Saúde Mental

De Protopia
Revisão de 18h22min de 16 de janeiro de 2017 por 10.2.0.50 (discussão)
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Se você estiver passando por uma crise neste momento, pule para a seção entitulada "Crise".

É importante quebrar o silêncio que cerca as lutas de muitos de nós com os estados popularmente chamados de mania, depressão, esquizofrenia, sindrome do pânico e estresse pós-traumático. Precisamos estabelecer redes de apoio e orientação para aquelas pessoas que estão sofrento destas formas e têm, compreensivelmente, um pé atrás com a indústria psiquiátrica.

Não existem formas certas ou erradas de desenvolver um processo de cura. A minha experiência, assim como a sua, valida a si mesma. Eu não alego ser uma autoridade no assunto, nem acredito no tratamento institucional por diagnóstico para problemas mentais e emocionais. Eu vivi e continuo vivendo aquilo que escrevo, e ofereço as estratégias que ajudaram na minha cura. Compare tudo o que está aqui com a sua própria experiência e veja o que ecoa dentro de você.

Instruções

Seu corpo

Quando estou na pior, eu não consigo sentir meus braços e pernas. A minha pele fica dormente; eu só consigo experimentar sensações se eu me concentro muito. A minha mente se separa completamente do meu corpo. Quando estou nesse lugar, não como nada além de açúcar, nunca bebo água, raramente me movo e mal percebo o que está ao meu redor — a falta de atenção se retroalimenta. Tantas pessoas na nossa sociedade vivem desta forma. Os padrões comportamentais de auto-negligễncia e dissociação dos nossos corpos que muito de nós são ensinados desde criança são reforçados pela depressão, e vice-versa. Temos que quebrar esses padrões. Nossos corpos precisam de nós! Precisamos voltar para nós.

Uma reconexção entre mente e corpo deve ser o primeiro passo em um processo de cura. Muitos de nós concebem métodos de cura que consistem de horas de escrita introspectiva, conversas íntimas com pessoas de confiança, chorar, gritar, rir, dançar, exorcismo através da arte e da música — mas não podemos fazer nada disso se não comermos. E geralmente, ninguém nos ensinou como fazê-lo.

Muitas pesquisas têm sido feitas sobre como diferentes dietas regulam a atividade neuro-química e hormonal, e há livros que vocẽ pode ler a esse respeito. Aprender a nutrir o seu corpo é um processo consciente que exige dedicação em tempo integral. Na verdade, pode ser divertido olhar para dentro de si e perceber como os diferentes tipos de comida fazem você se sentir — é uma forma de conhecer a si mesmo que a maioria das pessoas nunca pensa em experimentar. Têm coisas que o seu corpo gosta e outras de que ele não gosta, da mesma forma que a sua mente.

Pode ser difícil suprir todas as suas necessidades nutricionais revirando lixeiras (veja Revirando Lixeiras). Uma solução a este problema é o auxílio alimentação do governo. Os vales alimentação são emitidos e controlados pelos governos municipais, estaduais e federal; se você possui baixa-renda, você tem direito a auxílio alimentação*. Se você mora coletivamente, você pode obter a maior parte da sua comida revirando lixo ou de produtores locais (veja Desemprego), e uma outra pessoa se inscreve para receber auxílio alimentação para satisfazer os requisitos nutricionais da casa que não podem ser supridos de outra forma. Se a renda dessa pessoa aumentar e ela for cortada do benefício, outra pessoa pode assumir este papel, ou mais de uma pessoa e você viveram com abundância e celebração.

Mais algumas dicas sobre alimentação. Jamais trabalhe por seis horas para depois perceber que não comeu e então se empanturrar muito rápido. Não fique com fome, encha a sua pança, e depois encha-a de novo assim que houver algum espaço nela. É verdade o que dizem: vários lanches comidos com calma e bem mastigados. Extraia o máximo de nutrientes de cada mordida. E não esqueça de fazer com que seja gostoso.

Outra importante maneira de voltar a habitar o seu corpo é o exercício físico. Tudo que você precisa fazer é aumentar o ritmo dos seus batimentos cardíacos, suar e manter-se assim por 20 minutos. Não importa o que você faça. Você pode andar de bicicleta, conseguir um bom par de tênis de tentar alguma mistura de corrida e caminhada, dançar só na sua sala, fazer uma trilha vigorosa, tocar bateria, não importa. Você vai ter tanta energia física, mental e emocional que você nem vai saber o que está acontecendo. Por isso, é melhor que seja a primeira coisa que você faz no dia: vai te acordar, ligar o seu sistema e lhe dar um sentimento de vitalidade.

Eu não consigo escrever sobre saúde e bem estar sem mencionar ioga. Como práticar para estar presente em seu corpo a ioga é indispensável. Ela mexe com todo o corpo, corrige má postura, fortalece seus músculos e a sua flexibilidade, e até mesmo te ensina como respirar. Escolas de ioga geralmente oferecem aulas experimentais gratuitas, assim você pode aprender algumas posturas e praticar em casa. Você pode conseguir livros de ioga, mas é melhor aprender de alguém com alguma experiência, pois se você aprender alguma postura errado e repetí-la muitas vezes vocẽ pode se machucar seriamente. O princípio do holismo é parte importante da ioga; ela nos treina para reconectar corpo, mente e espírito em um único e completo ser.

Mais uma coisa sobre reconexão; se você trabalha, tente encontrar um emprego que te permita estar ao ar livre usando o seu corpo. Nos condicionam a acreditar que os trabalhos mentais são para pessoas evoluídas e o trabalho físico para as subalternas. Além de perpetuar a opressão de classe, esta crença nos encoraja a estarmos ainda mais ausentes de nossos corpos. Você pode construir trilhas em parques para os órgãos que cuidam deles; você pode fazer serviços autônomos de jardinagem, construção e pintura; você pode trabalhar em fazendas orgânicas ou ser um trabalhador migrante. Você aprenderá sobre os limites do seu corpo — acredite ou não a maioria das pessoas nunca aprende! — e você irá ficar exausto, o que pode ser uma sensação muito boa. Mesmo que você tenha que se expor ao frio e à chuva, pode ser mais recompensador que atender em um restaurante ou preparar café gourmet para mauricinhos, ou vender o seu sangue. Por favor, não venda o seu sangue. Que exemplo grotesco de uma indústria exploradora literalmente tirando o sangue dos pobres!

  • — N. do T. Aqui os autores falam da realidade nos E.U.A., no Brasil os programas de assistência social funcionam de forma diferente — consulte os órgãos públicos em sua cidade para saber que tipo de apoio governamental você tem direito.


Listas

Foi só recentemente que eu descobri o poder das listas. A maioria das pessoas com quem falei sobre lidar com a depressão passam por muita dificuldade apenas para cuidar de tarefas do dia-a-dia. Fazer uma lista das coisas que eu tenho que fazer realmente faz com que tudo pareça mais administrável. Consiga um daqueles pequenos blocos de notas e leve com você para onde quer que vá. Faça uma lista de coisas a fazeer toda semana. Quando você finalizar um item da lista, risque uma linha através dele — isso é muito gratificante. Se você não conseguir resolver tudo na sua lista, apenas transfira o que sobrou para a próxima lista, mas dedique um tempo para fazer uma lista nova toda semana. Se eu olho por muito tempo para uma lista que eu nunca consigo terminar, isso faz com que eu me sinta mais deprimido. Isso reforça a minha crença de que eu nunca vou conseguir dar um jeito na minha vida, e então, é claro, essa crença se manifesta na realidade. O bloco de notas é uma ótima ferramenta. Você também pode usá-lo para anotar aquelas ideias malucas e fantasias fugazes com as quais você sonha quando está jardinando, trabalhando ou caminhando na chuva. Você pode usá-la para escrever poemas sobre aquele esquilo suicida que sempre espera um carro chegar para atravessar a rua com uma semente na sua boca. Você pode rabiscar retratos de todas as pessoas estranhas no ônibus. Depois de um tempo ele se torna uma maneira familiar e confiável de interagir com o seu ambiente e estar presente na sua experiência de vida.

Mais coisas sobre listas: anote tudo que você conseguir pensar que é belo, que faz você se sentir viva, ou que você simplesmente gosta. É tão fácil para nós esquecermos dessas coisas quando estamos pra baixo, e apenas nomeá-las pode ajudar a trazê-las de volta para a nossa vida. Aqui estão algumas das coisas na minha lista: momentos de silêncio completo em uma rua; azaleias florescendo; o cheiro de livros velhos; beber água quando estou com muita sede; cartas muito boas; a cor da minha pele iluminada pela lua cheia; vento; verde muito, muito, escuro; veludo fresco encostando nas minhas orelhas e bochechas; o cheiro de ovelhas; meias limpas. Isso tudo faz com que eu me sinta em casa e eu tinha esquecido de tudo isso, até que escrevi no papel.

Além da lista de coisas pelas quais viver, elabore uma lista de ações que você sabe que podem lhe ajudar se você estiver numa pior. Vale qualquer coisa desde dar uma caminhada pelo bairro até comer uma boa refeição ou passar tempo com o seu cão. Dê cópias dessa lista às pessoas mais próximas de você, para que tenham ideia de como ajudar quando você estiver com problemas. Outra boa ferramenta para dar a pessoas de confiança é uma lista de sinais de alerta de que você está passando por dificuldades. Eles podem ser sutis, como olheiras ao redor dos seus olhos por falta de sono, ou podem ser gritantes, como não sair de seu quarto por vários dias. Mesmo se esses sintomas parecerem óbvios para você, é importante que você os identifique para os seus amigos e amigas, para que saibam que é hora de te ajudar quando eles começarem a surgir.

Existe mais uma lista que você não pode ficar sem: uma lista das pessoas que você irá procurar quando estiver mal. Elabore essa lista quando você estiver com a cabeça relativamente equilibrada; se você tentar fazer isso quando o pânico estiver te asfixiando ou você estiver paralisada pela depressão, você terá muita dificuldade em pensar em alguém, e isso fará com que você se sinta dez vezes pior. Mantenha essa lista à mão — plastifique-a com fita adesiva e cole-a no seu telefone ou no espelho do banheiro, faça algumas cópias caso você a perca. Mesmo que isso não pareça importante agora, acredite em mim, será.


Crie!

Quase nem precisa dizer, mas as pessoas que lutam com a depressão ou outros desafios mentais e emocionais podem ser dotadas de enorme energia criativa. Talvez quando tudo parece totalmente fora de controle, as pessoas naturalmente gravitam a essas coisas que ainda podem ser ordenadas: palavras, notas musicais, cores, formas. Quando você estiver passando por dificuldades, focar-se em buscas criativas pode ser muito terapêutico. Se você quiser tirar a sua concentração dos seus sentimentos de pânico e paralisia para se focar em arranjos de sons, de linguagem, de imagem ou movimento que expressem esses sentimentos, isso pode capacitar você a reconquistar o seu equilíbrio e capacidade de agir. Não force isso, nem deixe a sua auto-imagem depender de sua produção criativa — todo mundo tem bloqueio criativo, todo mundo vivencia diferentes níveis de criatividade — mas também não subestime o seu poder.


Crise

Este é o melhor método no qual eu consigo pensar para lidar com um ataque de pânico ou situação similar. É o que eu gostatia que alguém tivesse me contado quando eu estava entrando em colapso sob o peso do medo e do desespero:

1) Respire. Coloque sua mão direita na barriga e inspire profundamente, sentindo-a se expandir. Agora expire pelo dobro de tempo da sua inspiração. Conte os segundos se desejar. Isso fará com que os seus batimentos cardíacos se regularizem e evitará que o seu organismo se sobrecarregue de oxigênio. Repita esse processo. Fique consciente da sua respiração. Lembre-se: se você ainda estiver respirando, você ainda vive.

2) Se você não estiver em casa, se estiver em um show ou em um restaurante, ou estiver viajando e estiver em um espaço compartilhado na casa de uma pessoa estranha, saia da sala em silêncio. Quando têm muitas pessoas ao meu redor e eu me sinto como você está se sentindo, isso geralmente torna as coisas piores. Se você estiver com uma pessoa amiga, peça-a para vir com você; se estiver sozinha, isso também está ok. Vá para o jardim ou para uma sala vazia, talvez o banheiro, algum lugar onde você não chamará a atenção e onde não esteja em perigo físico. Não vá muito longe. Não atravesse ruas.

3) Agora retorne para o seu corpo. Pode ser que você não sinta seus braços e pernas, ou a sua pele. Essa é uma resposta razoável ao medo, mas voltar a consciência para o seu corpo será bem melhor para fazer você se sentir em segurança. Se há alguém em quem você confia por perto, peça a ela que abrace você, gentilmente. Foque-se nos braços que seguram você, mantendo você em segurança. Se estiver só, abrace-se você mesmo.

Sente em algum lugar, um lugar macio, se houver, e lentae suavemente balance-se para trás e pra frente. O seu corpo se lembra disto de quando você era um bebê e isso irá te confortar agora da mesma forma. Continue respirando, expirando pelo dobro do tempo que você inspira.

Se você ainda estiver se sentido desconectada do seu corpo, feche os seus olhos e imagine que você está preenchendo seu corpo, como um líquido, subindo pelas suas pernas, pelo seu torso, até seus ombros — continue respirando — descendo pelos seus braços até suas mãos, pelo seu pescoço, pela sua face, até o topo da sua cabeça. Agora você está preenchida. Balance-se suavemente para trás e para frente atpe que o ritmo diminua naturalmente, até que você esteja parada e segura. Continue respirando, com suas exalações durando o dobro do tempo das suas inspirações.

4) Se você estiver só e ainda estiver passando por dificuldades, encontre a sua lista de pessoas para quem liga quando você se sente assim. Se uma delas não responder, ligue para a próxima pessoa, e para a próxima. Siga pela lista, até embaixo e de volta ao topo se necessário, até que você consiga falar com alguém. Diga a ela exatamente o que está acontecendo com você.


5) Não lute contra isso. Eu não posso enfatizar o suficiente que a única maneira de passar por sentimentos difíceis é sentindo-os. Tentar desesperadamente tudo que está gritando dentro de você apenas deixará a tempestade ainda mais forte. Você deve passar por esses sentimentos. Não negue a experiência, reconheça-a pelo que ela é. Fala sobre ela: "Estou com muito medo agora", "Eu sinto como se as paredes estivessem se fechando sobre mim", "Eu sinto como se eu estivesse afundando."

E aceite a presença desses sentimentos. Não deixe que eles te consumam, não deixe que eles sejam tudo o que você é. Amacie-os e esteja com eles, e eles passarão dez vezes mais rápido do que se você se prender a eles.


Se você estiver entrando em colapso

Se alguma coisa na sua vida faz com que você vivencie uma mudança emocional ou bioquímica, ou a memória de um trauma começa a se libertar, o resultado pode ser fragilidade emocional, depressão profunda e ansiedade e desconfiança generalizadas. Se você está passando por isso, você pode se sentir como se estivesse se despedaçando.


As regras acima podem ajudar você a manter a sua saúde e bem-estar, e podem fazer com que você tenha um melhor entendimento dos seus ritmos e ciclos naturais. Ao mesmo tempo, também pode não ser saudável focar toda a sua energia para prevenir que você entre em colapso.


As pessoas desabam às vezes, isso é inevitável e natural. A decomposição é um processo fundamental no ciclo da vida: tudo cai, retorna ao solo, se decompõe e se torna parte da renovação da vida. Nós não somos diferentes — esse padrão se repete várias vezes ao longo de nossas vidas.

Isso pode soar absurdo, mas é preciso uma certa habilidade para desmoronar — é possível fazer isso com graça e cuidado. Isso não quer dizer que o processo possa ser sem for ou fácil, ou que você deva ser capaz de evitar que a sua vida vire um caos enquanto você passar por ele; mas existem formas de passar por ele sem perder de vistas as suas necessidades e as das outras pessoas.

É sua primeira e mais importante responsabilidade ser honesta e sincera sobre o que está acontecendo com você. Você pode não saber por quê você se sente assim, mas essa não é a questão mais importante. O que você pode saber, e deve sempre tentar reconhecer para si mesma é o que você está sentindo. Tente realmente estar por dentro dos sentimentos que você tem. Eu não estou falando sobre desenvolver um apego romântico à loucura, inibindo a sua habilidade e disposição de se curar. Eu estou falando sobre desmanchar a resistência que você tem a sentir o que sente. Eu realmente acredito que não é a depressão em si que acaba com a vida das pessoas, mas as suas respostas a ela: o seu medo dela, a sua falta de vontade de lidar com ela e com os problemas que ela cria. Seja honeste consigo mesma.

A segunda tarefa é buscar outras pessoas. Você pode já ter estabelecido um acordo com seus amigos e amigas de confiança, ou pessoas com quem você divide a casa, de que elas irão te apoiar quando uma situação como essa surgir. É crucial que você tenha mais de uma pessoa te apoiando, especialmente se você mora com uma parceira romântica. Pode ser fácil desenvolver padrões de dependência com uma parceira quando as coisas ficam difíceis, e se você puser todo o peso da sua recuperação em uma única pessoa isso poderá destruir a sua relação, romântica ou não. Esse assunto é difícil para todas as pessoas envolvidas; não esqueça que aquelas que estão te apoiando também precisarão apoiar a si mesmas.

Se você fez lista de sinais de aviso de que você não está bem e maneira de ajudar você a se sentir melhor, elas podem ser úteis. Quando as coisas estão especialmente difíceis, pode ser necessário que as pessoas que te apoiam estejam disponíveis vinte e quatro horas por dia. Você não deve recusar a sua ajuda, mesmo que pareça que elas estão fazendo sacrifícios por você — você faria o mesmo por elas, não é mesmo?

É tão vital que você seja honesta com suas amigas e amigos quanto o é que você seja honesta consigo mesma. Deixe que saibam pelo que você está passando, como você se sente, e como as ações delas fazem você se sentir. Se elas forem condescendentes, deixe-as saberem. Elas assumiram o compromisso de apoiar você, e qualquer retorno que você possa lhes dar tornará o processo mais fácil para todo mundo. Se você não conseguir falar, ou se você realmente só quer estar só, tente expressar isso o melhor que puder. Não se repreenda por não conseguir se virar sozinha, nem pense que você está sendo uma má amiga. Perdoe a si mesma — você não fez nada de errado ao se sentir assim. Você precisa se focar em passar por isso, e isso já pode ser trabalho o suficiente.

A máquina capitalista não permite que quem está dentro dela a destrua, jamais. Se alguém fizer isso, essa pessoa será ejetada do seu meio e despejada em uma ala psiquiátrica, casa de bem-estar ou outro tipo de prisão. Como anarquistas, nós devemos estar trabalhando para criar um mundo no qual as pessoas tem autorização para entrar em colapso quando necessário. Se você está numa situação na qual você está desmoronando e você sente que está sendo emocionalmente negligenciada ou ignorada pelas pessoas que deveriam te apoiar, se você deixou claro que está passando por algo muito sério e elas ainda não estão te dando o apoio que você precisa, procure esse apoio em outro lugar o mais cedo que puder. Você pode querer ficar na casa de uma pessoa amiga ou com a família por um tempo até que você tenha recuperado um pouco de suas forças. Se você continuar em uma situação ruim quando estiver entrando em colapso isso poderá prolongar o processo e piorar a dor. Você tem o dever para consigo mesma de passar por isso suavemente e sem culpa ou ressentimento.

Tente ver a sua experiência como algo necessário e natural, como um tipo de chamada para despertar, uma oportunidade para fazer mudanças positivas e fundamentais na forma como você vive sua vida. Afinal, é preciso uma aniquilação total para descobrir o que é indestrutível. Peça pelo que você precisa. Seja honesta. Permita-se sentí-lo. Você vai superar isso.


Se você estiver apoiando alguém

Como apoiadora, a ferramenta mais vital disponível para você é a empatia. Tente voltar a uma época na qual você estava lutando como a sua amiga está lutando agora. Lembre-se de como é precisar de apoio. Você precisará de paciência, e uma ideia clara do que você pode ou não fazer, que você deve comunicar a sua amiga.

Pode ser muito difícil e muito assustador; haverão momentos em que você não saberá o que fazer, ou mesmo se há algo que você possa fazer para ajudar esta pessoa com quem você se importa tanto. Realize o seu apoio em equipe — é a melhor forma para preservar a sua própria saúde mental, e alivia muito a pressão. Você irá precisar de folgas da tempestade e momentos para cuidar de si mesma. Encontre-se com outras apoiadoras e conversem sobre o assunto: atualizem-se sobre o progresso, discutam coisas que precisam mudar. Uma boa organização ajuda muito.

Como apoiadora, algumas das suas responsabilidades podem incluir levar a sua amiga para comer, sair, cuidar para que durma o suficiente e que cuide de si de outras formas simples. Não se pode esperar que uma pessoa que está passando por uma crise tenha hábitos saudáveis; como hábitos saudáveis a ajudarão a superar a crise, pode ser que você tenha que tomar a iniciativa e insistir neles, pelo menos no início. Se a sua amiga fez cartões com dicas sobre como tirá-la do desespero, use-os. Pode ser que você tenha que tomar a iniciativa para que seu amigo veja o seu terapeuta ou vá à aula de ioga. Se ela tomar medicação, assegure-se de que ela a tome regularmente todo dia; se a medicação acabar, você pode ter que agendar uma consulta no psiquiatra. Aborde uma pessoa da família ou amiga que a conheça por anos e pergunte como elas lidaram com situações como esta no passado.

Você não deve tentar consertar a sua amiga — não a prive de sua capacidade de agir desta forma. Ela precisa consertar a si mesma, é por isso que ela está entrando em colapso em primeiro lugar. Como apoiadora, o seu trabalho não é fazer os problemas dela irem embora, mas sim criar um ambiente seguro para que sua amiga vivencie aquilo que ela precisa.

Tente se abster de fazer julgamentos. Foque-se na sua empatia, não importa quão difícil seja. Quando as coisas estiverem difíceis, lembre-se do o seu amor por essa pessoa, por tudo que ela lhe dá quando está bem o suficiente para isso. Ao mesmo tempo, tenha cuidado para não se sobrecarregar. Você estará fazendo um desserviço a você mesmo, à pessoa que você está apoiando e a todo mundo com quem você convive, se você abraçar mais do que aquilo que você pode lidar. A sua parte no bem-estar da pessoa de quem você está cuidando deve ser um presente que você dá, não um fardo para carregar. Fique aberta e seja honesta, consigo mesma e com todas as outras pessoas, sobre as suas necessidades e limites. Mantenha a comunicação aberta, especialmente se você está chegando no final da sua corda.


Medicação

Este é um assunto muito delicado entre pessoas que lidam com esses problemas, particularmente entre aquelas que já passaram pelo sistema psiquiátrico. Algumas pessoas sentem que as drogas psicoativas são meramente uma ferramenta opressiva do Estado, outras não têm sombra de dúvida que elas teriam se matado se não estivessem medicadas, e são gratas por isso; outras ainda rejeitam a ideia de que precisam de drogas para manter sua clareza mental e estabilidade emocional, ao mesmo tempo que reconhecem a forma como os remédios as ajudaram a retomar o controle de suas vidas. É um assunto complexo, que é melhor se não for retratado em preto e branco.

É verdade que as drogas psicoativas são a primeira cartada da indústria de saúde mental, e são frequentemente vistas como substitutas adequadas à terapia, à mudanças no estilo de vida e outras formas de cura. Isso é típico da tendência da medicina ocidental de somente tratar os sintomas, sem atacar a raiz dos problemas. Muitas drogas podem causar efeitos colaterais: baixa capacidade de perceber emoções, problemas de fígado, náusea, insônia, fadiga. A resposta de cada indivíduo a determinad droga é única.

Eu acredito que a medicação é uma ferramenta poderosa se usada quando apropriado e então descartada quando não for mais necessária. O negócio é, você tem que trabalhar na cura se você quiser largar a medicação. Terapeutas e psiquiatras não cansaram de me dizer que eu sou como uma pessoa diabética no sentido de que meu cérebro não produz certos químicos que eu preciso para sobreviver, então se eu parar de tomar insulina: eu vou morrer. Agora que conheci pessoas (inclusive um diabético!) que usaram a alimentação e um estilo de vida consciente para regular os seus desequilíbrios químicos, eu sei que é possível viver sem os meus remédios, e estou desenvolvendo um programa para acabar com a minha dependência deles.

Ninguém tem certeza absoluta de como a maioria das drogas psicoativas funcionam. Psiquiatras lhe dirão, por exemplo, que algumas regulam os níveis de serotonina no seu cérebro; como, não sabem. Uma coisa que posso lhe dizer da minha experiência pessoal é que as drogas chamadas ISRS (inibidor seletivo de recaptação de serotonina) são uma péssima ideia. Elas tem um jeitinho de deixar as pessoas meio mortas, deixando-as despidas de suas emoções, alterando drasticamente suas personalidades. O seus efeitos são muito difíceis de antecipar. Algumas das drogas ISRS mais comuns são Prozac, Celexa, Zoloft, Effexor, Lexapro e Paxil (que tem uma lista de várias páginas de sintomas de abstinência, que incluem "sensação de choques elétricos pelo corpo" e "sons de algo sendo arranhado dentro de sua cabeça"). Tenha em mente que toda marca de medicamento tem pelo menos uma versão genérica, então se estão te receitando algum remédio não esqueça de perguntar se a droga é um ISRS. E se for, peça por outra coisa.


Wellbutrin funcionou muito bem para mim quando precisei. Não é um ISRS e ela não me entorpece nem rouba minha energia como acontecia com o Prozac. Eu a comparo com um par de bóias de criança: elas me deixam boiando apenas o suficiente para evitar que eu me afogue, e eu tenho que fazer o resto do trabalho por conta própria. Se estou tomando minha medicação, eu não preciso me preocupar com a possibilidade de entrar em colapso e desabar no chão pensando que as paredes estão se fechando sobre mim, ou de escutar vozes na minha cabeça dizendo para eu matar minha amante, ou de me consumir por um pânico delirante, certa de que vou morrer a qualquer momento e de que qualquer coisa que encostar em mim morrerá também. Foi preciso ficar sentindo coisas assim todo o dia por algumas semanas para me convencer a voltar a tomar os remédios, apenas para me estabilizar. Foi uma das melhores decisões que eu já tomei. Ela veio de um sentimento de auto-preservação, o mais próximo que eu tinha da auto-estima.

Eu venho tomando Wellbutrin há mais ou menos um ano agora, e não senti nenhum efeito colateral. Eu ainda me sinto deprimida, eu ainda sinto todas as minhas emoções. A diferença é que ao invés de gastar toda a minha energia, desesperadamente, tentando ficar viva, eu posso dar um passo atrás, um passo bem pequeno, e me permitier viver.

Mas então, como anarquistas sem um tostão conseguem remédios com prescrição? Eu consigo pensar em algumas maneiras. A primeira delas é pedir a uma pessoa de confiança que trabalhe em algum lugar que ofereça seguro saúde para quem trabalha lá se ela poderia ajudar você a roubar uma consulta a uma psiquiatra. Saiba os detalhes da sua cobertura e certifique-se de que a seguradora pagará pelos remédios antes de qualquer outra coisa. Você precisará saber qual o valor da franquia (o quanto a sua amiga terá que pagar à médica ou farmacêutica antes que a seguradora assuma a conta), e ter o dinheiro disponível. Mande a sua amiga, com o cartão do seguro saúde a uma clínica psiquiatrica para relatar que ela tem tido problemas. Ela vai estar fingindo ser você. Treine a sua amiga com antecedência sobre quais os tipos de problema que você tem tido, incluindo o quanto você dorme, a flutuação do seu humor, quais emoções você tem sentido, o quanto e o que você tem comido, como você tem se comportado socialmente, o quão bem você tem conseguido se concentrar, como tem sido o seu desempenho no trabalho, e por quanto tempo isso vem acontecendo. Você precisa de circunstâncias bem específicas para fazer com que isso funcione; pode parecer forçado, mas eu sei que funciona pois é dessa forma que consigo meus remédios.

Outra ideia é se cadastra no SUS, ou qualquer outro plano de saúde público que estiver disponível onde você mora, presumindo que existe um. Você pode conseguir ajuda em uma clínica gratuita ou em um centro comunitário de saúde mental. Se nenhum desses recursos estiver disponível para você, alguns hospitais públicos possuem clínicas e emergências psiquiátricas (veja Cuidados com a Saúde), e alguns tem equipes de crise que enviarão uma assistente social ou psiquiatra à sua casa.


Aconselhamento

Eu acredito no aconselhamento porque acredito em professoras e cuidadores, e estes são os papéis de uma boa conselheira. É estranho ter uma pessoa na sua vida com quem você compartilha os detalhes mais íntimos da sua vida, a quem você expõe os seus lados mais assustados, quebrados e cruéis, mas com quem você não possui nenhum contato social fora dali. Entretanto, isso pode fazer com que você sinta mais segurança no trabalho que vocês fazem juntas, do que se você estivesse confiando segredos a uma pessoa amiga. Existem coisas que eu consigo falar com a minha conselheira, como por exemplo suicídio, que seriam pesadas demais para discutir com muitas das pessoas minhas amigas ou da família. Esse sentimento de responsabilidade é diferente de outras relações: se você deixa a sua conselheira esperando, você não vai deixá-la na mão, você vai deixar a si mesma na mão. O relacionamento é totalmente focado em você e na sua cura, então você não precisa temer estar dando muito trabalho.

Minha conselheira é uma pessoa maravilhosa. Ela me escuta, de verdade. Ela não deixa eu me safar com nada, mas ela nunca deixa eu me sentir atacada ou violada. Ela é uma mãe queer que se identificava como anarquista antes mesmo de eu nascer! E ela está conectada a toda uma comunidade de cuidadoras e ativistas das antigas que eu nem sabia que existiam. Ela cobra de acordo com o que cada pessoa pode pagar, como fazem muitas boas conselheiras, e tem uma forte crítica à indústria psiquiátrica e suas tendências exploradoras — e ela me trata com respeito, como uma igual.

Nesta sociedade, nunca nos ensinam como cuidar de nós mesmas fisicamente, mentalmente, emocionalmente ou espiritualmente. Curar é uma habilidade que temos que aprender. Nós podemos improvisar, sendo auto-didatas assim como muitas pessoas anarquistas que fazem música e consertam bicicletas, mas os riscos são maiores. Para aquelas pessoas que sofrem de sérios desequilíbrios químicos como transtorno bipolar, ou estão tentando se recuperar de traumas como abuso sexual, os riscos que assumimos quando partimos por nossa própria conta como se já soubéssemos tratar feridas tão graves são muito sérios. O aconselhamento pode nos equipar com ferramentas para usar no nosso próprio processo de cura autônomo.


Aceite a si mesma

Uma ideia maluca: e se todos os seus problemas, as suas manias e fobias e disfunções, forem naturais, reações saudáveis a um mundo maníaco, paranoico e disfuncional? E se você não estiver com problemas afinal, mas for totalmente normal, e as coisas difíceis que você sente são exatamente o que você deveria sentir nessas circunstâncias? Ao invés de pensar em si mesma como uma coisa estragada, que precisa de conserto, leve em consideração o que uma pessoa saudável faria se ela estive se sentido desta forma. Ao invés de colocar os seus problemas como coisas fixas na sua vida, aceitar a si mesma pode na verdade ajudar você a se sentir mais capaz de auto-determinação e transformação. Além disso, quem disse que todo mundo tem que ser igual para ser saudável, que a saúde mental é um padrão unidimensional pelo qual todas as pessoas são julgadas? A ideia de que você possui falhas, que você é doida enquanto todas as outras pessoas são sãs, pode ser paralisadora; e também soa como propaganda capitalista.

Ficar falando de melhoramento pessoal pode reforçar a sensação, tão prevalente na nossa sociedade, de que quem somos e o que temos nunca é o bastante. É possível chegar a um nível doentio de obsessão em cuidar da própria saúde, obter melhor forma física, melhor trabalho introspectivo e se comunicar melhor. Quanto mais você se pressiona, mais longe esses ideais retrocedem à sua frente. Assim como na dieta e no fisiculturismo, a busca da saúde mental perfeita pode se transformar em auto-abuso.

Assim como escritoras, pintoras e musicistas passam por bloqueios criativos, todas nós passamos por momentos em que nos sentimos perdidas e exaustas. Tudo aumenta e diminui; esse padrão natural governa nossas vidas assim como a lua e os oceanos. Se você se sente estagnada, a pior coisa que você pode fazer é remoer as insuficiências que você percebe em si até que você tenha se entrincheirado na mais completa falta de esperança. Quando algo não está funcionando, não fique se lastimando a respeito; aceite que não está funcionando neste momento e foque-se em outra coisa.

Às vezes melhor coisa que você pode fazer para se curar é ficar parada, estar presente e dentro do seu corpo sem quaisquer objetivos, intenções ou pressões. Através dos olhos de nossa cultura competitiva, isso pode parecer indolência, mas na verdade é impossível não fazer nada. Mesmo que você fique deitada, sem pensar ou elaborar planos ou sonhar, as coisas ainda estão mudando e crescendo dentro de você. Às vezes o que você precisa é se regenerar, se deixar descansar e reviver, e isso pode ser um processo tão consciente quanto ioga, terapia ou escrever.


A revolução da cura

Finalmente, a saúde mental, bem como a liberdade, o desejo, a cultura e tudo o mais, não é produzida individualmente, mas por toda a civilização. Nenhuma pessoa pode ser completamente sã em um mundo insano. A discussão sobre a saúde mental não deveria estar limitada àquelas pessoas que são consideradas mentalmente doentes: isso diz respeito a todas nós, pois todo mundo é louco até certo ponto. Tratar os assuntos de saúde mental como as políticas de identidade, como se fosse apenas uma questão de como a maioria "normal" deve cuidar da minoria maluca, cria uma falsa dicotomia; na verdade, todas nós podemos nos beneficiar do auto-cuidado e da auto-cura.

Se for para alguém se curar, nós temos que curar a nossa sociedade destrutiva e problemática. Entretanto, assim como pode não ser saudável nos fixarmos no auto-melhoramento, nós temos que ter cuidado para cuidar de nossa própria saúde e bem-estar emocional no processo de lutar contra o sistema que nos sabota. O capitalismo se caracteriza por uma ênfase desumana na produtividade e na eficiência; naturalmente, nós internalizamos isso, e isso infesta as nossas vidas, sonhos e projetos políticos pessoais. Nos sobrecarregarmos em nossas lutas para abolir o trabalho, descuidando das nossas necessidades no calor de nossas batalhas contra o sistema cruel, estamos replicando o vírus da auto-destruição nos nossos esforços para erradicá-lo.

A revolução é travada em dois frontes, um do lado de fora, outro do lado de dentro. Nós não seremos capazes de derrubar o capitalismo até que curemos a nós mesmas e umas às outras, e não seremos capazes de terminar essa cura sem derrocar o capitalismo. Não confunda a luta nas ruas como a única luta, nem entenda mal o tempo que precisamos para nutrir nossos corpos e mentes como uma distração dela. Curar-se é uma forma de revolução, assim como revolução é uma forma de cura, e fazer o que é preciso para se curar pode ser realmente revolucionário.


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