O feminismo como fascismo

De Protopia
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Bob Black

Como diz o título de um clássico, "Porcos são Porcos"[2] – e isso sem distinção em relação a seus genitais. Ilse Koch[3] era uma nazista, e não uma "irmã". O amor não é ódio, a guerra não é paz, a liberdade não é escravidão e a queima de livros não é libertadora. Antiautoritários que querem ser revolucionários se deparam com muitas questões difíceis. Porém, em primeiro lugar, eles precisam responder corretamente as fáceis.

Colocando as hipérboles e metáforas de lado, o dito "feminismo radical" é fascismo. Ele promove o chauvinismo, a censura, o maternalismo, a pseudo-antropologia, a criação de bodes expiatórios, uma identificação mística com a natureza, uma religiosidade pseudo-pagã, a uniformidade forçada de pensamento e inclusive de aparência (em alguns lugares, Hera[4] prestava ajuda às feministas ectomórficas ou "femininas"). Esta é toda a teoria e a maioria parte prática que devemos ser capazes de reconhecer por ora. Uma outra abominável continuidade tática com o fascismo clássico é a complementaridade entre a vigilantismo e os métodos estatais de repressão. Daí a Open Road[5], a Rolling Stone do anarquismo, ter aplaudido algumas ações anti-pornô em Vancouver (não como ação direta, portanto compreensível mesmo se mal direcionada) por encorajarem acusadoras letárgicas a perseguir. Na Itália pós-Primeira Guerra (e a supressão da IWW[6] nos EUA seguiu padrão similar), gangues fascistas atacavam organizações socialistas e sindicais com a aprovação tácita da política, que nunca intervia, exceto contra a esquerda.

Eu não dou a mínima para a indústria do pornô-para-lucro, ou seus “direitos” de expressão ou à propriedade. Esses são pontos secundários à questão principal: por que a distinção dessa espécie de negócio? Mirar o pornô denota um planejamento e prioridades, não uma espontaneidade elementar anticapitalista. As pessoas que praticam uma política calculada não podem reclamar se forem questionadas sobre suas razões ou criticadas.

A ideologia fascista sempre afirma de maneira incoerente à sua audiência, ao seu povo escolhido, que ela é ao mesmo tempo oprimida e superior. Os alemães não perderam realmente a Primeira Guerra – como poderiam, já que, ex hypotesi, eles eram superiores? –, eles foram golpeados pelas costas. (Mas como uma raça superior deixaria que uma situação dessas ocorresse?). Num longo discurso proferido num evento feminista do Movimento Anti-Pornô (APM, Anti-Porn Movement) em Toronto, dizem que os homens (e somente eles) “criaram a cultura de destruição da natureza e de ódio à mulher”. Se é assim, ou as mulheres não contribuíram com absolutamente nada à cultura, ou a cultura é algo mais que a destruição da natureza e o ódio às mulheres.

Para seus propósitos – e alguns deles são tão mundanos como a rivalidade sexual com homens hétero pelas mulheres que elas também desejam –, as feministas radicais reduzem na prática as mulheres a nada além de pessoas impotentes e servis, vítimas passivas do desprezo e da coerção masculinas. Isso insulta profundamente as mulheres de uma maneira mais profunda que as piores ideologias patriarcais – por exemplo, a noção judaica de mulheres como fonte de contaminação, ou a fantasia cristã da mulher como uma força da natureza incontrolável e sedutora. Ambas as noções difamam a mulher como o mal, mas dificilmente poderiam considerá-la impotente. O novo estereótipo da mulher como vítima não é apenas diretamente vinculado às atitudes patriarcais do século XIX vitoriano, que reduziam as mulheres (burguesas) a ornamentos inertes, mas, ao negar às mulheres o poder criativo inerentes a todas as pessoas, ele coloca as demandas das mulheres ao lado daquelas feitas por, digamos, filhotes de focas.

Suponha ao invés disso aquilo o que somente as mais insensatas feministas e os misóginos negam, que as coisas não são tão ruins, que as mulheres agiram tanto como sujeitos quanto foram objetos da história. Então como as mulheres – ou qualquer outro grupo minoritário, trabalhadores, negros, povos indígenas – não seriam responsáveis de cumplicidade nos arranjos que as condenam à dominação? Há razões para essas acomodações. Não há desculpas para negar a existência delas.

Isto não é ressentimento. Nunca me incomodou o fato de algumas mulheres terem desagrado em relação a homens; eu inclusive não tenho nada a ver com elas. Eu mesmo não gosto da maioria dos homens, especialmente aqueles que se enquadram no arquétipo “masculino”. Não posso deixar de notar, contudo, que a vasta maioria das mulheres não pensa assim. As feministas radicais também notaram isso, e isso as perturba. Eu seria o primeiro a concordar que vastas maiorias podem estar erradas. Se elas não pudessem, nós[7] seríamos a ala dos lunáticos, os malucos impotentes que quase todas as pessoas pensam que somos. Mas então eu critico as maiorias, não finjo falar por elas. As feministas radicais, por outro lado, são vanguardistas. Como tal, elas precisam racionalizar suas animosidades, e assim elas o fazem – realizando uma demonização do determinismo do pau a partir de seus preconceitos. Como odiadoras de homens, elas também não podem evitar serem odiadoras de mulheres.

Igualar a pornografia ao estupro – sob uma retórica rancorosa e raivosa, este parece ser o núcleo axiomático da APM – pretende presumivelmente fazer o pornô parecer mais sério. E, no entanto, se são os homens que dão as cartas e a tendência natural do sistema (como elas dizem) é desqualificar as iniciativas de oposição – da qual as feministas são as mais revolucionárias –, então o resultado mais provável é fazer o estupro parecer mais trivial. É a velha história da mulher que grita lobo. (De modo semelhante, a frase manipuladora da mídia, que diz que “antissionismo é antissemitismo” fez maravilhas para absolver Israel de seu expansionismo e exterminismo e levou os antissionistas a acreditar nos difamadores da B’nai B’rith).

De acordo com a epistemologia feminoide, os homens não compreendem nada a respeito da real natureza das mulheres. Alguém poderia logicamente supor que o estranhamento dos sexos, resultante de papéis desiguais e da discriminação, agiria em ambos os sentidos – e é isso que a maioria de nós, de acordo com as nossas experiências, relutantemente conclui. Porém, não: os homens não entendem as mulheres, mas as mulheres (mais exatamente, a vanguarda feminista radical) entendem os homens. As mulheres – na verdade, as especialistas feministas – entendem a pornografia e o seu significado para os homens muito mulher que os homens que escrevem a escrevem e leem – e as separatistas lésbicas, que evitam os homens e recusam-se a transar com eles, acham realmente que esta afirmação é verdadeira. Quanto mais distante é a sua experiência da vida real dos homens, mais você a entende. Invertendo o raciocínio, não seria o Papa, como ele próprio afirma, a maior autoridade em mulheres e em sexualidade?

A declarada conexão entre pornô e estupro é alegórica, não empírica. Correlatamente, ela se compara à recentemente revivida “loucura do baseado”[8], que hoje tem a heroína como seu novo alvo, em seu caráter absurdo e em seus objetivos estatais. Se o feminismo não existisse, políticos conservadores o teriam inventado. (Por que, por favor me expliquem, as legislaturas formadas só por homens sempre condenaram a “obscenidade”? E por que as cortes formadas só por homens arbitrariamente a excluíram da proteção constitucional?) Se as harpias da APM lidassem com pessoas, e não com suas projeções fervorosas, elas descobririam que a pornografia não interessa à maior parte dos homens pós-púberes– não porque eles são politicamente corretas, mas somente porque ela é obviamente repugnante, suja e, sobretudo, inferior à coisa de verdade.

As feministas queimadoras de livros são covardemente oportunistas. Se aquilo a que elas se opõem é a socialização subliminar das mulheres em papéis subservientes aos homens (curiosamente, adotar o mesmo papel em relação a lésbicas masculinizadas[9] é uma diversão inofensiva), a sua principal preocupação teria que ser a Cosmopolitan[10], os romances de Barbara Courtland[11] e a vasta literatura popular cripto-pornográfica escrita e lida por mulheres. Afinal, o nojo e a violência são secundários: de qualquer maneira, apenas vítimas podem ser vitimizadas. Quinze anos atrás, as liberacionistas originais (que posteriormente foram trocadas pelas pregadoras, advogadas e altas burocratas atuais) atacavam inimigos como Hugh Hefner e Andy Warhol[12]. Atualmente, elas aterrorizam adolescentes punks (esta anedota é contada em Match![13]) cujas colagens insinuam que Margaret Thatcher, por exemplo, é uma ditadora, a “mãe de mil mortos”, e não uma “irmã”. Essa é a lógica desse estranho determinismo biológico: qualquer animal provido de uma vagina é uma de Nós, qualquer pessoa com o privilégio de ter um pau é um deles. Alguém lembrar daquela pergunta do The Firesign Theatre[14]: “Quem é nós, afinal”?

Homens de esquerda, por exemplo, são fácil e frequentemente propensos a dizer sim ao enaltecimento das feministas. Eles combinam a culpa por impropriedades passadas (como em geral aqueles que se sentem culpados – em relação a mulheres, negros, estrangeiros etc.) com uma ambição presente de dormir com as feministas de esquerda. Dessa maneira, Berkeley, na Califórnia (de onde estou próximo), está fervilhando de homens “feministas” que se converteram para conseguir transar mais facilmente. Muita desse mesmo engodo parece estar ocorrendo em Toronto e, sem dúvida, em muitos outros lugares. Essas ambições ulteriores obviamente não tiram o valor das ideologias às quais se ligam – a conclusão certa pode ser atingida pelas piores razões. Mas, na medida em que as opiniões sobre o assunto certamente parecem ser idiotas para qualquer pessoa sem um interesse secundário em adotá-las, os inexplicáveis paroxismos expressos por intelectuais homens parecem ser mais plausivelmente explicáveis como racionalizações interessadas e falsas.

É possível que esta ideologia que denuncio é algo que algumas pessoas ultrapassar para libertar-se na medida necessário para aventurar-se num projeto de liberação coletiva. Ex-alunas feminismo já migraram para a questão comum da liberdade, e algumas delas são melhores pelo que passaram. Nós todos temos antecedentes embaraçosos (marxismo, libertarianismo, sindicalismo, objetivismo etc.) para esconder: se nunca tivéssemos pensado em termos ideológicos, seria difícil de acreditar que teríamos chegado ao ponto de pensar por nós mesmos. Ser um trotskista ou um jesuíta é, em si, ser um crente, ou seja, um estúpido. E, no entanto, uma passagem rápida mas rigorosa através de qualquer sistema pode mostrar o caminho para fora do próprio Sistema-mestre.

Mas provavelmente não quando mulheres críticas são ostracizadas ou homens brancos críticos são ignorados ou difamados como por questão de princípios. (Um mecanismo similar para manter uma conspiração de silêncio é mantido pelos sionistas: críticos não judeus são “antissemitas”, críticos judeus só podem ser“judeus que odeiam a si mesmos”.) O separatismo pode ser absurdo como programa social e cheio de inconsistências (raramente alguma separatista se separa da sociedade patriarcal como, por exemplo, fazem os sobrevivencialistas – e ninguém intervém nas questões das outras pessoas que as separatistas). Mas o semi-isolamento torna mais fácil doutrinar neófitas e calar evidências e argumentos contrários, uma compreensão que as feministas radicais compartilham com os moonies[15], os hare krishnas e outros cultistas. Na realidade, tenho notado uma perda de força do feminismo radical: às medida que a cultura e a política dos anos 1960 continua a perder espaço, menos e menos mulheres têm a mente previamente preparada para uma lavagem cerebral feminista. As (assim chamadas) feministas radicais nos seus vinte e poucos anos são poucas e estão se tornando mais raras ainda.

O feminismo radical (sem querer disputar a expressão com as suas atuais donas) é, então, uma construção ridícula, cheia de ódio, autoritária, sexista e dogmática à qual revolucionários dão uma legitimidade não merecida ao tomá-la seriamente. É tempo de parar de proteger essas terroristas do trivial e considerá-las responsáveis por pregar um discurso genocida e praticar todo o mal (até, verdade seja dita, estupro!) que elas insistem que lhes infligido (ou melhor, como geralmente ocorre, a algumas outras supostas “irmãs”: o feminismo radical típico faz isso muito bem). Como impedir o femino-fascismo? É fácil: apenas tome as feministas como o que elas são e trate-as como iguais… e então ouça-as uivar! A rainha está nua… e é isso que eu chamo de obsceno.

Bob Black
1983


Referências

  1. Nota prévia de tradução: Apenas lembrando que tradução não significa concordância.
  2. N.T.: No original, "Pigs is Pigs", o nome de uma história infantil clássica estadunidense.
  3. N.T.: Integrante das SS, foi comandante dos campos de extermínio de Buchenwald e Majdanek durante a Segunda Guerra Mundial.
  4. N.T. Uma organização feminista radical estadunidense.
  5. N.T. Uma publicação anarquista canadense.
  6. N.T.: Industrial Workers of the World, sindicato revolucionário originário dos EUA.
  7. N.T: Pelo contexto, fica implícito que o “nós” a que Black se refere, são os anarquistas ou libertários.
  8. N.T.: No original, “reefer madness”,título de um filme de propaganda estadunidense de 1936 que vinculava a maconha à loucura.
  9. N.T.: No original, “butch lesbians”.
  10. N.T.: Uma revista “feminina” estadunidense, o equivalente ao que são “Cláudia” ou “Nova” no Brasil.
  11. N.T. O nome da autora é na realidade Barbara Cartland. Ela foi uma escritora inglesa de literatura romântica, uma das mais vendidas no século XX.
  12. N.T. Respectivamente, o fundador da revista “masculina” Playboy e o artista estadunidense da chamada “pop art”.
  13. N.T. Pelo contexto, trata-se de uma publicação.
  14. N.T. Um grupo de comédia estadunidense que fez sucesso nos anos 1960 e 70.
  15. N.T. Forma pejorativa de se referir aos seguidores da Igreja da Unificação dos Estados Unidos, criada pelo Reverendo Moon.


Tradução: Reticente

  • É permitida a distribuição não comercial de parte ou da integralidade deste texto, desde que citado o nome do autor, o nome do tradutor, a origem e esta nota.
  • Conclusão da tradução: 11 de junho de 2016