Ação Política Reformista como Diversão
Retirado do Centro por uma Sociedade sem Estado
Parte I
31 de março de 2010
Durante o fim de semana vi uma espécie de evento do Partido do Café na área de DC tendo como destaques Annabel Park e outros organizadores do movimento.
O Movimento do Partido do Café diz que o governo não é inimigo do povo, e sim expressão da vontade do povo. Já o Partido do Chá é um grupo desiludido de cidadãos dos Estados Unidos que opõe-se cegamente a qualquer política legislativa ou de governo que vejam como esquerdista. Ver também a Festa do Chá de Boston.
Tenho de reconhecer, aparentava ser um punhado de gente bastante fina. Obviamente, depois do ano que passou, não é preciso muito para alcançar esse padrão. Não ridicularizava pessoas com doença de Parkinson, nem gritava “crioulo” e “bicha,” nem dava, de modo geral, a ridícula impressão de gente prestes a começar a falar em línguas estranhas e a cortar cabeças de serpentes.
Finas ou não, fiquei com a clara impressão de tais pessoas melhor poderem ser descritas com uma única expressão: os reformistas políticos. Se há um tema dominante em todas as observações de Park e de outros líderes do movimento naquele palco, é engajamento e participação cívicos. Uma – esqueço o nome dela – citou o que Churchill disse acerca da democracia: É o pior sistema que existe, exceto os demais. O processo político é tudo o que temos, disse ela, e, portanto, temos de participar dele e assegurar-nos de que funcione o melhor possível. Ao longo do encontro, ouvi a mesma ideia geral reafirmada por diferentes pessoas: O governo não é bom nem mau, e sim uma ferramenta – e nossa responsabilidade é zelar para que seja usada para o bem.
Goo-goos – de Good Government Guys, ‘os caras do bom governo,’ grupos políticos de uma época em que os governos municipais, nos Estados Unidos, eram dominados por caciques políticos; os goo-goos apoiavam candidatos que lutariam por reforma política. Ver [1] e também [2]
O pessoal do Partido do Chá pode acreditar que Obama nasceu no Quênia, ou que ele é, secretamente, muçulmano ou marxista. Alimenta, porém, uma crença com a qual concordo: não confia no governo. Isso não significa que eu endosse as besteiras acerca de helicópteros negros ou vagões fechados brancos. Mesmo nesse nível, porém, creio ser seguro dizer que os limites entre o tipo de arrepiante autoritarismo burocrático que vimos experimentando ao longo dos últimos trinta anos de guerras variadas contra drogas e terror e uma ditadura plena são muito menos nítidos do que a maioria das pessoas pensa ser.
Mesmo, porém, estipulando que a maioria das pessoas envolvidas na elaboração de políticas de governo seja bem-intencionada (o que provavelmente é verdade), e deixando de lado minhas objeções morais, como libertário, à iniciativa da força, acredito que tornar o governo o veículo principal para o atingimento dos objetivos de alguém é embarcar em canoa furada.
Um dos sujeitos no evento do Partido do Café parecia sugerir esse tipo de coisa, embora eu ache que ele não tenha alcançado plenamente as implicações do que dizia. Ele questionou o centrismo do movimento do Partido do Café, argumentando que – longe de simplesmente desejar encontrar um meio-termo entre os “extremos” da esquerda e direita – a maior parte das pessoas do movimento estava horrorizada com a tomada do sistema político pelas corporações e era crítica em relação à liderança Democrática da esquerda. E destacou o quanto era terrível, penosa a luta para participar do governo ou exercer controle sobre ele em qualquer sentido significativo sem tratar do papel estrutural do poder corporativo no sistema político. As pessoas poderiam empenhar-se de alto a baixo em eleger candidatos “progressistas” – Obama e Pelosi são provavelmente os mais “progressistas” presidente e líder da maioria eleitos em toda uma geração, e detêm a mais ampla maioria que os Democratas provavelmente deterão durante referida extensão de tempo – mas ainda funcionam dentro de uma estrutura estabelecida pelas corporações que financiam suas campanhas e fornecem a maior parte do aconselhamento “especializado” para as equipes deles na elaboração de legislação.
Acho que aquele sujeito tinha em mente uma “solução” baseada no financiamento público das campanhas, ou algo da espécie. Se, porém, ele acha que isso acabaria com a natureza corporativa de nosso sistema político, está tristemente equivocado. Concedo que isso poderia levar a uma forma de servidão corporativa um pouquinho mais tolerável por nós servos, como o modelo europeu ocidental de democracia. E dada uma escolha entre duas formas de estatismo, serei o primeiro a admitir preferir aquele que pese menos em meu cangote. Eu preferiria ter seis semanas de férias e atendimento grátis de saúde do que viver na espécie de república de banana de exploração do trabalho insalubre objeto dos sonhos eróticos de pessoas como Dick Armey e Tom Delay.
Todavia, se aquele amigável crítico esquerdista do movimento do Partido do Café acha que o modelo europeu de social-democracia é menos corporativo ou menos capitalista do que o modelo Reagan-Thatcher, está – mais uma vez – tristemente equivocado. Assim como nosso sistema estadunidense, o modelo continental europeu é um sistema de poder baseado numa conivência entre o governo hipertrofiado centralizado e a grande empresa centralizada. A facção de capital organizado que o controla é um pouco mais esclarecida e humana do que aquela que controla nossa república de banana, e tem muito mais sensatez quando se trata de seus interesses de longo prazo, mas essas são praticamente as únicas diferenças. Como já disse, a principal diferença entre o modelo social-democrático ou liberal corporativo do Novo Pacto e o modelo Reagan-Thatcher é que a fação de capital organizado que controla o primeiro é como o fazendeiro humano que acredita poder obter mais trabalho de seus animais no longo prazo se cuidar bem deles; a facção que controla o último é como o Jones da Revolução dos Bichos, achando mais lucrativo fazê-los trabalhar até à morte e substituí-los.
Independentemente, porém, do quanto sejam humanos nossos senhores, é insensato acreditar que a participação política os tornará menos senhores nossos. O estado, em sua essência, é uma máquina receptiva a controle pelos que estão dentro, e a coalizão dos que estão dentro que o controla sempre vencerá pelo cansaço, no longo prazo, qualquer tentativa de controle democrático externo.
Continuem ligados.
Parte II
2 de abril de 2010
Em meu comentário anterior desta série, sugeri que o estado, em razão de sua própria natureza, era receptivo a ser controlado principalmente por grupos de pessoas internas a ele.
Isso se deve, em parte, à “Férrea Lei da Oligarquia” enunciada no início do século 20 por Robert Michels, em Partidos Políticos: a tendência, independentemente do padrão de democracia formal segundo o qual os grupos são eleitos, dos delegados acumularem poder em detrimento de seus diretores, de grupos mais elevados concentrarem poder a despeito de sua responsabilidade teórica em relação aos grupos mais inferiores, e das equipes permanentes acumularem poder em detrimento das autoridades eleitas.
Isso é inevitável, já por sermos primatas geneticamente programados para participação em grupos de caçadores-coletores de poucas dezenas de pessoas. Às pessoas, em sua maioria, depois de dedicarem sua atenção a família, trabalho, amigos e bairro, resta pouca energia para acompanhar eventos políticos. Por outro lado, a área de políticas É o trabalho, e constitui a maior parte, do círculo social daqueles que se encontram dentro, administrando a máquina do governo. Assim, pois, as pessoas que administram a máquina cotidianamente sempre gozam de vantagem em energia, atenção, informação e controle da agenda em relação àqueles, de fora, perante quem são nominalmente responsáveis.
E, como questão de simples geometria interpessoal, é quase impossível um grande grupo de pessoas exercer coletivamente autoridade sobre um pequeno grupo de formuladores de políticas. Isso é algo que só pode ser feito por indivíduos e pequenos grupos, entrando regularmente em contato pessoal direto com os formuladores de políticas. Assim, o sistema está predisposto a evoluir num conjunto interconexo de pequenas elites.
Isso continuaria sendo verdade mesmo que o dinheiro fosse tirado da política.
Há uma escola chamada de “Marxismo Estruturalista” a qual argumenta que, mesmo quando o governo é confessadamente esquerdista ou “progressista” e pretende governar a economia no interesse dos trabalhadores e consumidores e em detrimento das grandes corporações, esse governo ainda assim ver-se-á compelido, por motivos estruturais, a servir precipuamente aos interesses das grandes empresas. Dada a estrutura da economia, os círculos mais altos de formulação de políticas do estado serão fortemente influenciados por mensurações tais como crescimento do PIB, níveis de emprego, níveis de investimento e assim por diante. Eles serão atraídos quase automaticamente para políticas que promovam a lucratividade e a estabilidade da economia corporativa, como mandatária para promoção do pleno emprego e da prosperidade. Esses incentivos serão reforçados mesmo quando um governo consciamente esquerdista ressinta-se dessa necessidade, por coisas tais como a ameaça de fuga de capital internacional. Assim ocorre com pessoas como Lula da Silva no Brasil, que têm sido atraídas para a centro-esquerda e integradas, na maior parte, numa estrutura neoliberal global. Immanuel Wallerstein argumenta, a partir daí, que mesmo regimes socialistas de estado como a URSS foram funcionalmente integrados no sistema mundial capitalista mais amplo.
A dinâmica da informação também entra em cena. Mesmo se os políticos “progressistas” não dependerem das grandes empresas para financiamento de suas campanhas, os planejadores e regulamentadores econômicos ainda assim continuarão dependendo das indústrias regulamentadas como sua principal fonte de dados. A menos que a administração do estado crie uma estrutura administrativa diretamente paralela à economia corporativa, e mande todo o seu pessoal fazer Mestrado em Administração de Empresas como preparação para atuar como “autoridades políticas” monitorando as hierarquias corporativas a partir de dentro, as informações das quais o estado depende para traçar a política econômica será gerada principalmente internamente às grandes corporações. E mesmo o mais “progressista” aparato regulamentador tenderá a ser cooptado para dentro de um complexo regulamentador-regulamentado dominado pelos partidos “de oposição” que compartilham da mesma cultura organizacional dos homens brancos vestidos de terno, e compartilham das mesmas assunções implícitas (o que C. Wright Mills chamou de “realismo lunático”) acerca do que é realisticamente possível. Praticamente tudo o que é defendido pela esquerda descentralista e libertária ficará fora da mesa desde o início, excluído pelas assunções funcionais inconscientes tanto dos regulamentadores quanto dos regulamentados.
E tudo isso ignora o fato de que os “progressistas” que controlam a Casa Branca e o Congresso não são em absoluto realmente de esquerda ou anticorporativos. Longe de representarem um poder que contrabalance as grandes empresas, como argumentei na parte anterior, eles realmente representam apenas a facção mais “progressista” das próprias grandes empresas, desejosa de tratar seus trabalhadores mais humanamente para obtenção de lucros garantidos oriundos do estado.
Assim, será extremamente difícil (se não impossível) mudar a estrutura fundamental de nosso sistema enquanto aliança entre o estado centralizado e a corporação gigante por meio do processo político. Havendo eleito o Presidente e o Congresso mais “progressistas” possível, o povo estadunidense ainda vê a política econômica sendo formulada pelos suspeitos usuais de Goldman Sachs e do Banco da Reserva Federal de New York, a política de copyright digital escrita por RIAA e MPAA etc. Mesmo se dezenas de milhões de pessoas estivessem dispostas a remar contra a corrente e fazer carreira de tempo integral em ativismo, no minuto em que a atenção delas pervagasse ou sua energia oscilasse os suspeitos usuais estariam esperando à mesa para retomar o controle das coisas.
Assim, se a política e a reforma forem as únicas variáveis em jogo, estaremos fritos.
Parte III
5 de abril de 2010
Na parte I desta série, citei declarações várias de membros do Partido do Café no sentido de o envolvimento cívico e a participação política serem o único caminho viável. Se desejarmos mudar as coisas, teremos de participar do processo político.
Argumentei que, se assim for, estaremos perdidos.
Não acredito, porém, que a participação política e a política reformista sejam, de fato, nem o único caminho viável nem o melhor caminho para a mudança.
Charles Johnson, do blog Rad Geek, tem argumentado repetidamente ser mais custo-eficaz encontrar “meios eficazes de pessoas individuais ou, melhor ainda, grandes grupos de pessoas, escaparem ou contornarem a fiscalização e a tributação do governo” do que trabalhar dentro do processo político para mudar este ou aquele aspecto das políticas. Quero dizer, se você for um bom professor de comportamento adequado, como os membros do Partido do Café, poderá (como diz Johnson) “começar com os piores aspectos da lei, construir uma coalizão, fazer as coisas de sempre, conseguir que sejam removidos ou talvez melhorados os piores aspectos, aguentar o repuxo e então, alguns ciclos eleitorais mais tarde, começar a falar acerca dos aspectos quase tão ruins da lei, construir outra coalizão, lutar um pouco mais, e assim por diante….” Ou você poderá simplesmente utilizar uma pequenina fração desses recursos no desenvolvimento de meios de escapar da fiscalização voltada para o cumprimento da lei, de tal maneira que possa ignorá-la e violá-la impunemente.
Tentar gastar mais e fazer mais lobby do que nossos inimigos é como ensinar padre-nosso ao vigário: “Se você colocar toda sua esperança de mudança social na reforma legal, e se você colocar toda a sua fé na reforma legal em táticas internas ao sistema político, esteja certo de que você é quem será manobrado a cada passo por aqueles que têm os bolsos mais fundos, que gozam de melhor acesso à mídia e que são mais bem-relacionados.”
Tomemos, por exemplo, o novo tratado ACTA de copyright digital: Poderemos dedicar milhares de horas de nosso tempo escrevendo cartas, telefonando para nossos representantes, organizando manifestações e participando de audiências públicas a fim de obter um pequenino assento à mesa, ao lado dos gigantes dos conteúdos patenteados, e talvez obter alguma torção menor de linguagem que torne a fiscalização menos opressiva. Ou poderemos simplesmente usar servidores intermediários proxy e darknets para copiar e distribuir conteúdo patenteado, e fazer ativamente tudo o que pudermos para tornar conhecidos tais métodos, de tal maneira que o copyright digital se torne impossível de fiscalizar.
A maneira real de provocar mudança é viver do modo que desejemos já agora, sem esperar legalização pelo estado. O slogan dos Trabalhadores Industriais do Mundo, “construir a estrutura da nova sociedade dentro da estrutura da antiga” é adequado: construir uma sociedade aqui e agora, baseada nos tipos de contrainstituições com as quais desejemos lidar, furtando às instituições do capitalismo de estado, o quanto possível, nosso dinheiro e trabalho, trabalhando pelo dia quando nossa nova sociedade devorará a antiga de dentro para fora e a suplantará – e quer esse dia venha cedo ou tarde, viver no entretempo do modo que desejarmos sem a permissão de ninguém. Cito extensamente Johnson:
“Em vez de proteger os lares e os meios de sustento das pessoas com documentos do governo, protegê-los por meio de pessoas organizadas. Precisamos de novas técnicas, novas instituições, e novos relacionamentos sociais que, em última análise, nos ajudem a proteger-nos, a evadir-nos, a solapar, a resistir e, enfim, a desarmar a coerção do governo no tocante a nossos lares e empregos. Mutirões em vez de crédito bancário para construir casas sem licença, e solidariedade social e obstrução por meio de pessoas para protegê-las das demolições do governo. Ferramentas para comunicação confidencial, e mediação fora das cortes políticas. Greves e boicotes sem licença do sindicato e ações de chão de fábrica para resolver disputas trabalhistas em vez de arbitragem burocrática…. Não precisamos da torpe legalidade deles. Precisamos é de uma alternativa consensual.
“Nada há de errado na ilegalidade que não possa ser consertado com mais organização social extralegal de base.
“Nâo legalize; organize.”
Exatamete. Estamos engajados numa corrida armamentista de grandes proporções, ofensiva-defensiva, com os órgãos de fiscalização do estado. A vantagem está quase sempre na defesa. Uma política do governo quase sempre pode ser burlada com uma pequena fração do custo de fazê-la cumprir. No caso com o qual estou mais familiarizado, o movimento do compartilhamento de arquivos, as forças da cultura livre estão sempre vários passos à frente das forças do conteúdo patenteado. A despeito de todas as leis de administração de direitos digitais – DRM e contra burla, geralmente transcorrem apenas minutos entre a divulgação de um filme ou disco e o surgimento da primeira versão livre de DRM num site de download.
Não precisamos mudar a lei. Só precisamos torná-la irrelevante.