A Rainha dos Reis Transformistas Entra num Paraíso Sufi
Dezembro de 1900
Isabelle Eberhardt, disfarçada de jovem homem árabe, avança através do sul do deserto Algeriano em direção a Touggourt, com uma comitiva de centenas de homens e mulheres vestidos em roupas para o deserto completas e elaboradas. O cheiro de pólvora no ar e o som rouco das flautas e tambores os acompanha enquanto eles viajam lentamente no dorso de cavalos e camelos ao encontro de El Hachemi, o Sheikh de um seita nômade Sufi para a qual Isabelle havia entrado secretamente, e sua comitiva. Quando chegam perto do Sheikh, eles o encontram vestindo, em contraste à multidão colorida, uma túnica austera, sem adornos, de seda verde, turbante verde e véu branco apropriados a um descendente do profeta El Djilani. A multidão o saúda com gritos de "Ya O Djilani!" enquanto ele tenta controlar seu cavalo branco. As dunas estéreis que os cercam ganham vida com as pessoas. Várias comitivas de cavalos, camelos altivos e majestosos nômades do deserto se encontram numa nuvem de fumaça enquanto faixas são desenroladas com gritos e cavalos batem seus cascos com impaciência. Quando todos estão reunidos, vão para uma grande área plana coberta com tumbas, onde os cavaleiros e cavalos (Isabelle entre eles, cheia de coragem e impaciência), estimulados com a sensação de espaço aberto à frente, finalmente deslancharam em galope, correndo, como Isabelle escreveu mais tarde, "como se para chegar no fim do mundo".
A fantasia durou dois dias e Isabelle segue sendo a única mulher européia a ter vivenciado tal evento. Ela tinha 23 anos de idade. Isabelle nasceu em 1877 na Suíça de uma aristocrata russa exilada e um pai anarquista-disfarçado-como-padre Armênio. Seu pai a criou como anarquista em um complexo fora de Genebra; quando ela completou dezeseis anos de idade ela já havia a ensinado a falar Russo, Francês, Alemão e Italiano, e a ler o Alcorão em Árabe. Aos dezenove anos ela se mudou para Genebra, onde trabalhou como secretária para um grupo de terroristas russos exilados. À noite ela começou a se fantasiar de jovem marinheiro e ficava livre para explorar os cantos mais escuros da Genebra Vitoriana, rastejando de taberna em taberna.
Aos vinte anos de idade, ansiando por escapar da sufocante Europa e buscar as míticas paisagens africanas com as quais ela sempre sonhou, ela viajou disfarçada para o sul da Algéria, se passando por um jovem árabe erudito. Lá, sentindo a liberdade de sua primeira real independência, Isabelle tinha amantes de todos os tipos, em desafio escancarado às morais européias da época. Depois de um breve período de prazer e aperfeiçoando seu dialeto árabe, ela se juntou aos outros estudantes em uma breve insurreição contra a polícia colonial francesa na cidade de Bône, no Mediterrâneo. Armada com uma adaga e uma pistola ela feriu e matou pelo menos um policial nas lutas nas ruas que consumiram a cidade. Para evitar uma possível prisão, Isabelle se escondeu, finalmente aparecendo em Paris meses mais tarde como uma jornalista de descendência "turca". Ansiando pelo deserto, o qual ela não alcançou em sua primeira viagem, ela logo retornou em segredo, novamente disfarçada como homem árabe. Rumando sul para as planícies abertas, ela se juntou a uma tribo nômade do deserto, se tornou uma mística, e se casou (com um jovem guerreiro árabe). Ela conseguiu sobreviver a uma tentativa de assassinato com uma espada sagrada por um inimigo de sua seita Sufi - um grupo rival supostamente financiado pelo governo francês na Algéria. Seu assassino de aluguel foi levado a julgamento e Isabelle se tornou conhecida em toda Algéria. Ela usou sua nova fama para conseguir outra pauta jornalística, desta vez para um jornal franco-algeriano. Sua fama também a colocou em muito perigo, já que ela estava sob investigação pelos governos da França, Suíça e Rússia por várias atividades infames. Portanto ela decidiu seguir com o exército francês invadindo a remota fronteira do Marrocos. Mas Isabelle logo começou a negligenciar sua pauta quando entrou em contato com um místico Sufi em uma fortaleza escondida nas montanhas próxima à fronteira. Ela desapareceu por vários meses - perdida em que mundos, não saberíamos dizer. Ela reapareceu em uma cidade-oásis, doente e exausta: o corpo de Isabelle havia sido consumido por sua vida intensa. Logo após, Isabelle morreu em uma enchente repentina, aos 27 anos de idade.
A participação de Isabelle na fantasia no deserto e toda sua história nos lembram que escapar da mentalidade colonialista (e hoje em dia, turística) enquanto vagamos pela Terra é completamente possível, e pode nos levar a mundos que apenas sonhamos imaginar. Se ao menos ousássemos uma fração das buscas apaixonadas e incansáveis de Isabelle nossos mundinhos explodiriam à nossa frente. Seus "impulsos" (que a levaram ao deserto) também invocam os ditos de que, realmente, quando você abandona a segurança de seu ônibus turístico com ar-condicionado (ou o seu Guia de Viagem Quatro Rodas!) não há como voltar atrás... como você já deve ter imaginado.