Anarquismo e a política do ressentimento
«Antes direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar de perto o ressentimento: hoje essa planta floresce de modo mais esplêndido entre os anarquistas...[1]»
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De todos os movimentos políticos do século dezenove que Nietzsche despreza, do socialismo ao liberalismo, ele reserva as palavras mais virulentas para os anarquistas. Ele os denomina “cães anarquistas” que perambulam pelas ruas da cultura européia, epítome da “moral dos animais de rebanho” que caracteriza a moderna política democrática.[2] Nietzsche vê o anarquismo como algo envenenado na raiz pela praga pestilenta do ressentimento — a rancorosa política dos fracos e patéticos, a moralidade dos escravos. Nietzsche está aqui apenas expressando sua ira conservadora contra os princípios políticos radicais, ou está diagnosticando uma real enfermidade que tem infectado nosso imaginário político radical? A despeito do óbvio preconceitode Nietzsche em relação à política radical, este estudo se propõe a considerar seriamente sua acusação ao anarquismo. Investiga a lógica perspicaz do ressentimento em relação à política radical, particularmente o anarquismo; busca desmascarar as pressões ocultas do ressentimento no pensamento político maniqueísta dos anarquistas clássicos como Bakunin, Kropotkin e Proudhon. Isso não é feito com a intenção de eliminar o anarquismo enquanto teoria política. Ao contrário, argumento que o anarquismo pode se tornar muito mais relevante para as lutas políticas contemporâneas na medida em que dê conta da lógica do ressentimento em seu próprio discurso, especialmente nas estruturas e identidades essencialistas que o habitam.
- Moral de escravos e ressentimento
O ressentimento é diagnosticado por Nietzsche como nossa condição moderna. No entanto, para se compreender o ressentimento é necessário compreender o relacionamento entre a moral dos senhores e a moral dos escravos no qual o ressentimento é gerado. Genealogia da moral é um estudo das origens da moral. Para Nietzsche, o modo pelo qual interpretamos e impomos valores ao mundo tem uma história — suas origens são freqüentemente brutais e distante dos valores que produzem. O valor de “bom”, por exemplo, foi inventado pelos nobres e superiores para ser aplicado a eles mesmos, em contraste com a plebe, os comuns e inferiores.[3] Era o valor do senhor — o “bom” — enquanto oposto ao do escravo — o “mau”. Assim, de acordo com Nietzsche, foi nesse pathos de distância, entre os bem-nascidos e os inferiores, neste senso absoluto de superioridade, que os valores foram criados.[4]
Todavia, esta equação de bom e aristocrático começou a ser minada por uma revolta de escravos em relação aos valores. Esta revolta de escravos, de acordo com Nietzsche, começou com os judeus que instigaram uma reavaliação dos valores.
“Foram os judeus que, com apavorante coerência, ousaram inverter a equação de valores aristocrática (bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro aos deuses), e com unhas e dentes (os dentes do ódio mais fundo, o ódio impotente) se apegaram a esta inversão, a saber, os miseráveis somente são os bons, apenas os pobres, os impotentes, baixos são bons, os sofredores, necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente para eles há bemaventurança — mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os desventurados, malditos e danados!”[5]
Desse modo, a revolta dos escravos na moral inverteu o nobre sistema de valores e começou a nivelar bom com o inferior, o impotente — o escravo. Esta inversão introduziu o pernicioso espírito de vingança e ódio na criação dos valores. Então a moral como a entendemos tem suas raízes nesta vontade vingativa de poder dos impotentes sobre os fortes — a revolta do escravo contra o senhor. Foi desse ódio imperceptível, subterrâneo que cresceram os valores subseqüentes associados com o bom — a piedade, o altruísmo, a docilidade, etc.
Valores políticos também cresceram dessa raiz envenenada. Para Nietzsche, os valores de igualdade e democracia, que formam a pedra fundamental da teoria política radical, emergiram da revolta do escravo na moralidade. São gerados pelo mesmo espírito de vingança e ódio em relação aos poderosos. Em tal situação Nietzsche condena movimentos políticos como a democracia liberal, o socialismo e, obviamente, o anarquismo. Ele vê o movimento democrático como uma expressão da moral do rebanho derivada da reavaliação judaico-cristã dos valores.[6] O anarquismo é para Nietzsche o mais extremado herdeiro dos valores democráticos — a expressão mais violenta do respectivoinstinto de manada. Busca equalizar as diferenças entre indivíduos, abolir as distinções de classe, nivelar completamente as hierarquias pela altura do chão e igualar o potente com o impotente, o rico com o pobre, o senhor com o escravo. Para Nietzsche isso rebaixa tudo ao nível do mais baixo denominador comum — a supressão do pathos de distância entre senhor e escravo, o senso de diferença e superioridade pelo qual grandes valores são criados. Nietzsche considera isso como o pior excesso do niilismo europeu ― a morte dos valores e da criatividade.
A moral do escravo é caracterizada pela atitude do ressentimento — o ressentimento e ódio dos impotentes contra os fortes. Nietzsche vê o ressentimento como um sentimento totalmente negativo — a atitude de negar o que é afirmação da vida, dizendo “não” ao que é diferente, ao que é “estranho” ou “outro”. O ressentimento se caracteriza por uma orientação para o externo, diferindo do foco da nobre moralidade que está em si próprio.[7] Enquanto o senhor diz “Eu sou bom” e adiciona como idéia posterior. “Então, ele é mau”; já o escravo diz o oposto: “Ele (o senhor) é mau, logo eu sou bom.” Assim a invenção dos valores decorre de uma comparação ou oposição ao que é de fora, ao outro, ao diferente. Nietzsche diz: “a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior”, necessita, falando psicologicamente, de um estímulo externo para agir — “sua ação é no fundo uma reação.”[8] Esta instância reativa, essa inabilidade para definir qualquer coisa exceto em oposição a alguma outra, é a atitude do ressentimento. É a instância reativa dos fracos que se define em oposição ao forte. O fraco precisa da existência desse inimigo externo para se identifi car como “bom”. Desse modo o escravo consegue uma “vingança imaginária” em relação ao senhor, pois não pode agir sem a existência oposta deste. O homem do ressentimento odeia o nobre com um intenso desprezo, com arraigados e fervilhantes ódio e inveja. É esse ressentimento, de acordo com Nietzsche, que envenena a consciência modernae encontra sua expressão nas idéias de igualdade e democracia e nas filosofias políticas radicais, como o anarquismo, que advogam isso.
É o anarquismo uma expressão política do ressentimento? Está envenenado por um ódio profundo aos poderosos? Enquanto o ataque de Nietzsche ao anarquismo é injustifi cado, excessivamente maldoso em muitos aspectos, e mostra pouca compreensão acerca das complexidades da teoria anarquista, por outro lado reitero que Nietzsche de fato revela uma certa lógica do ressentimento no pensamento maniqueísta e antagônico do anarquismo. É necessário explorar esta lógica que habita o anarquismo — ver aonde isso leva e até que ponto impõe limites conceituais na política radical.
- Anarquismo
O anarquismo como uma filosofia política revolucionária tem muitas vozes, origens e interpretações diferentes. Desde o anarquismo individualista de Stirner, até o anarquismo comunal e coletivista de Bakunin e Kropotkin, o anarquismo consiste em diversas séries de filosofias e estratégias políticas. Estas se encontram unidas, porém, por uma crítica e rejeição fundamentais da autoridade política em todas suas formas. A crítica da autoridade política, a convicção que o poder é explorador, opressivo e desumanizador, pode ser considerada como o ponto de vista ético-político crucial do anarquismo. Para os anarquistas clássicos o Estado é a personifi cação de todas as formas de exploração, opressão, escravização e rebaixamento do homem. Nas palavras de Bakunin, “o Estado é como um enorme matadouro e um vasto cemitério, onde sob a sombra e o pretexto desta abstração (o bem comum) todas as melhores aspirações, todas as forças vivas de um país são hipocritamente imoladas e sepultadas.”[9] O Estado é o principal alvo da crítica anarquista da autoridade. É para os anarquistas a opressão fundamental na sociedade e deve ser abolido como o primeiro ato revolucionário.
Este último ponto acarretou ao anarquismo do século XIX um agudo confl ito com o marxismo. Marx acreditava que ao mesmo tempo em que o Estado era de fato opressivo e explorador, ele era um refl exo da exploração econômica e um instrumento do poder de classe. Assim o poder político estava reduzido ao poder econômico. Para Marx a economia, mais do que o Estado, era o lugar principal da opressão. O Estado raramente manteve existência independente além dos interesses econômicos e de classe. Devido a isso, o Estado poderia ser usado como uma ferramenta da revolução, se estivesse nas mãos da classe certa — o proletariado.[10] Em outras palavras, o Estado era dominador apenas porque na ocasião, ele estava nas mãos da burguesia. Uma vez que as distinções de classe desapareçam, o Estado perderá seu caráter político.[11]
Anarquistas como Bakunin e Kropotkin discordaram de Marx precisamente nesse ponto. Para os anarquistas o Estado é muito mais do que uma expressão de classe e poder econômico. Ao invés disso, o Estado tem sua própria lógica de dominação e auto-perpetuação e é autônomo em relação aos interesses de classe. Ao contrário de uma ação que vai da sociedade ao Estado como Marx fez, e de ver o Estado como derivativo das relações econômicas do capitalismo e da ascensão da burguesia, os anarquistas trabalham do Estado para a sociedade. O Estado constitui a opressão fundamental na sociedade e a exploração econômica deriva da opressão política. Em outras palavras, é a opressão política que possibilita opressão econômica.[12] Além disso, para os anarquistas, as relações burguesas são efetivamente um reflexo do Estado, contrariando a concepção do Estado ser refl exo das relações burguesas. A classe dominante, argumenta Bakunin, é o efetivo representante material do Estado. Nos bastidores de cada classe dominante em cada época, entrelaça-se o Estado. Por causa deste ter sua própria lógica autônoma, nunca poderá ser um confiável instrumento de revolução. Fazer isso do Estado implica ignorar sua lógica de dominação. Se o Estado não for destruído imediatamente, se for usado como ferramenta revolucionária como os marxistas sugerem, então seu poder será perpetuado em modos infinitamente mais tirânicos. Funcionaria, como aponta Bakunin, por meio de uma nova classe dominante — uma classe burocrática que oprimirá e explorará os trabalhadores do mesmo modo que a classe burguesa os oprimiu e explorou.[13] Desse modo, para os anarquistas, o Estado é uma opressão a priori, não importa a forma que possa tomar. De fato Bakunin afi rma que o marxismo dedica muita atenção às formas do poder do Estado, ao mesmo tempo em que não considera suficientemente o modo pelo qual o poder do Estado opera: “Eles (os marxistas) não sabem que o despotismo reside não apenas na forma do Estado, mas no próprio princípio do Estado e do poder político.”[14] Opressão e despotismo existem na própria estrutura e simbolismo do Estado — não é mera derivação do poder de classe. O Estado tem sua própria lógica impessoal, seu próprio momentum, suas prioridades específicas: estes estão sempre além do controle da classe dominante e de modo nenhum refletem necessariamente as relações econômicas. Assim o anarquismo situa a opressão fundamental e o poder sobre a sociedade na estrutura e operações específicas do Estado. Enquanto uma máquina abstrata de dominação, este provoca diversas atualizações de classe — não apenas o Estado burguês, mas também o Estado proletário. Por meio do seu reducionismo econômico, o marxismo negligenciou a autonomia e pré-existência do Estado — um erro que levaria à sua reafirmação em uma revolução socialista.
Desse modo, a crítica anarquista desmascara as formas ocultas da dominação associadas com o poder político, e expõe a inadequação teórica do marxismo em lidar com este problema.
Ironicamente, essa concepção do Estado encontra uma inesperada nota familiar de Nietzsche. Nietzsche, como os anarquistas, vê o homem moderno como “domesticado”, acorrentado e tornado impotente pelo Estado.[15] Ele também considera o Estado uma máquina abstrata de dominação, que precede o capitalismo e paira acima dos interesses econômicos e de classe. O Estado é um modo de dominação que impõe uma interiorização regulada sobre o populacho. De acordo com Nietzsche, o Estado emerge como uma “terrível tirania, como uma maquinaria esmagadora e implacável,” que subjuga, torna complacente e molda a população.[16] Além do mais, as origens do Estado são violentas. Foi imposto à força do exterior e não devido a alguma relação com “contratos”.[17] Nietzsche demole a “fantasia” do contrato social — a teoria de que o Estado fora formado pelas pessoas que teriam abdicado voluntariamente de seu poder em troca de segurança e proteção a serem providas pelo Estado. Esta idéia do contrato social tem sido central à política liberal e conservadora, de Hobbes a Locke. Os anarquistas também rejeitam essa teoria contratualista. Eles também dizem que as origens do Estado são violentas, e que é absurdo afirmar que as pessoas voluntariamente desistiram de seu poder. Isso é um mito perigoso que legitima e perpetua a dominação estatal.
- O contrato social
O anarquismo está baseado em uma concepção essencialmente otimista da natureza humana: se os indivíduos têm uma tendência natural a viverem bem juntos, então não há necessidade da presença do Estado a servir de árbitro entre eles. Ao contrário, o Estado produz de fato um efeito pernicioso nessas relações sociais naturais. Portanto, os anarquistas rejeitam as teorias políticas baseadas na idéia do contrato social. A teoria do contrato social repousa numa imagem singularmente negativa da natureza humana. Segundo Hobbes, os indivíduos são naturalmente egoístas, interesseiros, agressivamente competitivos, e no estado de natureza estão engajados numa guerra de “todos contra todos”, na qual seus impulsos naturais levam ao confl ito uns com os outros.[18] Então, segundo essa teoria, a sociedade em estado de natureza é caracterizada por uma desarticulação radical: não há vínculo comum entre os indivíduos, e sim um constante estado de guerra permanente, uma luta constante pelos recursos.[19] Para pôr um fim a este estado de guerra permanente, os indivíduos se agrupam para estabelecer um contrato social sobre o qual algum tipo de autoridade pode ser estabelecida. Eles concordam em sacrificar parte de sua liberdade em troca de algum tipo de ordem, desse modo podem buscar seus próprios fins individuais de modo mais proveitoso e pacífico. Concordam na criação de um Estado com um mandato sobre a sociedade, que deve arbitrar vontades conflitantes e impor a lei e a ordem.
O alcance da autoridade do Estado pode variar do Estado liberal, cujo poder é supostamente moderado pelo estatuto da lei, ao poder do Estado absoluto — o Leviatã —, imaginado por Hobbes. Embora tais modelos possam variar, os anarquistas afi rmam que o resultado dessa teoria do contrato social é o mesmo: a justificação da dominação do Estado, seja através do estatuto da lei, seja pela imposição arbitrária da força. Para os anarquistas qualquer forma de poder de Estado é uma imposição da força. A teoria do contrato social é uma prestidigitação que legitima a dominação política — Bakunin o denomina “embuste desonroso”.[20] Ele demonstra o paradoxo central na teoria do contrato social desse modo: se, no estado de natureza, os indivíduos subsistem em um estado de selvageria primitiva, então, como que de repente, eles podem ter a perspicácia de se reunirem e criarem um contrato social?[21] Se não há nenhum laço em comum na sociedade, nenhuma essência dentro dos seres humanos que os coloquem juntos, então, escorado em qual fundamento, pode um contrato social ser formado? Como Nietzsche, os anarquistas afirmam também que não há tal concordância para que o Estado seja imposto, nem de cima nem de baixo. O contrato social tenta mistifi car as origens brutais do Estado: guerra, conquista e escravização voluntária, ao contrário de um acordo racional. Para Kropotkin o Estado é uma violenta ruptura e uma imposição sobre uma sociedade orgânica funcionando harmoniosamente.[22] A sociedade não precisa de um “contrato social”. Ela tem seu próprio contrato com a natureza, governado por leis naturais.[23]
O anarquismo pode ser entendido como uma luta entre autoridade natural e autoridade artifi cial. Os anarquistas não rejeitam todas as formas de autoridade como o velho cliché costuma dizer. Ao contrário, declaram sua absoluta obediência à autoridade aterializada pelo que Bakunin denomina “leis naturais”. De acordo com Bakunin, as leis naturais são necessárias à existência da humanidade; elas nos envolvem, nos moldam e determinam o mundo físico no qual vivemos.[24] No entanto, esta não é uma forma de escravidão porque tais leis não são externas ao homem: “essas leis (naturais) não são extrínsecas em relação a nós, são inerentes a nós, constituem nossa natureza, todo nosso ser físico, intelectual e moral.”[25] Elas consistem no que constitui o homem — são sua essência. O homem é parte inextricável de uma sociedade natural orgânica, segundo Kropotkin.[26] Portanto o anarquismo está baseado em uma noção específi ca de essência humana. A moral tem sua base na natureza humana e não em alguma fonte externa: “a idéia de justiça e bem, como todas outras coisas humanas, deve ter sua raiz na própria animalidade do homem.”[27]
A autoridade natural é implacavelmente oposta à “autoridade artificial.” Por autoridade artificial Bakunin quer dizer poder: o poder político conservado em instituições como o Estado e nas leis feitas pelo homem.[28] Este poder é exterior à natureza humana e uma imposição sobre ela. Ele anula o desenvolvimento das características morais e das capacidades intelectuais inatas da humanidade. São estas capacidades, afi rmam os anarquistas, que liberarão o homem da escravidão e da ignorância. Para Bakunin, então, as instituições políticas são “hostis e fatais à liberdade das massas, pois elas impõem sobre as últimas um sistema de leis externas e por conseguinte despóticas.”[29]
Nessa crítica da autoridade política, o poder (autoridade artificial) é externo ao sujeito humano. Este se encontra oprimido por tal poder, mas permanece sem ser contaminado por ele porque a subjetividade humana é uma criação de um sistema natural oposto ao sistema político. Desse modo o anarquismo está baseado em uma clara divisão maniqueísta entre autoridade natural e autoridade artifi cial, entre poder e subjetividade, entre Estado e Sociedade. Além do mais a autoridade política é fundamentalmente repressiva e destrutiva do potencial dos homens. Os anarquistas afirmam que a sociedade humana não pode se desenvolver até que as instituições e as leis que a mantém na ignorância e servidão, até que os grilhões que a amarram sejam desfeitos. Por conseguinte, o anarquismo deve ser um lugar de resistência: um lugar racional e moral, um lugar sem ser contaminado pelo poder que oprime, e de onde surgirá a rebelião contra o poder. Encontra-se isso em uma subjetividade humana essencial. A essência humana, com suas características morais e racionais é uma totalidade esquecida que repousa dormente no homem e apenas será realizada quando o poder político que a nega for derrotado. A moralidade e racionalidade humanas neutralizarão o poder político que é encarado como inerentemente irracional e imoral. De acordo com a teoria anarquista, a lei natural substituirá à autoridade política; homem e sociedade substituirão ao Estado. Para Kropotkin o anarquismo pode pensar além da categoria do Estado, além da categoria do poder político absoluto, pois há um lugar, um solo para fazer isso.
O poder político tem um lado de fora a partir do qual pode ser criticado e uma alternativa com a qual pode ser substituído. Assim Kropotkin é capaz de conceber uma sociedade na qual o Estado não mais existe ou é necessário, uma sociedade regulada, não pelo poder político e autoridade, mas pela concordância mútua e cooperação.[30]
Tal sociedade é possível, de acordo com os anarquistas devido à natureza essencialmente cooperativa do homem.[31] Ao contrário da abordagem darwinista que insiste em uma inata competição entre os animais ― a sobrevivência dos mais adaptados — Kropotkin encontrou uma cooperação e sociabilidade instintiva nos animais, particularmente nos humanos. Este instinto, Kropotkin denominou ajuda mútua e afirmou: “A ajuda mútua é o fato predominante da natureza.”[32] Kropotkin aplica essas descobertas na sociedade humana. Afirma que o princípio natural e essencial da natureza humana é a ajuda mútua e que o homem é naturalmente cooperativo, sociável e altruísta, em vez de competitivo e egoísta. Este é o princípio orgânico que governa a sociedade, é a partir disso que as noções de moralidade, justiça e ética prosperam. Segundo Kropotkin, a moral expande-se a partir da necessidade instintiva de se reunir em tribos, grupos — e de uma instintiva tendência à cooperação e assistência mútua.[33] Essas sociabilidade e capacidade naturais para ajuda mútua é o princípio que une a sociedade, provendo uma base comum sobre a qual a vida cotidiana pode se conduzir. Assim a sociedade não tem necessidade do Estado: ela tem seus próprios mecanismos de regulação, suas próprias leis naturais. A dominação do Estado apenas envenena a sociedade e destrói seus mecanismos naturais. É o princípio da ajuda mútua que vai naturalmente substituir o princípio da autoridade política. Um estado de “anarquia”, uma guerra de “todos contra todos” não seguirá ao momento em que o poder de Estado for abolido. Para os anarquistas, um estado de “anarquia” já existe agora: o poder político cria deslocamento social, não o evita. O que é obstruído pelo Estado é o funcionamento natural e harmonioso da sociedade.]
Para Hobbes, a soberania do Estado é um mal necessário. Não há nenhuma tentativa de transformar o Estado em um fetiche: ele não descende dos céus, predeterminado pela vontade divina. É pura soberania, puro poder, e está construído a partir do vazio da sociedade, precisamente no sentido de evitar o estado de guerra imanente ao estado de natureza. O conteúdo político do Estado não é importante, contanto que subjugue a inquietação na sociedade. Se houver democracia, assembléia soberana, ou monarquia, não importa: “o poder em todas as formas, se for suficientemente perfeito para protegê-los, dá no mesmo.”[34] Tal como os anarquistas, Hobbes acredita que a aparência tomada pelo poder é irrelevante. Por trás de cada máscara deve haver um poder puro e absoluto. O pensamento político de Hobbes está concentrado em torno de um desejo de ordem, puramente enquanto um antídoto contra a desordem e a extensão do sofrimento dos indivíduos sob essa ordem não se compara ao sofrimento causado pela guerra.[35] Para os anarquistas, por outro lado, pelo fato das sociedades se regularem de acordo com leis naturais e por haver uma ética natural de cooperação entre os homens, o Estado é um mal desnecessário. Ao invés de evitar o estado de guerra perpétua entre os homens, o Estado a engendra: o Estado está baseado na guerra e na conquista ao invés de personificar sua solução. O anarquismo pode observar além do Estado pois discute da perspectiva de um ponto de partida essencial — a sociabilidade humana natural. Assim, pode conceber uma alternativa ao Estado. Por sua vez, Hobbes não tem esse ponto de partida: não há nenhum ponto de apoio que pode atuar como alternativa ao Estado. A sociedade, como vimos com Hobbes, está caracterizada por fi ssuras e antagonismo. De fato, não há nenhuma sociedade essencial a ser mencionada ― é um lugar vazio. A sociedade deve portanto ser construída artificialmente no molde do Estado absoluto. Enquanto o anarquismo pode contar com o estado natural, Hobbes apenas pode confiar na lei do Estado. No cerne do paradigma anarquista há uma plenitude essencial da sociedade, enquanto que no coração do paradigma hobbesiano não há nada, apenas vazio e desarticulação.
- Maniqueísmo
Todavia, pode-se argumentar que o anarquismo é uma imagem espelhada do hobbesianismo no sentido de que ambos colocam atributos comuns os quais derivam de sua dívida com o Iluminismo. Ambos enfatizam a necessidade de uma repleção ou coletividade, algum ponto legítimo em torno do qual a sociedade pode ser organizada. Os anarquistas consideram essa lei natural o ponto de partida que informa a sociedade e a subjetividade humana, e que é obstruída pelo Estado. Por outro lado, Hobbes vê este ponto de partida como uma ausência, um lugar vazio que precisa ser preenchido pelo Estado. O pensamento de Hobbes é compreendido dentro do paradigma do Estado; este é o limite conceitual absoluto, fora do qual estão os perigos do estado de natureza. Teorias políticas como esta, baseadas no contrato social, estão atravessadas pela ameaça de que ao se eliminar o Estado, se regredirá ao estado de natureza. O anarquismo, por derivar de uma concepção de sociedade e de natureza humana radicalmente diferente, reivindica ser possível transcender este dilema. No entanto, consegue?
O anarquismo opera dentro de uma lógica política maniqueísta: cria uma oposição moral essencial entre a sociedade e o Estado, entre humanidade e poder. A lei natural é esquematicamente oposta ao poder artificial; a moral e a racionalidade imanentes à subjetividade humana entram em conflito com a irracionalidade e imoralidade do Estado. Há uma antítese essencial entre o incontaminado ponto de partida, constituído pela subjetividade humana essencial, e o poder de Estado. Esta lógica que estabelece uma oposição absoluta entre dois termos — bom e mau, branco e preto, humanidade e o Estado — é o traço central do pensamento maniqueísta. Jacques Donzelot mostra que essa lógica de oposição absoluta é endêmica à teoria política radical.
«“A cultura política é também a busca sistemática de um antagonismo entre duas essências, o desenho de uma linha de demarcação entre dois princípios, dois níveis de realidade que são facilmente colocados em oposição. Não existe política cultural que não seja maniqueísta.”[36]»
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Além disso, ao subscrever essa lógica e fazer do poder o foco de sua análise ao invés da economia, como faz o marxismo, o anarquismo talvez tenha caído na mesma armadilha reducionista. Não teria, meramente, substituído a economia pelo Estado enquanto o mal essencial da sociedade, do qual derivariam outros malefícios? Assim afirma Donzelot: “Tão logo foi decidido, para o bem ou para o mal — não importa — que o capitalismo não é o único ou mesmo o princípio fundamental do mal na terra, apressou-se em substituir a oposição entre capital e trabalho pela oposição entre Estado e sociedade civil. O capital, enquanto frustração e bode expiatório, é substituído pelo Estado, este frio monstro cujo crescimento ilimitado “pauperiza” a vida social; e o proletariado abre caminho para a sociedade civil, ou seja para tudo que seja capaz de resistir à racionalidade cega do Estado, tudo que lhe oponha no plano dos costumes, hábitos, uma sociabilidade viva, buscada nas margens residuais da sociedade e promovidas ao status de motor da história.”[37]
Opor a sociabilidade vivente ao Estado, do mesmo modo que o marxismo opunha o proletariado ao capitalismo, sugere que o anarquismo foi incapaz de transcender as categorias políticas tradicionais que acompanham o marxismo. Como aponta Donzelot, o maniqueísmo é a lógica que escora todas essas teorias: é a propensão oculta que as circunscreve e percorre.
Não importa se o alvo for o Estado, o Capital, ou qualquer outra coisa; contanto que haja um inimigo a destruir e um sujeito que irá destruí-lo, contanto que haja a promessa da batalha final e da vitória final. A lógica maniqueísta é então a lógica do lugar: há um lugar essencial de poder e um lugar essencial de revolta. Esta é a lógica binária, dialética que atravessa o anarquismo: o lugar do poder — o Estado — deve ser derrubado pelo sujeito humano essencial, o puro sujeito da resistência. O anarquismo “essencializa” o próprio poder ao qual se opõe.
A lógica maniqueísta envolve assim uma operação de inversão especular: o lugar da resistência é um reflexo, ao contrário, do lugar do poder. No caso do anarquismo, a subjetividade humana é essencialmente moral e racional, enquanto o Estado é essencialmente imoral e irracional.[38] O Estado é essencial à existência do sujeito revolucionário, assim como o sujeito revolucionário é essencial à existência do Estado. Um se define em oposição ao outro. A pureza da identidade revolucionária é unicamente definida em contraste com a impureza do poder político. A revolta contra o Estado é sempre motivada pelo Estado. Como Bakunin argumenta: “há algo na natureza do Estado que provoca rebelião.”[39] Na medida em que o relacionamento entre o Estado e o sujeito revolucionário é uma oposição claramente definida, os dois antagonistas não podem existir fora dessa relação. Em outras palavras, um não pode existir sem o outro.
Poderia este relacionamento paradoxal entre reflexo e oposição ser encarado como uma forma de ressentimento no sentido nietzschiano? Eu afirmaria aqui que, apesar das diferenças existentes, o relacionamento maniqueísta da oposição entre sujeito humano e poder político encontrado no anarquismo obedece á lógica geral do ressentimento descrito acima. Isso devido a duas razões. Em primeiro lugar, como vimos, o ressentimento baseia-se no preconceito moral do impotente contra o forte — a revolta do escravo contra o senhor. Podemos ver com clareza essa oposição moral à potência no discurso anarquista, o qual situa o sujeito humano essencialmente moral e racional em contraposição à qualidade essencialmente irracional e imoral do poder político. Isso é evidente na oposição da autoridade natural à autoridade artificial, que é central ao anarquismo. Em segundo lugar, o ressentimento é caracterizado pela necessidade fundamental de se identificar pela atenção ao que está fora e pela oposição a um inimigo externo. Aqui, no entanto, a comparação ao anarquismo não é tão nítida. Por exemplo, pode-se afirmar de modo concebível que a ética — a noção de ajuda e assistência mútua — e a subjetividade anarquistas são algo que se desenvolvem independentemente do poder político e que, portanto, não necessita de uma relação de oposição ao Estado para se definir. Contudo, eu posso sugerir que embora a subjetividade anarquista de fato se desenvolva em um sistema “natural”, radicalmente exterior ao sistema “artificial” do poder político, é precisamente por meio desta asserção de exterioridade radical que o ressentimento emerge. O anarquismo concorda com uma lógica dialética pela qual as espécies humanas emergem de um estado quase-animal e começa a desenvolver uma moral inata e faculdades racionais em um sistema natural.[40] Entretanto, o sujeito encontra esse desenvolvimento obstaculizado pelo poder imoral e irracional do Estado. Conseqüentemente, o sujeito não pode alcançar a sua plena identidade humana enquanto permanecer oprimido pelo Estado. Para Bakunin, isso ocorre porque: “O Estado é a mais flagrante negação da humanidade.”[41] A realização do sujeito é sempre embrutecida, procrastinada, adiada pelo Estado. Essa dialética do Homem e Estado sugere que a identidade do sujeito é caracterizada como essencialmente ‘racional’ e ‘moral’ apenas na medida em que o desdobramento dessas qualidades e faculdades inatas é obstruído pelo Estado. Paradoxalmente, o Estado, que é considerado pelos anarquistas um obstáculo à plena identidade do homem, é ao mesmo tempo, essencial à formação desta identidade incompleta. Sem essa estúpida opressão, o sujeito anarquista seria incapaz de se ver como “moral” e “racional”. Essa identidade é assim completa em sua incompletude. A existência do poder político é, portanto, um meio de construir essa plenitude ausente. Afirmo então que o anarquismo só pode colocar um sujeito como “moral” e “racional” em oposição à “imoralidade” e à irracionalidade” do poder político. Do mesmo modo que a identidade do “escravo” se consolida como “boa” pela sua oposição à identidade do “senhor” que é “má”. Nietzsche consideraria isso uma atitude do ressentimento por excelência.
Desta forma, o maniqueísmo que habita o discurso anarquista é uma lógica do ressentimento, o que para Nietzsche é uma perspectiva inconfundivelmente doentia, emanando de uma posição de fraqueza e doença. A identidade revolucionária da filosofia anarquista está constituída por sua essencial oposição ao poder. Tal como o homem reativo de Nietzsche, a identidade revolucionária se pretende passar imaculável pelo poder: a essência humana é vista como moral onde o poder é imoral; natural onde o poder é artificial; puro onde o poder é impuro. Pelo fato dessa subjetividade ser constituída dentro de um sistema de lei natural — enquanto oposta à lei artificial ― este é um ponto que, enquanto oprimido pelo poder, permanece fora do poder e sem ser poluído por ele. Mas é isso mesmo?
O próprio Bakunin lança algumas dúvidas acerca disso quando discorre sobre o princípio de poder. Este é a cobiça natural pelo poder, que ele acredita ser inata em cada indivíduo: “Cada homem carrega dentro de si os germes da cobiça pelo poder, e cada germe, como sabemos, devido à lei básica da vida, necessariamente deve desenvolver e crescer.”[42] O princípio de poder significa que o homem não pode ser confiado ao poder, pois sempre haverá esse desejo de poder no coração da subjetividade humana. Embora Bakunin buscasse alertar os outros sobre o perigo corruptivo inerente do poder, ele talvez tenha exposto inconscientemente a contradição oculta que repousa no coração do discurso anarquista: a saber, enquanto o anarquismo estiver baseado em uma noção de subjetividade humana essencial incontaminada pelo poder, essa subjetividade é impossível. A identidade revolucionária pura é rasgada, subvertida por um desejo ‘natural’ de poder, a falta no coração de cada indivíduo. Bakunin sugere que este desejo de poder é uma parte essencial da subjetividade humana. Talvez a implicação do princípio de poder de Bakunin é que o sujeito sempre terá um desejo de poder e que o sujeito será incompleto até que alcance o poder. Kropotkin fala também sobre o desejo de poder e autoridade. Afirma que o surgimento do Estado moderno pode ser atribuído em parte ao fato que os “homens se tornaram enamorados da autoridade.”[43] Ele conclui então, que o Estado não é totalmente uma imposição de cima. Ele fala sobre auto-escravização à lei e autoridade: “o homem deixou-se escravizar muito mais por seu desejo de ‘punir conforme a lei’ do que pela conquista militar direta.”[44] O desejo de “punir conforme a lei” cresce diretamente do senso natural de moralidade da humanidade? Nesse caso, pode a essência humana ainda ser considerada como imaculável pelo poder? Embora a noção anarquista de subjetividade não esteja totalmente corroída por essa contradição, está porém desestabilizada por ela: faz-se ambígua e incompleta. Força a questionar a noção anarquista de uma revolução da humanidade contra o poder: se os seres humanos têm um desejo essencial de poder, então como pode alguém se certificar que uma revolução direcionada a destruir o poder não se transformará em uma revolução direcionada em capturar o poder?
- Vontade de poder
Enquanto teoria política e social, o anarquismo tem sido invalidado devido às contradições de sua concepção da subjetividade humana? Não concordo. Procuro mostrar um traço oculto do ressentimento nas categorias essencialistas e nas estruturas em oposição que habitam o discurso anarquista — em noções de uma sociedade harmônica governada pela lei natural e do comunalismo humano essencial, e sua oposição à lei artificial do Estado. No entanto, defendo que, se conseguir se livrar dessas categorias essencialistas e maniqueístas, o anarquismo, pode ultrapassar o ressentimento que o envenena e o limita. O anarquismo clássico é uma política do ressentimento pois busca vender o poder. Considera o poder como maléfico, destrutivo, algo que degrada a plena realização individual. A essência humana é o ponto de partida incontaminado pelo poder e do qual se resiste ao poder. Como assinalei, há uma estrita divisão e oposição maniqueísta entre o sujeito e o poder. Contudo, mostrei que esta separação entre indivíduo e poder é em si instável e ameaçada por um desejo ‘natural’ de poder — o princípio de poder. Nietzsche argumenta que este desejo de poder — vontade de poder — é realmente ‘natural’, e é a própria supressão desse desejo que tem tal efeito debilitante no homem, fazendo-o se voltar contra si mesmo e produzindo uma atitude de ressentimento.
Talvez se possa deduzir que esse desejo de poder no homem seja produzido precisamente por meio de tentativas em negar ou extinguir relações de poder na “ordem natural”. Talvez o poder possa ser visto nos termos do Real lacaniano – como uma falta irreprimível que não pode ser simbolizada e a qual retorna para assombrar a ordem simbólica, rompendo qualquer tentativa do sujeito em formar uma identidade completa. Para Jacques Lacan: “(...) o real é o que sempre retorna ao mesmo lugar, ao lugar onde o sujeito, na medida em que pensa, não o encontra.”[45] O anarquismo tenta completar a identidade do sujeito separando-o, em um sentido absolutamente maniqueísta, do mundo do poder. O sujeito anarquista, como já apontado, encontra-se constituído em um sistema “natural” que é dialeticamente oposto ao mundo artificial do poder. Além disso pelo fato do sujeito ser constituído em um sistema “natural”, governado pelas leis éticas de cooperação mútua, os anarquistas estão aptos a colocar uma sociedade livre das relações de poder, que substituiria o Estado quando esse fosse derrubado. Entretanto, como já vimos, este mundo livre do poder é colocado em risco pelo desejo de poder latente em cada indivíduo. Quanto mais o anarquismo tenta libertar a sociedade das relações de poder, mais permanece paradoxalmente enredado em poder. O poder aqui retorna como o real que habita todas as tentativas de libertar o mundo do poder. Quanto mais se tenta reprimir o poder, mais obstinadamente este levanta sua cabeça. Isso ocorre pois as próprias tentativas de negar o poder, por meio de conceitos essencialistas de leis ‘naturais’ e moralidade ‘natural’, constituem poder, ou ao menos são condicionadas por relações de poder. Essas identidades e categorias essencialistas não podem ser impostas sem a exclusão radical de outras identidades. Esta exclusão é um ato de poder. Se alguém se esforçar para excluir radicalmente o poder, como os anarquistas fizeram, o poder ‘retorna’, precisamente nas próprias estruturas de exclusão.
Nietzsche acredita que esta tentativa de excluir e negar poder é uma forma de ressentimento. Então como o anarquismo ultrapassa este ressentimento que tem mostrado ser tão autodestrutivo e negador da vida? Ao afirmar positivamente o poder, em vez de negá-lo — dizer ‘sim’ ao poder, como Nietzsche colocaria. É apenas pela afirmação de poder, pelo reconhecimento de que nós viemos do mesmo mundo do poder, e não de um mundo “natural” apartado dele, e de que nós nunca poderemos estar inteiramente livres de relações de poder, é que se pode se empenhar em estratégias politicamente relevantes de resistência contra o poder. Isso não significa, obviamente, que o anarquismo deva baixar as armas e abraçar o Estado e a autoridade política. Pelo contrário, o anarquismo pode mais efetivamente se contrapor à dominação política ao se engajar com o poder, em vez de negá-lo.
Talvez seja necessário aqui distinguir entre relações de poder e relações de dominação. Para usar a definição de Michel Foucault, poder é “um modo de ação sobre a ação de outros.”[46] Poder é meramente o efeito da ação de alguém sobre as ações de outro. Nietzsche também considera o poder em termos de um efeito sem um sujeito: “(...) não existe ser por trás do fazer, do atuar, do devir; o ‘agente’ é uma ficção acrescentada à ação — a ação é tudo.”[47] Poder não é uma mercadoria que pode ser possuída, nem pode ser localizada no centro nem de uma instituição, nem de um sujeito. É meramente uma relação de forças, forças que fluem entre diferentes atores e através de nossas ações cotidianas. O poder está em todo lugar, de acordo com Foucault.[48] O poder não emana de instituições como o Estado, pelo contrário, é imanente a toda rede social, através de vários discursos e saberes. Por exemplo, discursos morais e racionais, os quais os anarquistas consideram inocentes em relação ao poder e até como armas na luta contra o poder, são eles mesmos constituídos de relações de poder e enredados em práticas de poder: “poder e saber se implicam diretamente um ao outro.”[49] Poder nesse sentido é produtivo ao invés de repressivo. É portanto sem sentido e realmente impossível tentar construir, como os anarquistas fazem, um mundo fora do poder. Nunca estaremos inteiramente livres das relações de poder. De acordo com Foucault: “parece-me que... nunca se está fora do poder, que não há nenhuma margem para saltar para aqueles que rompem com o sistema.”[50]
Contudo, o fato de não se poder nunca se livrar do poder não significa que nunca se possa se libertar da dominação. A dominação deve ser distinguida do poder no seguinte sentido. Para Foucault, as relações de poder se tornam relações de dominação quando o livre e instável fluxo de relações de poder se torna bloqueado e congelado — quando forma hierarquias desiguais e não mais permite relações de reciprocidade.[51] Estas relações de dominação formam a base das instituições tais como o Estado. De acordo com Foucault, o Estado é apenas uma reunião de relações de poder diferentes que desse modo se tornaram congelados. Esta é uma maneira radicalmente diferente de olhar para as instituições como o Estado. Enquanto os anarquistas vêm o poder como emanando do Estado, Foucault vê o Estado como emanando do poder. Em outras palavras, o Estado é meramente um efeito das relações de poder que se cristalizaram em relações de dominação.
Qual é o ponto desta distinção entre poder e dominação? Isso não traz de volta à posição original anarquista que a sociedade e nossas ações do dia a dia, embora oprimidas pelo poder, são ontologicamente apartadas uma da outra? Em outras palavras, por que não apenas chamar a dominação de “poder” uma vez mais, e retroceder de volta à original distinção maniqueísta entre vida social e poder? Contudo, o ponto dessa distinção é mostrar que essa separação é agora impossível. Dominação — as opressivas instituições políticas como o Estado — agora advém do mesmo mundo do poder. Em outras palavras, rompe-se a estrita distinção maniqueísta entre sociedade e poder. O anarquismo e, naturalmente, a política radical em geral não podem permanecer em sua confortável ilusão que nós, enquanto sujeitos políticos, não somos de algum modo cúmplices com o próprio regime que nos oprime. De acordo com a definição foucaultiana de poder aqui utilizada, nós somos potencialmente cúmplices, através de nossas ações diárias, nas relações de dominação. Nossas ações cotidianas, as quais inevitavelmente envolvem poder, são instáveis e podem facilmente se transformar em relações que nos dominem. Enquanto sujeitos políticos, não podemos nunca descansar e esconder identidades essencialistas e estruturas maniqueístas atrás de uma estrita separaçãodo mundo do poder. Ao contrário, precisamos estar sempre em guarda contra as possibilidades da dominação. Foucault diz: “Meu ponto é que nada é mau, mas tudo é perigoso... Se algo é perigoso, então nós temos sempre algo a fazer. Então minha posição não leva à apatia, mas a um hiper e pessimista ativismo.”[52] Para resistir à dominação devemos estar cientes de seus riscos, da possibilidade que nossas próprias ações, mesmo as ações políticas ostensivas contra a dominação, podem facilmente ocasionar uma dominação posterior. Há sempre a possibilidade, então, de se contestar a dominação e de minimizar suas possibilidades e efeitos. De acordo com Foucault, a dominação em si é instável e pode ocasionar inversões e resistência. Construções como o Estado são baseadas em relações de poder instáveis aos quais podem facilmente se voltar contra a instituição da qual elas formam a base. Assim há sempre a possibilidade de resistência contra a dominação. Entretanto, a resistência nunca pode assumir a forma de revolução — essa grande e dialética superação do poder, como os anarquistas advogavam. Abolir instituições centrais como o Estado com um único golpe, pode implicar negligenciar as relações multiformes e difusas do poder em que elas se baseiam, permitindo assim o surgimento de novas relações e instituições. Seria cair na mesma armadilha reducionista do marxismo e cortejar a dominação. Ao contrário, a resistência deve tomar a forma do que Foucault denomina agonismo, ― uma progressiva e estratégica contestação junto com o poder — baseada em incitamento e provocação mútuos, sem nenhuma esperança final de se livrar disso.[53] Como já assinalei, não se pode nunca ter a esperança de superar completamente o poder, pois toda superação é por si só a imposição de um outro regime de poder. O melhor que se pode esperar é uma reorganização das relações de poder, através de luta e resistência, em modos menos opressivos e dominadores. A dominação pode portanto ser minimizada pela constatação de nosso necessário envolvimento com o poder e não pela tentativa impossível de nos colocar fora do mundo do poder. A clássica idéia de revolução como uma superação dialética do poder — a imagem que tem freqüentado o imaginário político radical — deve ser abandonada. Precisamos reconhecer o fato de que o poder nunca poderá ser superado inteiramente, e precisamos afirmar isso, trabalhando dentro desse mundo, renegociando nossa posição de modo a intensificar nossas possibilidades de liberdade.
Esta definição do poder aqui construída, enquanto uma relação instável e de livre fluxo dispersa pela rede social ― pode ser considerada como uma noção nãoressentida de poder. Isso mina a política oposicionista e maniqueísta do ressentimento, pois o poder não pode ser exteriorizado na forma do Estado ou de uma instituição política. Não precisa existir nenhum inimigo externo para nós que nos defi na enquanto uma oposição e canalize nosso ódio. Isso rompe a distinção apolínea entre o sujeito e o poder central do anarquismo clássico e da filosofia política radical maniqueísta. O homem apolíneo, o sujeito humano essencial, é sempre habitado pelo poder dionisíaco. Apolo é o deus da luz, mas também o deus da ilusão: “ele confere descanso aos seres individuais... desenhando limites ao seu redor.” Dionísio, por outro lado, é a força que ocasionalmente destrói esses “pequenos círculos”, rompendo a tendência apolínea a “congelar a forma em uma rigidez e frieza egípcias.”[54] Atrás da ilusão apolínea de uma vida e um mundo sem poder, está a ‘realidade’ dionisíaca do poder que rasga o “véu de maya”.[55]
Ao invés de ter um inimigo externo, como o Estado, em oposição ao qual se forma a identidade política, devemos trabalhar em nós mesmos. Enquanto sujeitos políticos, devemos superar o ressentimento pela transformação de nossa relação com o poder. De acordo com Nietzsche, isso só pode ser feito através do eterno retorno. Afirmar o eterno retorno é reconhecer e com certeza afirmar positivamente o contínuo ‘retorno’ da mesma vida com suas rudes realidades. Como isso é a vontade ativa do niilismo, é ao mesmo tempo, a transcendência do niilismo. Talvez do mesmo modo, o eterno retorno se refere ao poder. Devemos nos dar conta e afirmar o ‘retorno’ do poder, o fato de que este sempre estará conosco. Para superar o ressentimento precisamos, em outras palavras, querer o poder. Precisamos afirmar uma vontade de poder, na forma de valores criativos e afirmativos da vida, de acordo com Nietzsche.[56] Isso consiste em aceitar a noção de “auto-superação”.[57] Superar-se nesse sentido significaria uma superação das identidades e categorias essencialistas que nos limitam. Como Foucault nos mostrou, somos construídos como sujeitos políticos essenciais de modos que nos dominam — isso é o que ele denomina subjetivação.[58] Nos escondemos atrás de identidades essencialistas que negam o poder e produzimos através dessa negação uma política maniqueísta de absoluta oposição que apenas reflete e reafirma a genuína dominação a que tal política alega se opor. Isso nós observamos no caso do anarquismo. Para evitar essa lógica maniqueísta, o anarquismo não deve mais contar com identidades e conceitos essencialistas, e em vez disso, afirmar positivamente o eterno retorno do poder. Isso não é uma realização inflexível, mas sim um “positivismo feliz”. É caracterizado por estratégias políticas voltadas a minimizar as possibilidades de dominação e aumentar as possibilidades de liberdade.
Se identidades essencialistas são rejeitadas, fica-se com o quê então? Pode-se ter uma noção da política radical e da resistência sem um sujeito essencial? Seria possível, porém, perguntar a questão oposta: como poderia a política radical continuar sem ‘superar’ as identidades essencialistas; nos termos de Nietzsche, sem ‘superar’ o homem? Nietzsche diz: “O mais cauteloso dos homens pede nos dias de hoje: ‘Como o homem ainda pode ser preservado?’ Zaratustra, porém, pergunta como o único e primeiro a fazê-lo: Como o homem deve ser superado?”[59] Eu defenderia que o anarquismo cresceria muito enquanto uma filosofia ética e política se evitasse as categorias essencialistas, abrindo-se para diferentes e contingentes identidades — um pós-anarquismo. Afirmar a diferença e a contingência seria se tornar uma filosofia do forte, em vez do fraco. Nietzsche nos exorta a “viver perigosamente”, a abolir as certezas, a romper com as essências e estruturas e a adotar o incerto. “Construa suas cidades ao pé do Vesúvio! Mande seus navios para mares nunca mapeados!”[60] A política de resistência contra a dominação deve ter lugar em um mundo sem garantias. Permanecer aberto à diferença e à contingência, afirmar o eterno retorno do poder, seria tornar-se o que Nietzsche chama o ‘super-homem’ ou ‘além do homem’. O ‘além do homem’ é o homem superado — a superação do humano: “Deus morreu: agora nós queremos que o Super homem viva.”[61] Para Nietzsche o super-homem substitui Deus e o Homem — veio redimir uma humanidade mutilada pelo niilismo, afirmando jovialmente o poder e o eterno retorno. No entanto gostaria de propor aqui uma versão um pouco mais gentil, mais irônica do super homem para a política radical. Ernesto Laclau fala de “um herói de um novo tipo que ainda não foi criado por nossa cultura, mas cuja criação é absolutamente necessária se nosso tempo está prestes a viver à altura de suas mais radicais e alegres possibilidades.”[62]
Talvez o anarquismo possa se tornar uma nova filosofia “heróica”, que não é mais reativa, mas ao invés disso, criadora de valores. Por exemplo, a ética do cuidado e a assistência mútua propostas por Kropotkin possam talvez serem utilizadas na construção de novas formas de ação e de identidades coletivas. Kropotkin prestava atenção no desenvolvimento de grupos coletivos baseados na cooperação — sindicatos, associações de todo tipo, sociedades de amigos e clubes, etc.[63] Como já assinalado, ele acreditava que isso era desdobramento de um princípio natural essencial. Todavia, talvez se possa desenvolver esse impulso coletivista sem circunscrevê-lo a idéias essencialistas sobre a natureza humana. A ação coletiva não necessita de um princípio de essência humana para justificá-la. Ao contrário, é a contingência da identidade — sua abertura à diferença, à singularidade, à individualidade e coletividade — que é ética em si mesma. Assim, a ética anarquista de ajuda mútua pode ser tirada de seus fundamentos essencialistas e aplicadas a uma idéia aberta e não essencialista de uma identidade política coletiva.
Uma concepção alternativa de ação coletiva pode ser desenvolvida a partir de uma rearticulação do relacionamento entre igualdade e liberdade. Para grande mérito do anarquismo, isso rejeita a convicção liberal que igualdade e liberdade agem enquanto limites um para o outro e são conceitos basicamente irreconciliáveis. Para os anarquistas, igualdade e liberdade são impulsos ligados inextricavelmente, e não se pode conceber um sem o outro. Para Bakunin: “Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade dos outros, longe de limitar ou negar minha liberdade, é ao contrário a sua condição necessária e sua confirmação. Eu me torno livre no verdadeiro sentido apenas em virtude da liberdade dos outros, de modo que quanto maior o número de pessoas livres ao meu redor, quanto mais profunda, enorme e mais extensa for sua liberdade, mais profunda e mais abundante torna-se minha liberdade.”[64]
A imbricação de igualdade e liberdade permite formar a base de um novo ethos coletivo, que recusa a ver a liberdade individual enquanto limite ao outro, que recusa a sacrificar a diferença em nome da universalidade, e a universalidade em nome da diferença. A ética anti-estratégica de Foucault pode ser vista como um exemplo dessa idéia. Na sua defesa dos movimentos coletivos como a revolução iraniana, Foucault disse que a ética anti-estratégica que ele adota consiste “em respeitar quando algo singular aparece, e em ser intransigente quando o poder ofende o universal.”[65] Essa abordagem anti-estratégica condena o universalismo quando este desdenha o particular, e condena o particularismo quando este se realiza às custas do universal. Desse modo, uma nova ética da ação coletiva poderia condenar a coletividade quando esta se realiza às expensas da diferença e singularidade, e condenar a diferença quando esta sucede às expensas da coletividade. Esta é uma abordagem que permite que se combinem a diferença individual e a igualdade coletiva de um modo não dialético, mas que retém entre eles um certeiro antagonismo positivo e afirmador da vida. Implica uma noção de respeito à diferença, sem invadir a liberdade de outros serem diferentes — uma igualdade de liberdade de diferença. Em outras palavras, a ação coletiva pósanarquista estaria baseada em um compromisso em respeitar e reconhecer autonomia, diferença e abertura dentro da coletividade.
Além disso, talvez se possa conjeturar uma forma de comunidade política ou uma identidade coletiva que não restrinja a diferença. A questão da comunidade é central para a política radical, incluindo o anarquismo. Não se pode falar sobre ação coletiva sem ao menos colocar a questão da comunidade. Para Nietzsche, as mais modernas aspirações radicais à comunidade seriam uma manifestação da mentalidade do rebanho. Contudo é possível construir uma noção de comunidade livre de ressentimento a partir do próprio conceito de poder de Nietzsche. Para Nietzsche, o poder ativo é a liberação instintiva individual de suas forças e capacidades que nele produzem uma intensa sensação de poder, enquanto que o poder reativo, como já apontado, necessita de um objeto externo para agir e para se definir como uma oposição a este.[66] Talvez se possa imaginar uma forma de comunidade baseada no poder ativo. Para Nietzsche esse intenso sentimento de poder pode ser derivado do auxílio e benevolência em relação aos outros, da intensifi cação do sentimento de poder de outros.[67] Assim como a ética da ajuda mútua, uma comunidade baseada na vontade de poder pode ser composta de uma série de relações inter-subjetivas que envolvem ajuda e cuidado pelas pessoas sem dominálas e sem negar as diferenças. Esta abertura à diferença e à transformação de si e a ética do cuidado poderiam ser as características específicas da comunidade democrática do pós-anarquismo. Esta seria uma comunidade do poder ativo — uma comunidade de ‘senhores’ ao invés de ‘escravos’.[68] Seria uma comunidade que buscasse se superar — transformando-se continuamente e deliciando-se com o conhecimento do seu poder para fazer isso.
O pós-anarquismo pode então ser considerado como uma série de estratégias ético-políticas contra a dominação, sem garantias essencialistas e estruturas maniqueístas que condicionam e restringem o anarquismo clássico. Afirma a contingência dos valores e identidades, incluído a sua própria, e afirma, em vez de negar, a vontade de poder. Em outras palavras seria um anarquismo sem ressentimento.
Referências
- ↑ Friedrich Nietzsche. On the Genealogy of Morality and others writings. Keith Ansell-Pearson (org.), Tradução de Carol Diether. Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p. 52 O trecho aqui utilizado procede da versão em português: Friedrich Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução de Paulo Cezar de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. p. 62. (N.T.)
- ↑ Idem, p. 161.
- ↑ Ibidem, p. 12.
- ↑ Ibidem.
- ↑ Ibidem, p. 19. Trecho aqui utilizado procede da versão em português: Friedrich Nietzsche, 1998, op. cit., p.26. (N.T.).
- ↑ Ibidem, p 161.
- ↑ Ibidem, p. 21.
- ↑ Ibidem, pp. 21-22.
- ↑ Mikhail Bakunin. Political Philosophy: scientifi c anarchism. G.P Maximoff (org.). London, Free Press of Glencoe, 1984, p. 207.
- ↑ Karl Marx. “Critique of the Gotha Program” in The Marx-Engels Reader 2nd. Ed. Robert C. Tucker (org.). New York, W.W Norton & Co. 1978, p. 538.
- ↑ Karl Marx, “After the Revolution: Marx debates Bakunin”, 1978, op. cit., p. 545.
- ↑ Mikhail Bakunin. Marxism, Freedom and the State. Translation of K.J Kenafi ck. London, Freedom Press, 1950, p. 49.
- ↑ Mikhail Bakunin, 1984, op.cit., p. 228.
- ↑ Ibidem, p. 221.
- ↑ Nietzsche, 1994, op. cit., p. 61.
- ↑ Idem, pp. 62-63.
- ↑ Ibidem, p. 63.
- ↑ Thomas Hobbes. Leviathan. Oxford, Basil Blackwell, 1947, p. 83. Em português. Thomas Hobbes. Leviatã. (Os Pensadores). Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo, Editora Abril, 1973. (N.T.).
- ↑ Idem, p. 82.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 165.
- ↑ Idem.
- ↑ Piotr Kropotkin. The State: Its Historic Role. London, Freedom Press, 1946, p.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 166.
- ↑ Idem, p. 239.
- ↑ Ibidem.
- ↑ Kropotkin, 1946, op. cit., p. 12.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 121.
- ↑ Idem, p. 212.
- ↑ Ibidem, p. 240.
- ↑ Ibidem, p. 157.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 156.
- ↑ Piotr Kropotkin. Ethics: Origin & Development. Translation of L. S Friedland, New York, Tudor, 1947, p. 14.
- ↑ Idem, p. 45.
- ↑ Hobbes, 1947, op. cit., p. 120.
- ↑ Idem, p. 120.
- ↑ Jacques Donzelot. “The Poverty of Political Culture”. In Ideology & Consciousness, 5, 1979, 73-86, p. 74.
- ↑ Idem.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 224.
- ↑ Idem, p. 145.
- ↑ Ibidem, p. 172.
- ↑ Ibidem, p. 138.
- ↑ Ibidem, p. 248.
- ↑ Kropotkin, 1946, op. cit., p. 28.
- ↑ Idem, p. 17.
- ↑ O autor não apontou a obra específica da citação da noção de real apresentada. (N. T.)
- ↑ Michel Foucault. “The Subject and Power”. In Hubert L. Dreyfus and Paul Rabinow, Michel Foucault: Beyond Structuralism and Hermeneutics. Brighton, Harvester Press, 1982, p.
- ↑ Nietzsche, 1994, op. cit., p. 28. Trecho aqui utilizado procede da versão em português: Nietzsche, 1998, op. cit., p. 36. (N.T.).
- ↑ Michel Foucault. The History of Sexuality. Vol.I: Introduction. Translation of R. Hunter. New York, Vintage Books, 1978, p. 93. Em português: M. Foucault. História da sexualidade. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal. Vol. 1, 1977; vol. II, 1984; vol.III, 1985. (N.T.).
- ↑ Michel Foucault. Discipline and Punish: the Birth of the Prison. Translation of Alan Sheridan. London, Penguin Books, 1991, p. 27. Em português: Michel Foucault. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Tradução de Lígia M. Ponde Vassalo. São Paulo, Vozes, 1977. (N.T.).
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- ↑ Foucault. History of Sexuality. op. cit., p. 96
- ↑ Friedrich Nietzsche. Birth of Tragedy, in Basic Writings. Translation of Walter Kaufmann, New York, Modern Library, 1968, p. 72. Em português: F. Nietzsche. O nascimento da Tragédia. Tradução de Jacob Guinsburg. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. (N.T.).
- ↑ Cf. Allan Megill. Prophets of Extremity: Nietzsche, Heidegger, Foucault, Derrida. Berkeley, University of California Press, 1985, p. 39.
- ↑ Nietzsche, 1994, op. cit., pp. 55-56.
- ↑ Cf. Friedrich Nietzsche. Thus Spoke Zarathustra. Translation of R.J Hollingdale, London, Penguin, 1969, pp. 28-29. Em português: F. Nietzsche. Assim falou Zaratustra. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998.(N.T.).
- ↑ Foucault, 1982, op. cit., p. 212.
- ↑ Nietzsche, 1969, op. cit., p. 297.
- ↑ Friedrich Nietzsche. The Gay Science. Translation of., Walter Kaufmann, New York, Vintage, p. 228. Em português: F. Nietzsche. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 2001. (N.T.).
- ↑ Nietzsche.1969, op. cit., p. 297.
- ↑ Ernesto Laclau. “Community and Its Paradoxes: Richard Rorty’s ‘Liberal Utopia’”. In Ernesto Laclau (org.) Emancipations, London, Verso, 1996, 105-123, p. 123.
- ↑ Piotr Kroptokin. Mutual Aid: A Factor of Evolution. London, Penguin Books Ltd., 1939, p. 210.
- ↑ Bakunin, 1984, op. cit., p. 267.
- ↑ Michel Foucault. “Is It Useless To Revolt?”. In Philosophy and Social Criticism 8 (1) (1981), pp. 1-9, p. 9. Em português: Michel Foucault. “É inutil revoltar-se?” in Michel Foucault, 2004, op. cit.
- ↑ Cf. Paul Patton. “Power in Hobbes and Nietzsche”. In Paul Patton (org.) Nietzsche, Feminism & Political Theory. Australia, Allen & Unwin, 1993, p. 152.
- ↑ Idem, p. 156.
- ↑ Ibidem, p. 154
- Originalmente publicado em Inglês em 2005 com o título original Anarchism and the Politics of Ressentiment no livro I Am Not A Man, I Am Dynamite: Nietzsche and Anarchism, organizado por John Moore pela Editora Autonomedia.
- Tradução do inglês por Beatriz Scigliano Carneiro.
- Publicado em português na Revista Verve n.14 em 2008.