Bicicletadas
Ingredientes
- Bicicletas
- Ciclistas
Instruções
Talvez você já conheça a Massa Crítica, o Comida Não Bombas das bicicletadas. Dentro ou fora deste contexto, o formato da bicicletada é muito recomendável. Bicicletas fornecem uma oportunidade legal de estabelecer presença nas ruas; ao contrário dos carros, elas são muito mais baratas, não revelam automaticamente a identidade do seu proprietário, representam uma tecnologia participativa e ambientalmente amigável, e criam uma atmosfera de união, já que os ciclistas não estão separados uns dos outros por metal e vidro. Um grupo montado em bicicletas pode ocupar muito mais espaço que o mesmo número de pedestres, e normalmente gera um espetáculo mais impressionante; eles também podem se mover juntos muito mais rapidamente ou quando for o momento de dispersar. Bicicletadas são flexíveis: elas podem ter o aspecto de uma festa ou de um confronto, ou ficar alternando entre as duas. Uma bicicletada pode reunir os moradores locais para um evento comunitário divertido, ou chamar a atenção para um assunto em particular (políticas locais de transporte, preocupações ambientais mundiais, a monotonia da vida urbana), ou interferir diretamente em algo questionável servindo como uma barricada que se move vagarosamente — ou apenas fornecer um papel de fundo, no qual cada participante pode mostrar as suas intenções. Por último mas não menos importante, andar de bicicleta é divertido.
Seguindo o modelo da Massa Crítica, algumas cidades acontecem bicicletadas um dia determinado, todo mês, em direção a um destino conhecido. Se você não tiver essa estrutura ou quiser criá-la, você pode promover uma bicicletada colocando panfletos nos guidons das bicicletas estacionadas pela cidade, colocando adesivos ou escrevendo em qualquer coisa nas quais bicicletas costumam ser acorrentadas (ou qualquer lugar que os ciclistas costumem visitar — por exemplo, uma lixeira popular de um supermercado), ou colocando posters em lojas de bicicletas. Se a polícia da sua área tiver tendências repressivas e você não quer que eles apareçam e estraguem o clima limitando os seus movimentos ou ameaçando os participantes evite colocar panfletos onde eles verão. Se a polícia aparecer antes do evento com a intenção de controlá-lo, eles provavelmente conseguirão, mas um único policial que descobre uma bicicletada já em andamento pode ser incapaz de impedi-la.
Deixe as coisas empolgantes. Bicicletas incomuns — bicicletas de dois andares soldadas em casa ou "choppers" com rodas dianteiras exageradas, por exemplo — sempre fazem sucesso. Reboques para bicicletas podem levar qualquer coisa, desde crianças até aparelhos de som. Para dizer ao mundo a que você veio, estique uma faixa entre duas bicicletas; isso pode fazer ainda mais sentido no fim da bicicletada, onde pode ser lido pelos motoristas atrás de você e desencorajá-los de enfiar seu carro no meio das bicicletas. Instrumentos musicais e outras coisas que façam barulho chamam a atenção e deixam a atmosfera alegre — quando os carros atrás de vocês buzinarem, junte-se a um coro de campainhas de bicicleta e apitos, manipulando a frustração em afirmação. Uma bicicletada com ciclistas fantasiados ou, melhor ainda, bicicletas alegóricas é perfeita para o carnaval — ou qualquer outro dia do ano. Tenha material para distribuir aos pedestres e motoristas presos no trânsito. Faça com que esse material seja acessível e positivo: um participante da Massa Crítica na minha cidade natal costumava distribuir laranjas com mensagens escritas na casca.
Tanto o seu trajeto como o seu método para escolhê-lo dependerão dos seus objetivos. A sua bicicletada pode ir até o local de uma festa ou festival; ela pode vagar de acordo com as vontades coletivas dos participantes; ela pode ser secretamente planejada com antecedência por uma cabala rotativa de estrategistas. Uma bicicletada pode atravessar um bairro, ou interagir com o trânsito da hora do rush; ela pode tomar uma rodovia, ou até mesmo invadir um shopping center. Grupos de massa crítica duradouros e com um bom número de participantes frequentemente determinam suas táticas e políticas através da "xerocracia": todos que têm uma ideia distribuem panfletos promovendo a sua sugestão, e as decisões são tomadas por um tipo de consenso de fato.
Não importa a sua abordagem, existem alguma regras gerais e princípios que podem ajudar um bando de ciclistas a ficar seguros no território dos carros. Você verá muita direção estúpida e perigosa no curso da sua bicicletada. Em primeiro lugar, fiquem próximos uns dos outros, para apresentar como uma massa ao invés de uma fileira de indivíduos; os principiais responsáveis por isto são os ciclistas que vão bem à frente, que têm que definir uma velocidade lenta o suficiente para o mais lento dos ciclistas poder acompanhar. Os ciclistas mais impacientes e impetuosos acabam ficando na frente, então não seja tímido ao passar mensagens ("devagar! fiquem juntos!") para eles de onde você estiver na massa. Não deixem se abrir vãos que possam ser tentadores para os motoristas. Quando existem duas faixas de trânsito, na verdade é mais seguro bloquear as suas, para que não tenha uma fileira de carros que passam correndo pelo lado de vocês. Os ciclistas mais tranquilos e equilibrados devem provavelmente ficar atrás e dos lados da massa, já que é ali que o confronto com os motoristas estúpidos pode acontecer; não entre em disputas verbais, não tente mostrar superioridade, deixe a sua auto-confiança e presença obstrutiva serem a sua vingança em motoristas que lhe insultam. Geralmente é melhor passar pelos sinais vermelhos em massa, para que eles não dividam o seu grupo ou interfiram com a sua missão; quando passarem por um cruzamento, os já citados ciclistas equilibrados devem parar dos lados da massa, de forma que suas bicicletas e corpos impeçam os carros de passar pelo meio dos outros. Pressupondo que você e os seus cúmplices são defensores do transporte público, você pode querer deixar os ônibus (para não falar das ambulâncias) lhe ultrapassarem, sendo cuidadoso para preencher o espaço atrás deles imediatamente para que os carros não tentem se aproveitar disto. Finalmente, os trajetos devem ser determinados com as necessidades de todos os participantes na cabeça: se eles forem muito longos ou cansativos, ou obscuros demais de forma que as pessoas se percam, eles não são bons.
Vocês podem querer fazer planos para se dividirem (por vontade própria ou não) e se reagruparem. Ciclistas com telefones celulares podem conversar uns com os outros para organizar isto; outra maneira é escolher com antecedência pontos de convergência onde poderão se reencontrar.
A polícia inevitavelmente irá exigir que você lhe diga quem é o encarregado: "ninguém" ou "todo mundo" são respostas que já foram experimentadas e são verdadeiras, mas você também pode ganhar algum tempo se necessário dizendo que você não sabe, mas vai tentar descobrir, ou prometer apresentar as ordens deles ao "comitê central" ao qual todos vocês respondem. Se vocês têm um passeio que acontece com regularidade e eles começarem a dificultar as coisas para vocês, surpreenda-os com um passeio não divulgado para mostrar quem é que manda. Não deixe eles o intimidarem com multas ou outros assédios legais — se você conhece advogados simpáticos à causa, peça que eles lhe ajudem no tribunal; se você for do tipo mais desobediente, anda fantasiado ou mascarado e não pare para responder perguntas ou receber multas. Você não está bloqueando o trânsito, você é o trânsito, não é?
Relato
Havia começado outra ridícula guerra por petróleo, bem a tempo do nosso passeio de bicicleta mensal. Graças ao agradável clima da primavera e à indignação dos radicais da região — vamos dar nome aos bois — liberais moderados, nós tínhamos um bom número de participantes para nossa pequena cidade universitária: talvez cinquenta ciclistas. Nós nos reunimos no local de sempre na frente do correio; um de nós trouxe uma faixa ("nem sangue, nem petróleo"), que foi afixada entre duas bicicletas com os cadarços do sapato de alguém. Haviam dois policiais esperando no nosso ponto de convergência, mas de alguma forma eles perderam o nosso rastro depois que começamos a andar pelo nosso trajeto habitual; a Massa Crítica já tinha uma longa história nesta cidade, e com as multas da polícia, batalhas legais, publicidade positiva e negativa, e com a inevitável atração da rotina previsível já anos atrás de nós, eles passaram a tolerar os nossos passeios consideravelmente mansos.
Entretanto, desta vez as coisas iriam ser diferentes. Alguns de nós estávamos determinados a não deixar as coisas seguirem normalmente enquanto a guerra estivesse sendo travada, e também havia um pessoal de fora visitando — incluindo um ciclista que havia trazido um micro-system sobre o seu guidom com heavy metal dos anos 80 no volume máximo — que estavam dispostos a levar as coisas mais longe e tinham a vantagem de não serem conhecidos pelos agentes da lei da região.
Enquanto nos deslocávamos, surgiram conversas individuais sobre qual deveria ser o nosso trajeto. Perto do que seria a metade do nosso trajeto de sempre, entramos todos em um estacionamento, e alguém levantou a questão. Algumas pessoas sugeriram que nos encaminhássemos para a rodovia estadual, e depois de pouca discussão nós partimos, um de nós tocando um trompete, outros tocando suas campainhas.
Havia um semáforo no acesso principal a esta rodovia, e nós tiramos proveito dele para entrar nela em massa, bloqueando as duas faixas; se não houvesse o semáforo, seria extremamente perigoso entrar na rodovia com os carros andando rápido atrás de nós. Acabou sendo, que nós estávamos na principal via arterial da região na hora de pique, bloqueando-a completamente e nos movendo a passo de lesma. Uma longa fila de carros imediatamente se formou atrás de nós, alguns estoicamente aceitando as inconvenientes consequências de viver em uma comunidade liberal enquanto outros apertavam suas buzinas e gritavam. A polícia, estranhamente, ainda não havia aparecido.
Nos minutos que se seguiram, as coisas ficaram mais e mais tensas na parte de trás do nosso grupo, quando um grupo de motoristas particularmente agressivos trocavam ameaças e recriminações com os ciclistas igualmente irritados que levavam a faixa. De repente, quando a próxima saída apareceu à distância à nossa frente, houve uma comoção na parte de trás do nosso grupo, seguida por pneus cantando. Dois veículos utilitários aceleraram no meio do nosso grupo. As pessoas saltavam para fora do seu caminho em terror enquanto os veículos guinavam sem dar aviso. O que ia na frente bateu no lado de um de nós, derrubando-o de sua bicicleta, e então acertou em cheio um dos voluntários do nosso coletivo de conserto de bicicletas. Ele saltou de sua bicicleta no último instante, para fora do caminho do carro, que passou por cima da bicicleta, arrastando-a para a frente em um rio de faíscas. Um segundo mais tarde, ouvimos o barulhos seco de vidros de carro quebrando; os janelas traseiras do utilitário haviam sido quebradas com trancas de bicicletas. O veículo guinou novamente, subindo como um louco no canteiro central da rodovia, e sumiu na rampa de saída, seguido do outro utilitário.
Tudo acabou em alguns segundos, mas levou muito mais tempo para nos darmos conta do que tinha acontecido. Os ferimentos à pessoas que havia sido atingida foram mínimos, mas a sua bicicleta estava imprestável e a outra havia sido reduzida à um monte de metal retorcido. Arrastando elas, e fornecendo apoio emocional e físico aos que foram quase atropelados, nós nos dirigimos lentamente à rampa de saída. Lá, fora da rodovia, nós vimos os dois veículos utilitários parados, do lado de alguns carros de polícia.
Nós paramos do lado da rodovia para decidir o que fazer, permitindo que o resto do tráfego passasse por nós. Todos os motoristas que haviam esperado atrás de nós e que haviam visto o ocorrido agora abanavam, vibravam, buzinavam e até faziam gestos de "paz" ou "vitória" — eles haviam sido testemunhas do mau comportamento dos dois primeiros motoristas, e com isso ganhamos a simpatia e o apoio deles.
Nós cometemos alguns erros nesse momento. Nós estávamos em uma posição vulnerável, e precisávamos decidir rapidamente o que fazer, mas na nossa confusão e falta de organização, nós ficamos presos tentando tomar uma decisão de grupo, enquanto alguns de nós foram falar com a polícia. Os participantes da nossa cidade, sentindo-se em risco e temendo a vigilância da polícia agora que, discutivelmente, um crime havia sido cometido e decidiram seguir pelo acostamento da rodovia até a próxima saída e fugir por lá; o que eles conseguiram sem maiores complicações. Algumas perguntas muito tolas foram feitas por pessoas inexperientes sem nenhuma ideia de cultura da segurança (veja Cultura da Segurança — por favor!) sobre quem tinha quebrado os vidros dos carros, mas essas perguntas foram rapidamente deixadas de lado. No final das contas a bicicleta que foi destruída era uma bicicleta "grátis" do coletivo local de bicicletas (veja Coletivos de Bicicletas), então o principal consequência para nós foi o trauma.
Enquanto isto, o relatório da polícia era de que embora o motorista assassino do carro tivesse anunciado que ele iria nos processar, a própria polícia teve a impressão de que ele era um lunático tão perigoso que naquele momento tudo que eles estavam tentando fazer era deixá-lo separado de nós. Nós tiramos proveito desta confusão para voltarmos para a cidade, e finalmente paramos de discutir a situação. Alguns de nós queriam fazer uma queixa contra os motoristas, enquanto outros duvidavam que o sistema legal pudesse ser usado para o nosso proveito; no final das contas nenhuma queixa foi feita de nenhum dos lados.
Muitos de nós estavam assustados pela experiência de perigo — poucos estavam prontos para este risco, e, em retrospectiva, nós devíamos pelo menos ter nos preparado melhor psicologicamente antes de invadir a rodovia — mas também ficamos renovados com ela, arremessados para fora da rotina em que a nossa Massa Crítica havia caído. Nós decidimos fazer outro passeio na próxima semana, e aquela teve mais participantes do que todos os últimos anos. Havia um policial lá, que insistia que eles estava ali para "nos proteger", uma justificativa que o departamento já havia usado antes para mandar a polícia conosco que então tentavam nos controlar como um rebanho, nos ameaçar e nos multar com violações do código de trânsito; nos fazendo de idiotas, nós garantimos para ele diversas vezes que, embora ele fosse novo na Massa, nós iríamos nos certificar que ele estaria protegido. Ele ficou tão desmoralizado com isto que ele acabou indo embora! Desta vez, fomos na direção oposta, através do centro, ocupando a avenida principal e conseguindo tanta atenção quanto se estivéssemos na rodovia mas correndo menos riscos. Nós distribuímos panfletos pelo caminho sobre o comportamento dos motoristas na semana anterior, e sobre o que isto dizia sobre pessoas que dirigem veículos utilitários e apoiam guerras imperialistas — e as pessoas que receberam os panfletos, algumas das quais já haviam ouvido falar da história, foram simpáticas e receptivas.
De bobeira pela cooperativa local de alimentos orgânicos depois dessa bicicletada, nós descobrimos que com o rebuliço causado pelas nossas aventuras, um liberal local que há muito tempo atrás havia pedalado com a Massa Crítica estava tentando passar um projeto de lei que designaria proteção policial a todas as bicicletadas. Com algum esforço, fizemos ele desistir da ideia, alegando que não era direito de ninguém tomar decisões que teriam implicações permanentes na Massa Crítica de nossa cidade. Esta foi a última das consequências de nossa breve ocupação da rodovia. As coisas certamente teria acontecido de forma muito diferente em um cidade menos liberal, mas você sempre tem que adaptar a sua abordagem ao seu ambiente.