Atinja Onde Dói... Mas no Momento Certo
([Hit Where it Hurts... But in The Meantime Original em Inglês])
O PROPÓSITO DESTE ARTIGO
O objetivo deste artigo é se opor ao conselho autoritário e limitado oferecido por Ted Kaczynski em seu texto, "Hit Where It Hurts"[1] (Atinja Onde Dói). Esta é uma apresentação de possibilidades de revolta contra a civilização, e ressaltamos que estas são apenas algumas entre muitas outras e não queremos expressar noções de grandeza com nosso ponto de vista. Estas são palavras nossas, uma apresentação, para que o leitor faça com ela o que achar melhor. Nossa posição básica é esta, por todos os meios que dispor, a revolta deve ser tática em algum grau, mas o coração da revolta está dentro de cada um de nós. Atos de revolta não são algum tipo de ação massificada e pré-planejada, mas sim o resultado da raiva espontânea: a resposta natural a condições opressivas e suicidas. É desnecessário dizer que, quando agindo em legítima defesa, a pessoa que se defende procura causar o maior dano possível. Em quase todos os casos de revolta isso é geralmente aplicável. A missão civilizada que consiste em domesticar e explorar toda a vida é, seja qual for sua definição, um atentado contra a vida. Sendo assim, a resistência será sempre um ato de legítima defesa. No entanto, neste sentido, não é todo tipo de revolta que se ajusta ao cenário de luta que Ted usa como analogia.
A revolta não é apenas um tipo definido de ação, como Ted a trata, mas sim qualquer ato de resistência contra a ordem civilizada. É nesta raiva e espontaneidade que encontramos o espírito de resistência. Sentimos que limitar ou degradar este espírito é negar a razão pela qual estamos lutando em primeiro lugar, e isso é perigoso.
AUTONOMIA É NOSSO OBJETIVO
Parece evidente para nós que toda a civilização é responsável por nosso estado atual e que a verdadeira autonomia só será possível a partir da destruição dessa condição. O papel da tecnologia nesse desenvolvimento (e em sua reprodução) é inegável. Concordamos que o sistema tecnológico é um dos mais importantes dentre muitos outros alvos na luta pela autonomia. Nisto nós respeitamos os comentários de Ted, bem como o que diz respeito a como potencialmente desabilitar essa besta. No entanto, isolar este aspecto pode ser bastante problemático. Ted afirma que atividades como "destruir um McDonald ou um Starbuck" são "sem sentido" e que isso "não é uma atividade revolucionária." Seria ridículo pensar que alguém realmente acredite que destruir algumas fábricas ou centros de abastecimento da rede corporativa irá impedir que a civilização siga expandindo, mas, enfim, que ação isoladamente poderia fazer isso? Qualquer ação direta é raiva colocada em prática. É, literalmente, um golpe na ordem civilizada e, o mais importante, um ataque contra a domesticação. Como isso poderia não ser revolucionário? Nenhum golpe será o golpe final ou o golpe de nocaute, e esperar por isso é, na melhor das hipóteses, idealista. Cada ato de resistência nos leva um passo mais perto da realização da autonomia para todos.
EM DEFESA DA NATUREZA
"Ninguém em seu perfeito juízo acredita que qualquer coisa como a verdadeira natureza possa sobreviver por muito tempo se o sistema tecno-industrial continuar a existir." Isso é verdade, mas poucos abraçam a noção de que a civilização vai morrer facilmente. Isso cria uma forma multifacetada de resistência. Nossos objetivos são dois: acabar com a vida civilizada e impedir que ela consuma toda a natureza que ainda resta. Se colocarmos todos os nossos esforços em fazer uma coisa, corremos o risco de não haver mais nada em uma existência pós-civilização. Nós não sentimos que cada ação seja digna ou indigna, mas esse é o nosso ponto de vista. Nós não participamos em nenhum tipo de ação judicial, mas sei de pessoas que as utilizam com sucesso para manter as madeireiras longe de áreas selvagens. O desmatamento dessas áreas é inevitável? Muito possivelmente, mas nós não sentimos que esses esforços necessariamente drenem o desenvolvimento de uma revolta eficaz. Nunca devemos esquecer que a civilização é uma totalidade, que engloba todos os aspectos da vida, devemos resistir à colonização em todos os níveis e fazer o que for possível em qualquer lugar. Sentimos que a importância deveria recair sempre na eliminação da presença arrogante e dominadora da civilização, mas isso nunca deve fechar nossos olhos para o que está acontecendo aqui e agora. A resistência está em todos os lugares e a revolta é a vida.
PORQUE O SISTEMA CONTINUA FIRME
O Sistema tem se mostrado verdadeiramente resistente através desses séculos de dominação e exploração. O Estado é a sua própria empresa de relações públicas e isso o mantém forte. Se quisermos ter sucesso como revolucionários, temos de romper essa fortaleza em todos os níveis possíveis.
A fachada da democracia e qualquer equação de liberdade que possa ser feita pelo governo são alvos e sobre estas e todas as frentes devemos procurar nos opor ao apático dogma consumista. Todo governo, tecnologia, civilização, bem como qualquer docinho enfeitado capitalista, são opressivos, e isso faz com que qualquer forma de revolta seja importante.
Parece injusto: “As pessoas que vão pagar são os contribuintes”. Mas o que os contribuintes pagam? Algumas semanas de sofrimento e uma saída precoce deste filme de terror. E o que os empresários ganham? Uma vida de medo e negação semi-encoberta por prazeres rasos. Se vamos sobreviver MENTALMENTE, precisamos desaprender o sistema de valores que a civilização nos ensinou em seu próprio benefício, e aprender um diferente, onde a morte não é a inominável pior coisa do mundo, mas sim uma parte normal e constituinte da vida; onde a eletricidade e a água quente da torneira não são necessidades que nos elevam da pobreza humilhante, e sim pequenos luxos ou até mesmo modismos; onde viver bem não significa isolar-se de tudo o que você não pode prever ou controlar, mas ter amigos honestos e um dia-a-dia que é significativo.
As pessoas sabem disso. De todos os futuros imagináveis onde os seres humanos sobrevivem após este sistema cair, um dos piores seria aquele onde a terra se torna estéril, mas o egoísmo violento da civilização continua. Mas nós conhecemos isso por meio do gênero "pós-apocalíptico" de filmes de aventura populares como The Road Warrior (Mad Max). Isso demonstra quão ruim o nosso próprio mundo é – onde fantasiamos com um mundo cheio de guerras, fome, e sem árvores, só porque nele precisaríamos passar o dia todo lutando por algo que importa, em vez de se encolhendo em edifícios estéreis reorganizando abstrações.
NENHUMA RAIVA É IGUAL
O tratamento que Ted dá a "questões de vitimização" é um tema em por si só e por isso só vamos dar-lhe uma breve atenção aqui. O favoritismo nesta sociedade feita para homens brancos precisa de pouco fundo, mas o resultado disso geralmente é aparente. Aqueles de nós que vêm dessa posição precisa reconhecer a realidade de que o povo que Ted chama de "vítimas" têm a sua própria fonte de raiva. Devemos perceber como essa raiva se encaixa no problema da civilização e abraçá-la. Isso não quer dizer "não seja crítico", de fato sentimos exatamente o oposto. Todos nós temos a nossa própria fonte de raiva e desprezo pela civilização. Isso nos dá a verdadeira beleza e poder da revolta e devemos abraçá-la, cuidá-la e retribuir a ela. Qualquer um que tenta determinar contra quem alguém deve ou não deve se opor dificilmente está lutando ao lado dessa pessoa. O autoritarismo e elitismo deve ser entendido como ferramentas da civilização, cabe a todos nós superar isso em nossos próprios caminhos.
ATAQUE O CÉREBRO, O CORAÇÃO E OS PULSOS
Solidarizamo-nos com as cinco metas que Ted aponta na sexta seção de seu texto. Nós sentimos que o único perigo real nelas é a simplicidade e facilidade com que ele sugere estes alvos. A maneira com a qual Ted pressupõe ser possível livrar-se desses órgãos faz parecer que todos nós podemos ser eficazes guerreiros anti-tecnologia agora mesmo. Este é apenas um sonho fantástico. O mais impactante dos golpes será o maior e em qualquer caso a maximização dos danos, e não a minimização , deve ser o princípio. No entanto, não é algo muito inteligente sair por ai e tentar pôr fogo em um enorme edifício. Como qualquer coisa, a eco-sabotagem é uma habilidade. É preciso prática e confiança para realizar algo realmente grande, é preciso tempo para chegar lá. Essas pequenas ações espontâneas, como quebrar algumas janelas, selar algumas fechaduras ou até mesmo confrontar abertamente pessoas são trampolins para algo maior. Embora não haja uma única razão para apoiar essas ações, definitivamente existem razões positivas.
Sugerir para alguém realizar uma grande ação é algo perigoso. É importante seguir o seu coração, mas o mais importante é confiar em seus instintos. Se você acha que algo horrível pode acontecer você deve pesar seriamente, por todos os meios, os resultados possíveis ou tentar novamente no futuro. O custo de ser pego fazendo algo sem a prática necessária é elevado demais para arriscar ao acaso. A prática gera a perfeição e cada pequeno avanço conta.
DÊ TUDO O QUE VOCÊ TEM
Não vamos tocar nos pontos sobre biotecnologia, uma vez que estamos de acordo em sua importância como alvo (embora seja discutível que algo possa ser mais importante do que todo o resto como O mais importante dos objetivos). Esperamos que a resistência cresça continuamente, e isto parece ser bem provável considerando a automação e o aperto das algemas por parte do Estado que tornam a nossa vida ainda mais sem sentido. Nosso ponto fundamental aqui é que qualquer ato de revolta é algo positivo. Embora isoladamente possam parecer insignificantes e até mesmo alguns podem não terem sido as melhores decisões, esses não são motivos para não prestar solidariedade a essas ações. Devemos entender que não estamos lutando por algum princípio acadêmico obscuro, mas pelo bem da própria vida selvagem. Há muito mais pesando sobre isso do que qualquer linguagem poderia tentar expressar. Nós sentimos que um ponto importante que Ted parece ter esquecido neste caso é que o sucesso do FC[2] não veio a partir da eliminação do sistema industrial tecnológico, mas sim ajudando a empurrar a seriedade da questão para outro nível. Em longo prazo, o envio de bombas comumente mal feitas e mal direcionadas a alguns representantes da progressão tecnológica pode não ter alcançado o impacto da atenção gerada pelo texto que o seguiu. Isso é algo que todos nós precisamos aprender, que qualquer pequena coisa conta. Enquanto nós devemos olhar taticamente uma maneira de se livrar de toda essa confusão do sistema, precisamos fazer qualquer mínimo possível para atacá-lo em nosso dia-a-dia.
[1] Atinja Onde Dói – por Ted Kackzynski.
[2] FC são as iniciais de Freedom Club, que reclama a autoria do texto “A Sociedade Industrial e Seu Futuro”, o qual acredita-se que seja um pseudônimo usado por Ted Kackzynski.
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Traduzido por ctenomys.
Originalmente publicado em Green Anarchy Magazine #9.