A Domesticação dos Animais...e do Homem

De Protopia
Ir para navegação Ir para pesquisar
Dias de Guerra, Noites de Amor
CrimethInc


«"Arnold Schwarznegger foi manipulado geneticamente. Nós somos orgânicos."»
(

F. Markatos Dixon, membro do Grupo de Artistas Paul F. Maul,

falando sobre uma intervenção de arte/terrorismo que ele realizou numa academia de fisioculturismo.
)


Talvez você se questione, às vezes, se estamos nos envolvendo demais emocionalmente em nossa crítica da vida moderna, se toda essa conversa sobre o sistema do mal e da nossa sociedade doente é somente exagero e rebeldia juvenis. Certamente é difícil dizer do ponto de vista da raça humana, com toda nossa simulação, projeção e fingimento, se o que estamos fazendo tem sentido ou não... então quem sabe, talvez as coisas não estejam tão fodidas, certo? Se você quer ter uma persepectiva se a ordem do admirável mundo novo realmente é tão ruim para nós quanto algumas pessoas dizem, então dê uma olhada em como ela afeta os outros que também têm que viver nela — os animais.


Se você faz parte da classe média, os animais dos quais você é mais próximo (além daqueles em filmes animados e comerciais) são provavelmente aqueles que ocupam a camada correspondente da hierarquia não-humana: os animais domésticos, os presidiários de zoológicos e "artistas" de circos, os mascotes esportivos e cavalos de espetáculos. Assim como a burguesia, eles parecem ter tudo de barbada: deitados em um canto o dia inteiro, comendo e dormindo, brincando com seus mestres — mas essa não é a vida que esses animais foram preparados para ter no decorrer dos últimos milhões de anos de evolução. Os cachorros têm quatro patas para que possam correr por campos e desfiladeiros e perseguir suas presas, não para jogar frisbee uma hora por semana. Os papagaios têm asas para que possam voar sobre as florestas e através de paisagens selvagens, não apenas ficarem parados, de asas cortadas, em pequenas jaulas, sem nada para fazer para se manterem felizes além de cantar para si mesmos e aprender fragmentos sem nexo de uma linguagem/idioma menos musical. Os gatos têm garras para que possam lutar e caçar, afiá-las em qualquer lugar, têm testículos e ovários que possam marcar território e ficar no cio, fazer amor e criar gatinhos. Tire tudo isso e deixe-os trancafiados. Eles ficam mal humorados, patéticos e gordos por não fazer nada, a não ser comer comida de lata padronizada não caçada por eles. Se espera que os animais domésticos sejam bobos da corte, cortesãos da família moderna, que forneçam entretenimento e substituição de companhia, e que suas vidas e até corpos se ajustem de acordo. O papel deles não é ser animais, em toda maravilhosa complexidade envolvida, mas simplesmente de ser brinquedos.


Uma olhada rápida novamente na classe média humana revela o quão similar nossa situação é. Nós também vivemos isolados de nossos companheiros em caixas pequenas e com o clima controlado, pequenos aquários completos com vegetação simulada, chamados apartamentos. Nós também somos alimentados com comida padronizada, produzida em massa, que aparece como se surgisse do nada, muito diferente daquela comida que nossos ancestrais comiam. Nós também não temos uma válvula de descarga para nossos desejos espontâneos e selvagens, estes esterelizados e desgarreados pela necessidade de viver em cidades apertadas e subúrbios sob a limitação de convenções legais, sociais e culturais. Nós também não podemos vaguear muito longe de nossos canis, atrelados como estamos por empregos das 9 às 5, por aluguéis, por cercas, limites de propriedades e fronteiras nacionais. E da mesma maneira que nossos animais de estimação, nós aprendemos a nos comportar, a fazer nossas necessidades nos lugares "adequados", a nos conformar e adaptar a este pesadelo, nos tornando gordos, mal humorados, sem poder de canto.


Muito menos afortunados que nós, prisioneiros castrados (tanto animais e humanos), são os animais que formam o proletariado não-humano: as galinhas vivendo presas na própria merda em fábricas-de-ovos, com seus bicos removidos para que não possam bicar os olhos das outras; os coelhos que têm seus olhos sistematicamente queimados para que se possa testar a segurança de xampus; os vitelos que passam a sua miserável existência em minúsculos quadrados de madeira. Os papéis que estes animais representam correspondem àqueles de trabalhadores de fábricas, lavadores de pratos e secretárias temporárias, atendentes de bomboniére de cinema recebendo salário-mínimo — e embora os próprios chefes possam ver a realidade, você pode apostar que o mercado os vê todos com o mesmo desinteresse calculado. O mesmo sentimento desalmado de ganância que faz possível que a pecuária considere o holocausto anual de milhões de animais como normal e que os mantém fazendo o possível no combate à demanda por melhores condições de trabalho e salários mais altos. E assim como as vacas e as galinhas têm sido cuidadosamente procriadas, até mesmo geneticamente manipuladas, até o ponto em que elas não são mais capazes de sobreviver fora das suas jaulas, os trabalhadores modernos não têm mais idéia de como a vida fora do mundo de plástico e concreto do trabalho pode ser ou em como aplicar suas energias exceto debaixo de um chicote. Para onde ele iria, de qualquer maneira, se fosse escapar? Existem terras habitáveis ainda não reivindicadas, para onde ele poderia fugir? E ele não destruiria estas terras também, trazendo consigo os valores de dominação com os quais foi envenenado por seus chefes? No fim das contas, a não ser que ele considere uma total rejeição do capitalismo industrial, seu vôo seria apenas mais um avanço da correnteza de concreto que está varrendo o globo.


Finalmente, há os animais selvagens que ainda sobrevivem em ambientes poluídos de manchas de petróleo, garrafas plásticas de refrigerantes jogadas fora e com a poluição do ar, para não falar das estradas e dos caçadores. À medida que a urbanização e suburbanização avançam impiedosamente, destruindo os recursos de seus habitats naturais, eles aprendem a sobreviver de lixo humano, ou perecem. Os pombos constroem seus ninhos usando bitocas de cigarros ao invés de galhos, ratos aprendem a viver em esgotos e em se adaptar de acordo, baratas se proliferam como os abutres da nova era. Estes animais selvagens urbanos ocupam a mesma camada da sociedade que os sem-teto, procurando entre o lixo pelos coisas essenciais para a vida, embora eles certamente se saem melhor do que seus correspondentes humanos. Os animais de subúrbio — os guaxinins capciosos, gambás, esquilos, que sobrevivem nos cantos esquecidos das terras conquistadas, vivendo do que ainda resta de natural, sem mencionar dos extras e excessos da burguesia — podem ser comparados aos okupadores, agricultores de orgânicos, punks, e caçadores-coletores metropolitanos da resistência underground. As espécies restantes, de verdadeiramente animais selvagens, como golfinhos, caribus, e pingüins, são análogas aos realmente poucos povos indígenas do mundo que ainda não perderam toda sua cultura ou foram colocados em zoológicos. Para todos eles, o futuro parece sombrio, à medida que o vento de ferro da padronização sopra através deste planeta.


Tudo isto não é para dizer que nós saímos do rumo de um grande plano criado para nós pela "Mãe Natureza", ou que a medida da felicidade e saúde deve ser conforme o que é "natural". Toda vez que os seres humanos tentam descrever o que a "Natureza" é, eles invariavelmente a projetam de acordo com as leis que sua própria sociedade obedece, ou atribuem a ela tudo que pensam que falta à sua civilização falta. Além do mais, a natureza em si é algo que muda constantemente: neste momento, o habitat natural de um poodle realmente é uma coleira e um canil. Se nós destruimos o mundo natural com a nossa "civilização", então no final das contas, isto também deve ter sido uma parte do nosso destino "natural" (pois, o que existe que não procede basicamente da natureza? A humanidade é, de alguma forma, abençoada ou amaldiçoada por poderes que são.....supernaturais?). A questão não é em como voltar à submissão ao Natural , mas ao invés, como nos reintegrar no mundo mundo a nossa volta de uma maneira que funcione. Nós somos capazes de criar um mundo em que humanos e animais possam viver harmoniosamente uns com os outros, sem divisão entre eles, sem nenhuma distinção entre o natural e o civilizado, entre o familiar e o desconhecido? Somos capazes de escapar das selvas de aço para aquelas exuberantes e verdes que persistem, sempre retornando, em nossa fantasias?




"Vocês (homem brancos) não apenas transformaram e deformaram seus primos alados e quadrúpedes; vocês também fizeram isso a si mesmos. Você transformaram homens em presidentes de administração, trabalhadores de escritórios, batedores de ponto. Vocês transformaram suas mulheres em donas-de-casa, criaturas realmente assustadoras. Uma vez eu fui convidado à casa de uma. "'Cuidado com as cinzas, não fume, você vai manchar as cortinas. Cuidado com o aquário, não encoste sua cabeça no papel de parede; pode engraxar o seu cabelo. Não vire licor nessa mesa: ela tem o acabamento delicado. Você devia ter limpado suas botas; o piso tinha acabado de ser encerado. Não não não...' Isso é loucura... Vocês moram em prisões que vocês mesmo construíram, e as chamam de 'lares, escritórios, fábricas.'" — John (Fogo) Lame Deer e Richard Erdoes, Lame Deer Seeker of Visions


Crimethinc.png   Este texto foi originalmente publicado por CrimethInc.



Textos

A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z