Capitalismo + Energias Limpas = Hecatombe

De Protopia
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«"Vislumbro uma cadeira elétrica movida a energia eólica, no que está por vir, tudo é possível»
(Genoino Pravda, Sem Sentidos)


Imbecil talvez seja o adjetivo mais adequado para ambientalistas reformistas e toda essa classe de moderados celenterados que vivem a afirmar descaradamente que viveremos em um mundo melhor se estados e corporações capitalistas adotarem tecnologias movidas a energia limpa e produzidas com recursos renováveis! Das duas, uma, ou sofrem de falta de imaginação ou compartilham do afã burocrata de defender a máscara legalista dos "direitos" que permite às elites fazerem o que quiser. Sugiro que os chamemos de Imbecis' pela conivência consciente ou inconscientemente que assumem frente a um sistema político-econômico que ameaça a existência de muitas formas de seres vivos do planeta, incluindo a sua própria.

As implicações da adoção de tecnologias limpas e renováveis em um sistema estruturalmente desumano e predador são simplesmente hecatômbicas. Se estados nacionais e conglomerados corporativos conseguirem livrar-se de sua dependência de combustíveis fósseis e poluentes, não só um futuro melhor não estará assegurado como provavelmente estaremos a caminhar para o fim de nossa existência a passos ainda mais acelerados. Neste ponto certamente muitos dos que lerem esse texto pensarão: "não pode ser...", pense de novo.

Os que nasceram nestas últimas décadas certamente lembram-se da história de Matrix. Existe um detalhe interessante nessa ficção que não podemos perder de vista: antes do complexo tecnológico automatizado ser forçado a assumir a medida vampiro-burguesa de utilizar humanos como baterias - ele passa a subjulgar belicamente os humanos utilizando energias limpas, mais especificamente energia solar. Ameaçada pela supremacia das máquinas a humanidade decide acabar com seu lugar ao sol e lança no céu um composto químico capaz de impedir que a energia solar seja utilizada. Energia limpa movendo máquinas de moer vidas, puxar o plug da tomada solar não seria suficiente àquela altura da (hi)stória, será suficiente agora?

Mas deixe-me descrever um futuro não tão distante quanto esta possibilidade vislumbrada pela ficção em que máquinas adquirem consciência de classe e passam a imitar o capitalismo de estado soviete - um futuro que pretendo descrever está muito mais próximo, possível e provável. Nele os meios energéticos "limpos" garantem a supremacia da organização capitalista do mundo consolidando em proporções catastróficas sua ânsia de predação universal.

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Imagino colheitadeiras gigantes movidas a energia solar poderiam trabalhar 24 horas por dia (carregando baterias super-eficientes, capazes de uma autonomia de 12 horas da luz solar, trabalhando pelo período em que o sol não possa alcançá-las) em monoculturas transgênicas de todos os tipos, esgotando o solo e produzindo comida perigosa para uma população humana crescente (bem, talvez não para o grosso da população existente, mas para quem ainda puder pagar por ela).

Como previsto em Matriz os avanços na inteligencia artificial permitirão maior desenvolvimento na automatização de sistemas info-eletrônicos-mecânicos, até um ponto em que as máquinas como estas conduzirão a si mesmas tornando a profissão de motorista de colheitadeira obsoleta. Provavelmente também a manutenção mais eficiente e mais barata será provida por máquinas de diagnóstico e reparação. Empregos?! Existem ainda alguns no alto de torres cercadas por cercas eletrificadas, alimentadas por eficientes geradores eólicos savônios. A elite de executivos come e vive muito bem confinada servida por seus poucos empregados, enquanto os escombros humanos do que um dia foi a classe média afundam na miséria no maravilhoso mundo futuro de energia limpa. Não penso ser possível como em Matrix a supremacia das máquinas pelas máquinas, ainda que em determinado grau de desenvolvimento tecnológico, capitalistas humanos e máquinas possam vir mesmo a se fundir, a imersão nos paraísos virtuais descritos por Hakim Bey, o upgrade da sociedade do espetáculo, a cyber-gnose.

Mas voltemos para o momento em que o capitalismo tal qual conhecemos adota "tecnologias limpas", neste tempo futuro que nos é muito familiar. Com a adoção destas tecnologias provavelmente o número de pessoas com doenças respiratórias diminuirá, mas nem de longe pensem que a taxa de destruição de florestas como a Amazônia conhecerá qualquer redução: espécies animais e vegetais desaparecerão da mesma forma sob a necessidade constante de produzir mais e mais bens de consumo. A fronteira agrícola não pode conhecer fronteiras: árvores centenárias não serão derrubadas para produzir carvão vegetal, mas para darem lugar a plantações de monocultura e fábricas, galpões de confinamento onde milhões de cabeças de gado confinados esperam a morte no abatedouro.

Provavelmente o ramo da segurança privada terá uma alta crescente, a elite empresarial, e os remanescentes da classe média (formada por poucos serviçais, técnicos ultra-especializados e outros que se encarregam das poucas prestações de serviços ainda não automatizadas) viverão em um mundo limpo cada vez mais desigual no qual cidades-favelas com 30 milhões de habitantes se espalham pelo terceiro mundo. Todos, é claro, contando agora com formas de produção de "energia limpa", mas com outros recursos (como alimentação, saúde e moradia) cada vez mais escaços. As cidades se tornarão lugares violentos disputados por pequenas tiranias locais: gigantescos barris de pólvora onde têm início revoltas, levantes e pilhagens. Alguns destes grupos talvez se levantem contra corporações-estados ávidos pelos recursos que dependendo da aceleração da produção e do consumo desvinculados do lastro dos combustíveis-fósseis - Com uma capacidade energética inesgotável que permite que fábricas, campos e minas automatizadas operando sem parar - não tardarão a escassear. E o mundo de energias limpas caminha agora por uma via iluminada na direção do colapso.

Usinas nucleares serão então obsoletas e todo o lixo nuclear agora estará disponível para que exércitos corporativos, facções fundamentalistas autoritárias de todo tipo possam fazer bombas potentes capazes de arrasar com seus inimigos onde quer que se encontrem. Então será a época dos tanques de guerra, aviões, navios e helicópteros movidos a energia hidro-solar (100% não-poluentes) a se arrastarem pelos quatro cantos do mundo, garantindo que certos grupos de interesse imponham sua agenda cuja prioridade é explorar as poucas reservas de água não contaminada em aquíferos subterrâneos, travando guerras muito semelhantes aquelas que vemos hoje pelo petróleo.

Querem que acreditemos que para o bem deste projeto de mundo tudo o que é necessário é que paremos de poluir e continuemos a trabalhar e a comprar, nada mais. Como se a miséria a que serão levadas populações inteiras pelo capitalismo globalizado e energeticamente limpo não fosse, como hoje o é, responsável por novas ondas poluição relacionadas ao trabalho/consumo em outras partes do mundo. Como se um exército de miseráveis fosse partilhar de sua consciência limpa vivendo na ruína e na sujeira de sua sagrada sociedade de classes.

Temos o dever de desconfiar quando políticos hipócritas como Al Gore vêm até nós (todo vísceras) com algumas "verdades inconvenientes". Quando está claro que a mais inconveniente das verdades continua trancada a sete chaves e escondida do conhecimento do mundo: o capitalismo a longo prazo, com ou sem energias renováveis, só pode nos levar à ruína. Estes futuros limpos e vívidos que nos vendem hoje noticiários e propagandas de tecnologia de ponta, não passam de ficções científicas e de apologia ao progresso capitalista, nada mais são do que ilusões marqueteiras para que permaneçamos dóceis e concordantes, favoráveis ao seu projeto de desenvolvimento e omissos em relação à agenda de predação global.

Eles talvez sejam vívidos por uns poucos herdeiros de nossas elites, enquanto a imensa maioria de nós chafurdará em favelas pestilentas de um mundo de fome - talvez assistam noticiários sobre nós em paredes de tela plana de alta definição no alto de suas torres e em seus condomínios fortificados, enquanto nos matamos bem longe de seus arranha-céus não poluentes - na barbárie de um mundo de capitalismo tardio.

Não podemos desejar um capitalismo mais limpo, já que seria uma contradição lógica - a verdade mais inconveniente é que como um grande monstro mecânico e assimilador que é, o capitalismo jamais será limpo do sangue daqueles que devora por suas muitas bocas cheias de engrenagens. Independente das formas de energia que o alimenta, as esteiras de produção capitalistas exigem uma constância capaz de reivindicar para si tudo aquilo que possamos eventualmente precisar para viver (e muito mais que isso). A criação da escassez é a alma do negócio.

Desejar um futuro em que o capitalismo seja destruído e derrotado é a única solução, talvez as ações movidas por esse desejo se revelem nossa única possibilidade de um futuro digno a médio e longo prazo. Nesse sentido penso que ser protópico não é uma opção, é sim uma necessidade!

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