Assumindo o Controle da Sala de Aula
Ingredientes
- Uma universidade, faculdade – ou outra instituição de ensino "superior";
- Alguns companheiros interessantes e inteligentes.
Ingredientes opcionais
- Um vídeo interessante;
- Pacotes educacionais;
- Panfletos, revistas, cartazes, outro tipo de propaganda.
Instruções
Nós encontramos esta receita quase acidentalmente. Essencialmente, ela envolve assumir o papel de professor em uma aula universitária. Métodos tradicionais de distribuição de propaganda geralmente não conseguem atingir aqueles fora dos vários guetos radicais, mas estudantes – como nossos estudos têm mostrado! – têm uma probabilidade incomum de prestar atenção à propaganda subversiva, se ela for mostrada por um professor ou por uma pessoa agindo supostamente em lugar de alguém.
Consiga uma sala de aula
Este é o passo mais difícil nesta receita, mas aqui estão algumas dicas que rapidamente vão colocar você na frente de uma turma! Primeiro, experimente esta receita no primeiro dia de aulas em uma universidade; ninguém na turma saberá como o professor é, então você pode colocá-la em prática sem nem mesmo inventar uma desculpa para você estar lá. Segundo, em muitas universidades, se um professor fica doente ou se ausenta sem aviso, uma nota é fixada na porta da sala de aula. É possível caminhar pela universidade, localizar um desses avisos e removê-lo. A nota deve incluir ao menos o número da turma, e provavelmente a hora em que a aula está programada para ocorrer – se a hora não estiver citada, cheque as listas de turmas da universidade, que podem ser geralmente encontradas na biblioteca do campus, na loja de livros ou na internet. Volte na hora determinada, diga a todos que você está substituindo o professor e dê pior de si. Outra forma de encurtar seu caminho para o magistério – este é o método que usamos – é se tornar amigo de alguns professores da universidade local. Professores amigos podem ligar para você dar aula em sua ausência. Normalmente, eles pedirão a você alguma tarefa inferior como mostrar um filme que chateia você até as lágrimas ou passar um resumo, mas, ei, eles não vão estar lá! Esta última técnica consome um pouco mais de tempo, mas, em uma cidade universitária, professores são poderosos aliados para se ter. A terceira, e menos recomendada, opção (leia-se "apenas para babacas reformistas") é ir através de um caminho por mais de duas décadas de aprendizagem e realmente ser contratado como professor.
Se você conseguir emprestado um cartão de vale-alimentação de um estudante, você pode ir a uma cafeteria de faculdade com uma mochila e sair com comida suficiente para alimentar você e alguns companheiros por alguns dias. Não conseguindo isso, você pode esgueirar-se – se apenas caminhar com determinação (para recuperar sua mochila esquecida, é claro) não funcionar, tente procurar o elevador de acesso de portadores de deficiência, a saída de emergência, ou a entrada de funcionários.
Oh Merda, Eu Estou na Frente de 150 Vorazes Garotos de Faculdade, e Agora?!
Primeiro, imagine que eles estão todos nus. Segundo, acalme-se; estudantes, como ursos, leões e outros mamíferos selvagens estão com mais medo de você do que você deles – verdade!
Sério, pense, é aqui que a diversão começa. Daqui, sua imaginação é o único limite. Você pode dar uma palestra sobre lutas de guerrilha armada na Espanha Franquista antes da guerra civil, ou oferecer técnicas de grafite. Você pode promover uma oficina de subversão de gênero, ou distribuir instrumentos e fazer uma jam session. Seja lá o que você fizer, nós recomendamos fortemente que você tenha alguma literatura radical em mãos – eles vão pegá-la e lê-la. Além disso, em discussões, não derrube tudo o que os estudantes trouxerem e com que você não concorda – mesmo que você discorde muito disso. O que nós descobrimos é que isso polarizará a classe contra você – as pessoas vão parar de ouvir e a discussão vai cessar. Ao invés disso, inicialmente finja concordar com algumas dessas coisas, então depois volte a elas e mostre por quê elas estão erradas, sem mencionar o comentário original. Lembre, o ego de um estudante é uma coisa frágil; se você pode evitar ofendê-lo e ainda mostrar sua posição, todos ganham.
Relato
No começo do semestre, um professor socialista de ciência política (o único representante do "radicalismo" aqui na universidade) com quem fizemos amizade ao longo dos últimos anos nos ligou. Ele nos falou que estava na França e não estaria de volta pelas duas primeiras semanas de aula. Ele perguntou se nós daríamos suas aulas pelo tempo em que ele estava fora, e entregaríamos resumos. Nós concordamos – e assim foi. Instantaneamente tivemos três aulas, seis períodos de aula, e algo como 400 estudantes para levar para o mau caminho.
Nenhum de nós sabia exatamente o que iríamos fazer, apesar de termos concordado que simplesmente passar o resumo não seria suficiente. Tínhamos nebulosas noções de distribuição de propaganda em aulas, então pegamos todos nossos panfletos, revistas e cartazes e fomos produzir um “texto”. Os professores geralmente passam estes: consistem em excertos fotocopiados de intelectuais chatos como o diabo. Nosso texto era um maravilhoso pacote de trinta e seis páginas incluindo seleções de Fighting for Our Lives, Dias de Guerra, Noites de Amor, Homage to Catalonia, de Orwell, o panfleto situacionista On the Poverty of Student Life e trabalhos similares[1] Compilamos esse pacote apressadamente nas horas anteriores à nossa primeira aula. Mais de uma centena foram produzidos e distribuídos durante nosso pequeno experimento, e eles pareceram ser bem aceitos.
Nas primeiras aulas, pensamos que estávamos sendo algo superficiais. Nossa distribuição de propaganda correu muito bem, mas nosso plano de ensino foi – bem, quase inexistente. Tudo veio junto em nossa quarta aula, contudo. Esta era uma aula noturna de três horas de Introdução à Cívica, com 150 estudantes, muitos dos quais eram calouros, então sabíamos que poderíamos preparar muito material. O plano original previa que um de nós – nós o chamaremos de Ted – daria uma palestra sobre conexões entre a CIA, importação de drogas e a família Bush, e então mostrar o vídeo Breaking the Spell e terminar com uma discussão. Quando a aula começou, ocorreu-nos que todos os vídeo-cassetes e projetores estavam trancados ou requeriam um código. Esse problema foi facilmente resolvido quando percebemos que havia um adesivo grande no telefone escrito "Ligue x8105 para assistência com dispositivos multimídia". Assim, ligamos.
Nós: "Uh, estamos substituindo nosso professor esta noite, e ele nos pediu para mostrar um vídeo, mas não temos as chaves. Você pode vir abri-lo?"
Cara da tecnologia: "Certo, vocês têm o código da caixa de controle?"
Nós: "Uh, não".
Ele: "Argh, maldito professor que não prepara vocês o suficiente...Já estarei aí".
Dentro de dez minutos, os problemas multimídia foram resolvidos.
Quando começamos, Ted estava atrasado, então mostramos o vídeo primeiro. Agora, quando digo isso, quero dizer que caminhamos pela sala sem dizer uma palavra à turma, colocamos o vídeo e o tocamos. Para aqueles que não viram Breaking the Spell, deve ser dito que é uma história anarquista militante sobre os protestos contra o encontro da OMC em Seattle. Em cerca de cinco minutos, policiais estavam quebrando crânios, e anarquistas quebrando janelas, e na sala de aula havia cerca de 100 estudantes sem nenhuma suspeita com seus queixos caídos. Os suspiros ouvidos pela hora seguinte enquanto os manifestantes apanhavam barbaramente na tela deixaram claro para mim que estávamos mostrando nosso ponto de vista.
O filme acabou e a turma parecia em choque. Ted chegou nesse momento e prontamente assumiu seu papel muito natural de moderador de discussão e lubrificante social. Ele disse à classe que quem quisesse sair poderia (uma coisa muito inteligente a se fazer) e alguns saíram, mas muitos ficaram. Então perguntamos à turma o que eles acharam do filme. Então alguém perguntou: "Qual o objetivo de mostrar o filme?". Eu estava prestes a responder com algum tipo de polarização e uma retórica clichê sobre a violência inerente aos sistemas capitalistas e da necessidade de desmantelá-los, quando Ted me salvou de mim mesmo. “Por que você acha que o mostramos?”, ele respondeu. Isso motivou uma hora e meia de uma das melhores discussões em sala de aula de que eu já tinha participado.
Deve ser mencionado aqui que o sucesso dessa discussão teve muito a ver com as dinâmicas do grupo que estava "dando aula" naquela noite. Havia quatro de nós lá naquela noite. Um de nós sentou-se na audiência e atuou em uma competência que, esperávamos, convenceria alguns estudantes de que eles eram perfeitamente capazes de ser radicais. Dois de nós somos um tipo de anarquistas de aparência-assustadora, foda-se-essa-merda e sem-compromisso. Ted, por outro lado, parece-se quase como um estudante de universidade, e enquanto ele compartilha muitas das mesmas ideias que nós, ele as apresenta de uma maneira muito sutil, mais pacifista. Ele também trabalha em um café, onde fala e fala e fala com todo tipo de pessoa com todo tipo de ideologia política, então ele é um pouco melhor que o resto de nós em fazer seu ponto de um modo mais simpático. A discussão geralmente vira isso: um dos estudantes mais militantes de nós apresentaria uma opinião radical polarizada de um jeito militante assustador. Os estudantes se sobressaltariam e seria como "não! Nunca! Eu nunca acreditaria em vocês, seus criminosos sujos e violentos!". Então Ted entraria e seria como “Bem, eu não defenderia isso exatamente, mas eles estão corretos que..." e então ele explicaria as coisas mais minuciosamente de uma maneira mais familiar aos estudantes. Isso nos permitiu apresentar visões que estavam um mundo longe das visões que aqueles estudantes tinham, mas de um modo que nos tornou mais próximos deles, então eles puderam ver de onde vínhamos – e para onde estamos indo!
A aula terminou com Ted mostrando um vídeo sobre a cumplicidade do governo dos EUA nos ataques terroristas de 11 de setembro. Alguns ficaram rangendo os dentes, mas todos estavam contemplativos, e até mesmo nossos ardentes adversários ideológicos pararam depois da aula para nos parabenizar pela "aula mais interessante que já tinham tido". Ah sim, e eles pegaram todos nossos panfletos.
Se você não puder usar a internet para conseguir gravações gratuitas de suas canções favoritas, vá a uma estação de rádio universitária local, aja como se trabalhasse lá, e grave todas as músicas que quiser.
Para fitas cassete gratuitas, você pode escrever a grupos cristãos evangélicos pedindo material de audição.
Na primeira semana de aulas na universidade, você pode fazer uma “agitação radical”, na qual ativistas mantêm uma constante presença pública dentro e próximo ao campus, informando estudantes de todas as opções que eles têm de participar de atividades libertadoras ou subversivas.
Se você for um estudante de ensino médio, pode roubar o livro de chamada, tomar o sistema de intercomunicação para fazer um anúncio importante, trancar despertadores com alarmes em horários aleatórios em armários não utilizados, combinar com outros estudantes de todos não irem à aula no dia de teste para o qual não estão preparados, ou organizar uma passeata para protestar sobre um assunto local ou mundial ou apenas dar expressão de como os estudantes irados sentem-se sobre seu encarceramento. Lembre-se, você pode se safar de muita coisa antes de ser legalmente um adulto.
Se você for um estudante de ensino médio nos Estados Unidos, a sua escola provavelmente paga para você aulas de faculdade, se as classes não estão disponíveis em sua escola.
Você pode usar universidades como uma fonte de fundos para seus projetos. Encoraje os seus amigos que estão matriculados em universidades para se juntar ou formar organizações estudantis, e faça com que essas organizações agendem você ou um colega para uma palestra, com o orçamento da escola pagando a conta.
Você ainda pode conseguir a maioria dos livros de que precisa na biblioteca, especialmente se você pedir a eles para encomendarem os que faltam; muitas bibliotecas também têm empréstimo gratuito de vídeos.
Notas
- ↑ N.T.:Os dois primeiros – Fighting for Our Lives e Dias de Guerra, Noites de Amor são do coletivo CrimethInc. O terceiro, Lutando na Espanha, é de George Orwell, sobre a sua luta na Guerra Civil Espanhola. De la misère en milieu étudiant é um panfleto publicado por estudantes da Universidade de Strasbourg e participantes da Internacional Situacionista.