Chega de Abstrações! Vamos falar da vida real!

De Protopia
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testemunho genuíno de um membro da classe trabalhadora na vida real!

Como é nunca ser tratado como um adulto? Nunca ser livre de regras e regulamentos impostos sobre você "para o seu próprio bem", ter que obedecer e se curvar perante professores, chefes, policiais - porque eles trabalham para mestres que têm mais dinheiro e poder sobre a sua vida do que você jamais espera conseguir? Ter que implorar, tramar e mentir para uma tarde de "folga" para fazer o que você quer, uma única vez? Responder a sinais automáticos, ficar à mercê de máquinas, de relógios, de pessoas com a metade da sua inteligência e personalidade, se vestir em uniformes das mesmas cores como sacos idênticos de batata frita? Ser exigido a repetir frases padrão uma vez após a outra - ser programado como uma máquina?


Você acha que é apenas uma coincidência que a Coca-Cola agora seja vendida em todos os cantos da terra*? Você realmente confia neles para terem todo esse poder e transformar esse planeta em um lugar que você gostaria de morar?


Toda vez que chego em casa e encontro minha caixa de correspondência cheia de panfletos e mala-direta, toda vez que tento jantar silenciosamente com um de meus amantes e somos interrompidos por uma ligação de uma companhia de telemarketing, eu me lembro que vivo em uma sociedade que valoriza mais as vendas do que a privacidade. Toda vez que alguém liga a televisão e uma avalanche de comerciais nos ataca, eu me lembro de quão pouco a verdade e a reflexão silenciosa importam para os vendedores que desejam fazer uma venda. Toda vez que ando na minha bicicleta, eu passo por anúncios publicitários que proclamam o poder e o sex appeal de vários produtos triviais, e eu fico furioso ao imaginar todos bons usos para os quais a publicidade poderia servir. Se pelo menos houvesse um meio para nós decidirmos o que vai ser exposto em nossas ruas, além de criar grafites!


E quando as contas vencem, eu me lembro mais uma vez do que importa nesta época dourada. Eu tenho que pagar o aluguel no início do mês, antes de ficar no apartamento por uma única noite, mas eu não recebo meu salário pelo menos até semanas depois de começar da minha primeira semana de trabalho - porque as pessoas que controlam a propriedade na qual eu vivo, e no local onde eu trabalho, colocaram tudo a seu favor. Desde o começo da semana de trabalho, até o momento em que deposito meu cheque semanas mais tarde, ele pegam um empréstimo sem juros na forma do meu trabalho. E o senhorio também consegue um empréstimo meu quando eu pago um mês antecipado pelos meus alojamentos - sem contar que o governo, que retira impostos do meu salário referentes a um ano inteiro! No meio-tempo, eu tenho que tomar cuidado para não deixar as estufas ligadas por mais tempo do que eu possa pagar, ou comer mais comida do que eu possa pagar, ou falar com meus amigos no telefone mais do que puder pagar... e quando estou tremendo de frio, meu estômago está roncando e me sinto solitário, eu não consigo evitar ficar furioso com o fato que, apesar de existirem tecnologias que permitiriam facilmente que eu ficasse tão quente e bem alimentado quanto possível, eu tenho que pagar por cada migalha - para que uns poucos homens ricos possam arrecadar mais riquezas aos meus custos! Eu trabalho quarenta horas por semana para o sistema que torna todos esses confortos possíveis - eu não mereço deixar as estufas ligadas tanto tempo quanto meu chefe deixa, só porque eu me sujo mais no trabalho? Eu não mereço provar a comida dos restaurantes que ele freqüenta, só porque eu não quero brigar para subir no pódio corporativo?


É muito pior para alguns de meus amigos: eles têm contas de cartão de crédito e empréstimos para pagar. Essas corporações têm controle sobre eles por todas suas vidas: não importa o que eles queiram fazer, seja no mês que vem ou daqui há dez anos, eles estarão à sua mercê. Isso significa que eles têm que ganhar mais umas centenas de reais por mês, e isso significa que ao menos que estejam dispostos a declarar falência, eles nunca estarão livres da compulsão de vender suas vidas. Eu fico enraivecido toda vez que eu recebo outra oferta promocional de cartão de crédito pelo correio, sabendo que esses filhos-da-puta fariam qualquer coisa para me sugar, para me prender na servidão do débito. E eu agonizo toda vez que vejo meus amigos comprando mais coisas, em tentativas vãs de se consolarem: é claro que eles estão desesperados por liberdade e empolgação, levando as vidas que levam, mas eles não vão encontrar isso num aparelho de som ou num carro novo! Gastar seu dinheiro dessa forma apenas os mantém ainda mais acorrentados ao sistema que está sugando suas vidas. Alguns deles passam o ano todo trabalhando, seu corações silenciosos em seus peitos, para economizar dinheiro para algumas semanas e fins-de-semana viajando de carona, esquiando, andando de barco - coisas que antes eram grátis para todos nós, antes das corporações para as quais trabalhamos embrulharem tudo em concreto.


A alienação, desconfiança e exaustão que todos sentimos nesta sociedade multiplicam nossas necessidades, e corremos atrás de produtos (investidos do poder do fetiche que a publicidade lhes concede) esperando que eles possam nos salvar. Mas comprá-los apenas perpetua a nossa angústia. Pois cada vez que você compra algo neste sistema, você compra todo o sistema: você está dando seu dinheiro para que as corporações reforcem seu poder, e para conseguir esse dinheiro, você tem que dar o seu trabalho a eles também. Isso é mais mão-de-obra para eles manterem os negócios funcionando, e menos liberdade para você resistir!


Eu decidi sair disso de qualquer forma possível. Eu vou parar de trabalhar para eles, parar de pagar por seus produtos, parar de acreditar em todos os mitos sobre ter a casa perfeita e o carro perfeito e "ficar na frente" na (corretamente chamada) "força de trabalho". Eu vou criar a vida que eu quero para mim mesmo, na qual eu possa encontrar alegria, ou morrer tentando. Mas mesmo que eu consiga escapar, como vou viver a vida que eu quero se todas as pessoas com quem me importo, todas pessoas à minha volta e o mundo no qual eu vivo, ainda estão sob o controle deste sistema? Será igualmente solitário ser livre se todos os outros estão trancados dentro de escolas, escritórios e fábricas, seguindo ordens. Se eu realmente quero sair daqui, preciso descobrir uma maneira de levar os outros comigo. Eu ando pela rua, olhando a fuligem sendo jogada no céu por chaminés, e eu agonizo por um mundo que cabe a nós decidir se continuará a gerar fumaça.


E onde estão os jardins para nosso lazer que poderiam ter sido construídos com todo esse trabalho, ou os bosques para vagarmos, os rios para nos dar de beber, os lagos para nadar? E a propósito, onde estão os mico-leões e as araras para admirarmos, ou as estrelas no céu poluído com fumaça e luz? Na minha imaginação, eu viajo por lindas terras selvagens, encontrando pessoas que tem hábitos e modos de vida únicos, que nunca ouviram falar de Pepsi, que nunca desperdiçam um único dia fazendo algo que não queiram. Juntos nós elaboramos planos malucos de como extrair o máximo de prazer da vida, como expremer até a última gota... e nós juntamos todos nossos desejos e fantasias juntos em uma grande bola, com a qual destruíremos os portões que levam ao próprio paraíso.


  • - Na época em que este texto foi escrito, em algumas nações da América Latina a Coca-Cola é responsável pelas vendas de mais de 60% de todos os tipos de bebidas. De acordo com seu relatório de cinco anos, o seu próximo objetivo é tornar máquinas de Coca-Cola mais comuns que fontes d'água. Será que eles não se dão conta de que são apenas uma empresa de refrigerantes? Mais de 90% do corpo humano é água... qual a porcentagem do seu corpo que você comprou da Coca-Cola? E de outras corporações? Dizem que você é o que come...