efetividade das redes descentralizadas pode ser notada nas muitas vitórias do movimento antiglobalização: as reuniões de organizações interrompidas, o colapso da OMC e da ALCA, o dramático recuo do FMI e do Banco Mundial.[17] Esse movimento não hierárquico demonstrou que as pessoas desejam libertar-se da dominação e que elas têm a capacidade de cooperar de uma forma antiautoritária, mesmo em grupos grandes de desconhecidos de diferentes nações e culturas.

Assim, desde estudos científicos sobre a história humana até manifestantes fazendo a história hoje em dia, as evidências contradizem claramente a concepção estatista da natureza humana. A humanidade não vem de um ancestral brutalmente autoritário que reprimiu esses instintos dentro de um sistema competitivo baseado na obediência à autoridade; pelo contrário, ela não tem uma trajetória única. Os primórdios da espécie parecem ter sido caracterizados por um espectro que variava de um igualitarismo estrito a uma hierarquia de pequena escala, com uma distribuição de riqueza relativamente igual. Quando as hierarquias coercitivas apareceram, elas não se espalharam por todo lugar imediatamente e, geralmente, provocaram resistências significativas. Mesmo em sociedades governadas por estruturas autoritárias, a resistência é uma parte importante da realidade, assim como a dominação e a obediência. Mesmo que uma revolução global ainda não tenha obtido sucesso, temos muitos exemplos de sociedades pós-estatais das quais podemos tirar dicas para um futuro sem Estado.

Meio século atrás, o antropólogo Pierre Clastres concluiu que as sociedades sem Estado e antiautoritárias que estudou na América do Sul não eram os resquícios de uma era primeva, como os ocidentais acreditavam. Ele defendia que, pelo contrário, elas eram bastante conscientes da emergência possível do Estado e organizavam-se para evitar que isso ocorresse. Muitas delas eram sociedades pós-estatais fundadas por refugiados e rebeldes que tinham fugido ou sido expulsos de Estados mais antigos. De modo parecido, o anarquista Peter Lamborn Wilson levantou a hipótese de que sociedades antiautoritárias no leste da América do Norte formaram-se como resistências às sociedades dos Hopewell; pesquisas recentes parecem estar confirmando isso. O que outros interpretaram com etnias a-históricas eram os resultados finais de movimentos políticos.

Os cossacos que viviam nas fronteiras russas fornecem um outro exemplo deste fenômeno. As suas sociedades foram formadas por pessoas que fugiam da servidão e de outras inconveniências da opressão governamental. Eles aprenderam a montaria e desenvolveram impressionantes habilidades guerreiras para sobreviver no ambiente de fronteira e defender-se contra os Estados vizinhos. Eventualmente, eles acabaram sendo vistos como uma etnia distinta com um autonomia privilegiada e o czar, a quem os seus ancestrais tinham renunciado, acabou querendo-os como aliados militares.

De acordo com o cientista político de Yale James C. Scott, todos os aspectos dessas sociedades – desde os vegetais cultivados até os seus sistemas de parentesco – podem ser considerados como estratégias sociais antiautoritárias. Scott documenta o povo das montanhas do sudeste asiático, uma aglomeração de sociedades que habitam um terreno acidentado onde as frágeis estruturas estatais enfrentam uma severa desvantagem. Por centenas de anos, esses povos resistiram à dominação estatal, no que envolveu frequentes guerras de conquista e extermínio levadas a cabo pelo Império Chinês, e períodos de ataques contínuos por parte de escravizadores. A diversidade cultural e linguística é exponencialmente maior nas montanhas do que nos arrozais dos vales controlados pelo Estado, onde domina uma cultura única. As pessoas das montanhas frequentemente falam várias línguas e pertencem a várias etnias. A sua organização social permite uma dispersão e uma posterior reunião fáceis e rápidas, permitindo que eles escapem de ataques e promovam táticas de guerrilha. Seus sistemas de parentesco baseiam-se em relações justapostas e redundantes que criam uma forte rede social e limitam a formalização do poder. As suas culturas orais são mais descentralizadas e flexíveis que as culturas letradas vizinhas nas quais o assentamento na palavra escrita fortalece a ortodoxia e dá mais poder àquelas pessoas com recursos para manter registros.

Esse povo das montanhas tem um interessante relacionamento com os Estados próximos. Os povos dos vales veem-nos como “ancestrais vivos”, ainda que eles sejam uma reação a essas mesmas civilizações do vale. Esse povo é pós-estatal, não pré-estatal, mas a ideologia do Estado rechaça o reconhecimento de uma categoria como “pós-estatal” porque o Estado supõe-se o auge do progresso. Integrantes das civilizações do vale frequentemente vão para as montanhas para viver mais livremente. Entretanto, as narrativas e mitologias das civilizações autoritárias como a chinesa, vietnamita e birmanesa, nos séculos anteriores à Segunda Guerra Mundial, pareciam ser planejadas para evitar que seus membros “voltassem” às civilizações que consideravam bárbaras. De acordo com alguns estudiosos, a Grande Muralha da China foi construída tanto para evitar que os chineses saíssem quanto para evitar que os bárbaros entrassem; mesmo assim, nas civilizações dos vales da China e do sudeste asiático, não havia mitos, línguas e rituais que pudessem explicar essas deserções culturais. A cultura era usada como outra muralha para manter essas frágeis civilizações unidas. Não é de admirar que os “bárbaros” tenham largado a escrita em favor de uma cultura oral mais descentralizada: sem registros escritos e uma classe especializada de escribas, a história tornava-se propriedade comum, e não uma ferramenta de doutrinação.

Longe de ser um avanço social que as pessoas aceitam prontamente, o Estado é uma imposição de que muitas pessoas tentam fugir. Um provérbio da Birmânia capta isso: “É fácil para um sujeito encontrar um senhor, mas difícil para um senhor encontrar um súdito”. No sudeste asiático, até recentemente, o principal objetivo da guerra não era tomar território, mas capturar súditos, já que as pessoas frequentemente iam para as montanhas criar sociedades igualitárias.[18] É irônico que tantos de nós estejamos convencidos de que temos uma necessidade essencial do Estado quando, na realidade, é o Estado que necessita de nós.

Um sentido mais amplo de si

Um século atrás, Piotr Kropotkin, o geógrafo e teórico anarquista russo, publicou seu livro revolucionário Ajuda mútua, que defende que a tendência das pessoas a ajudar outras, em um espírito de solidariedade, era um fator mais importante na evolução humana do que a competição. Podemos observar comportamentos cooperativos que desempenham um papel similar na sobrevivência de muitas espécies de mamíferos, pássaros, peixes e insetos. Ainda assim, persiste a crença de que os seres humanos são naturalmente egoístas, competitivos, inclinados para a guerra e dominados pelos machos. Essa crença funda-se numa representação errônea dos chamados povos primitivos como brutais, com o Estado sendo necessário como força pacificadora.

Os ocidentais que enxergam a si mesmos como o auge da evolução humana tipicamente veem os caçadores-coletores e outros povos sem Estado como relíquias do passado, mesmo que eles vivam no presente. Com isso, presumem que a história é uma progressão inevitável do menos complexo para o mais complexo e que a civilização ocidental é mais complexa que outras culturas. Se a história é organizada em Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro, Era Industrial, Era da Informação – e por aí vai –, então alguém que não usa ferramentas de metal deve viver ainda na Idade da Pedra, não? É eurocêntrico, para dizer o mínimo, assumir que um caçador-coletor que sabe os usos de mil plantas é menos sofisticado que um operador de uma usina nuclear que sabe apertar mil botões diferentes mas não sabe de onde vem a sua comida.

O capitalismo pode ser capaz de realizar façanhas de produção e distribuição que nunca foram possíveis anteriormente, mas, ao mesmo tempo, esta sociedade é tragicamente incapaz de manter todos os seus integrantes alimentados e saudáveis; além disso, ela nunca existiu sem grandes desigualdades, opressão e devastação ambiental. Pode-se defender que alguns membros da nossa sociedade são socialmente atrasados, se não totalmente primitivos, quando se trata de ser capaz de cooperar e organizar-se sem controle autoritário.

Uma visão aprofundada de sociedades sem Estado mostra que elas têm suas próprias formas desenvolvidas de organização social e suas próprias histórias complexas, dois aspectos que vão de encontro às noções ocidentais sobre características humanas “naturais”. A grande diversidade de comportamentos humanos considerados normais em diferentes sociedades coloca em questão a própria ideia de natureza humana.

O nosso entendimento de natureza humana influencia diretamente o que esperamos das pessoas. Se os humanos são naturalmente egoístas e competitivos, não podemos esperar viver em uma sociedade cooperativa. Quando observamos o quão diferentemente outras culturas caracterizaram a natureza humana, conseguimos reconhecer a natureza humana como um valor cultural, uma mitologia idealizada e normativa que justifica o modo como uma sociedade é organizada. A civilização ocidental destina uma imensa quantidade de recursos para o controle social, policiamento e produção cultural que reforce os valores capitalistas. A ideia ocidental de natureza humana funciona como uma parte deste controle social, desencorajando a revolta contra a autoridade. Desde a infância, somos ensinadas que, sem autoridade, a vida humana acabaria num caos.

Essa visão de natureza humana foi desenvolvida por Hobbes e outros filósofos europeus para explicar as origens e os propósitos do Estado; isso marcou uma mudança em direção a argumentos científicos num tempo em que argumentos divinos não bastavam mais. Hobbes e seus contemporâneos não possuíam os dados psicológicos, históricos, arqueológicos e etnográficos que temos hoje; além disso, seu pensamento era fortemente influenciado por um legado de ensinamentos cristãos. Mesmo agora que temos acesso a uma abundância de informação que contradiz a cosmologia cristã e a ciência política estatista, a concepção popular de natureza humana não mudou muito. Por que ainda somos educados tão erroneamente? Uma segunda pergunta responde a primeira: quem controla a educação na nossa sociedade? E, mesmo assim, qualquer pessoa que se oponha ao dogma autoritário enfrenta uma dura batalha contra a acusação de “romântico”.

Mas se a natureza humana não é fixa, se ela pode abranger uma grande variedade de possibilidades, nós não poderíamos usar uma dose romântica de imaginação para pensar em novas possibilidades? Os atos de revolta que ocorrem agora mesmo em nossa sociedade, do Acampamento da Paz de Faslane aos Mercados Realmente Realmente Livres, contêm os germes de uma sociedade pacífica e aberta. As respostas populares a desastres naturais como o Furacão Katrina mostram que todas as pessoas têm o potencial para cooperar quando a ordem social dominante é interrompida. Esses exemplos indicam o caminho para um sentido mais amplo de si – uma compreensão dos seres humanos como criaturas capazes de um amplo espectro de comportamentos.

Pode-se dizer que o egoísmo é natural, no sentido de que as pessoas vivem inevitavelmente de acordo com seus próprios desejos e experiências. Mas o egoísmo não precisa ser competitivo ou atuar contra as outras pessoas. Nossas relações vão bem além de nossos corpos e mentes – vivemos em comunidades, dependemos de ecossistemas para ter comida e água e precisamos de amigos, famílias e amantes para a nossa saúde emocional. Sem competição e exploração institucionalizadas, o interesse próprio de uma pessoa e os interesses da sua comunidade e meio ambiente acabam convergindo. Ver nossos relacionamentos com nossos amigos e com a natureza como partes fundamentais de nós mesmos expande o nosso senso de conexão com o mundo e a nossa responsabilidade para com ele. Não faz parte de nosso interesse próprio ser dominado por autoridades ou dominar outras pessoas; desenvolvendo um sentido mais amplo de si, podemos estruturar nossas vidas e comunidades uma de acordo com a outra.

Leitura recomendada

  • Robert K. Dentan, The Semai: A Nonviolent People of Malaya. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1979.
  • Christopher Boehm, “Egalitarian Behavior and Reverse Dominance Hierarchy,” Current Anthropology, Vol.34, No.3, June 1993.
  • Pierre Clastres, Society Against the State, (1974), Nova Iorque: Zone Books, 1987.
  • Leslie Feinberg, Transgender Warriors: Making History from Joan of Arc to Dennis Rodman, Boston: Beacon Press, 1997.
  • David Graeber, Fragments of an Anarchist Anthropology, Chicago: Prickly Paradigm Press, 2004.
  • Colin M. Turnbull, The Forest People, Nova Iorque: Simon & Schuster, 1961.
  • James C. Scott, Domination and the Arts of Resistance: Hidden Transcripts, New Haven: Yale University Press, 1990.
  • Bob Black, The Abolition of Work, 1985.


Notas

  1. “The Really Really Free Market: Instituting the Gift Economy,” Rolling Thunder, No. 4 Spring 2007, p. 34.
  2. Robert K. Dentan, The Semai: A Nonviolent People of Malaya. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1979, p. 48.
  3. Christopher Boehm, “Egalitarian Behavior and Reverse Dominance Hierarchy,” Current Anthropology, Vol. 34, No. 3, junho de 1993.
  4. N.T.: Um minério que é uma mistura de columbite e tantalite.
  5. Amy Goodman, “Louisiana Official: Federal Gov’t Abandoned New Orleans,” Democracy Now, 7 de setembro de 2005. Fox News, CNN e The New York Times deram notícias falsas de assassinatos e gangues de estupradores no Superdome [um ginásio esportivo], onde os refugiados se reuniram durante a tormenta. (Aaron Kinney, “Hurricane Horror Stories,” Salon.com)
  6. Jesse Walker (“Nightmare in New Orleans: Do disasters destroy social cooperation?” Reason Online, 7 de setembro de 2005) cita os estudos do sociólogo E.L. Quarantelli, que constatou que “Depois do cataclismo, os laços sociais se fortalecem, o voluntarismo cresce enormemente e a violência é rara (...)”.
  7. N.T.: Em tradução livre, “feroz”, “raivoso”.
  8. Roger M. Keesing, Andrew J. Strathern, Cultural Anthropology: A Contemporary Perspective, 3ª edição, New York: Harcourt Brace & Company, 1998, p.83.
  9. Judith Van Allen “Sitting On a Man”: Colonialism and the Lost Political Institutions of Igbo Women.” Canadian Journal of African Studies. Vol. ii, 1972, pp. 211–219.
  10. Johan M.G. van der Dennen, “Ritualized ‘Primitive’ Warfare and Rituals in War: Phenocopy, Homology, or...?” rechten.eldoc.ub.rug.nl Entre outros exemplos, van der Dennen cita os habitantes das terras altas da Nova Guiné, entre os quais bandos em guerra se enfrentavam, gritavam insultos e arremessavam flechas sem penas, e portanto sem direção, enquanto um outro bando nas cercanias gritava que era errado que irmãos brigassem e tentavam acalmar a situação antes que houvesse derramamento de sangue. A fonte original deste relato é Rappaport, R.A. (1968), Pigs for the Ancestors: Ritual in the Ecology of a New Guinea People. New Haven: Yale University Press.
  11. “The Aims and Means of the Catholic Worker,” The Catholic Worker, maio de 2008.
  12. Graham Kemp e Douglas P. Fry (eds.), Keeping the Peace: Conflict Resolution and Peaceful Societies around the World, New York: Routledge, 2004. A taxa de homicídios entre os Semai: p. 191. Outras taxas de homicídio: p. 149. A baixa taxa de homicídios na Noruega mostra que sociedades industriais também podem ser pacíficas. Deve-se notar que a Noruega tem uma das menores diferenças de distribuição de riqueza entre os países capitalistas e possui uma baixa confiança na polícia e em prisões. A maioria das disputas civis e muitas questões criminais no país são resolvidas através de mediação (p. 163).
  13. Robert K. Dentan, The Semai: A Nonviolent People of Malaya. Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1979, p. 59.
  14. Dmitri M. Bondarenko e Andrey V. Korotayev, Civilizational Models of Politogenesis, Moscou: Russian Academy of Sciences, 2000.
  15. Harold Barclay, People Without Government: An Anthropology of Anarchy, Londres: Kahn and Averill, 1982, p. 98.
  16. Christopher Boehm, “Egalitarian Behavior and Reverse Dominance Hierarchy,” Current Anthropology, Vol. 34, N. 3, junho de 1993.
  17. As vitórias do movimento e o fracasso do FMI e do Banco Mundial são sustentados por David Graeber em “The Shock of Victory,” Rolling Thunder n. 5, primavera de 2008.
  18. Os parágrafos que dizem respeito aos povos das montanhas do sudeste asiático baseiam-se na palestra “Civilizations Can’t Climb Hills: A Political History of Statelessness in Southeast Asia”, realizada por James C. Scott na Universidade de Brown, Providence, em Rhode Island, no dia 2 de fevereiro de 2005.


  • Tradução: Púcaro Búlgaro. É permitida a distribuição e a reprodução de trechos ou da integridade deste texto, desde que sem fins comerciais, citando a fonte e esta nota. É vedado qualquer outro uso ou distribuição desta tradução.