Como o cérebro produz o tempo

De Protopia
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Lamed

Quando você olha pela janela, o que você vê não é o mundo real, mas uma imagem gerada pelo seu cérebro a partir de sinais enviados pelos órgãos dos sentidos. Essa imagem, no entanto, não reflete fielmente a realidade, como se fosse uma fotografia. Ela é antes uma recriação ou reconstrução que o cérebro faz, a partir de certos pressupostos implícitos que ele tem a respeito de como o mundo deve ser. Como se processa essa reconstrução? Antes de mais nada, o cérebro produz o espaço, ou melhor, a espacialidade, e o tempo, ou antes, a temporalidade, que funcionam como uma estrutura de referência dentro da qual ele poderá situar o que Freud chamava de Dingsvorstellung, as representações dos objetos. Note, porém, que, embora o que existe no mundo exterior seja um contínuo quadridimensional no qual o espaço e o tempo encontram-se unidos, a espacialidade e a temporalidade são geradas como dois conjuntos de sensações absolutamente separados, que nem sequer provêm da mesma área do cérebro. A espacialidade é produzida pelo hemisfério direito, enquanto a temporalidade surge do hemisfério esquerdo do cérebro. Há ainda uma segunda diferença importante: de acordo com a formulação matemática de Hermann Minkowski, no contínuo, tanto o espaço quanto o tempo são estáticos, enquanto que nossa temporalidade é organizada de forma seqüencial ou linear. Por que isso acontece?


Para construir o formalismo matemático da teoria da relatividade, o principal instrumento utilizado por Einstein foi um conjunto de equações conhecido como transformações de Lorentz, a partir do nome de seu criador, o matemático holandês Hendrik Atoon Lorentz. O que as transformações de Lorentz fazem é converter o sistema de coordenadas da geometria euclidiana, composto apenas de três dimensões espaciais, para um sistema de coordenadas de quatro dimensões, no qual o papel da quarta dimensão é desempenhado pelo tempo. Quando você olha pela janela do seu quarto, por sua vez, seu cérebro executa uma operação inversa, convertendo um contínuo de quatro dimensões para um sistema de coordenadas tridimensional. A dimensão que se perde é a do tempo. Para suprir essa lacuna, o cérebro simula a dimensão temporal através da sensação de temporalidade que, conforme demonstram os estudos das neurociências e da cronobiologia, é baseado nos ritmos corporais, sobretudo os batimentos cardíacos. Uma vez que esses ritmos são de natureza seqüencial, a sensação de tempo criada a partir delas adquire uma natureza linear que não corresponde em nada ao caráter essencialmente estático do tempo no contínuo.

A questão é: por que o cérebro precisa efetuar toda essa ginástica? Uma vez que a seleção natural de Darwin pressupõe uma crescente adaptação entre o organismo e seu meio-ambiente, considerando que o mundo no qual nosso cérebro foi criado e se desenvolveu é um mundo de quatro dimensões, por que não podemos perceber diretamente esse contínuo e, em vez disso, somos obrigados a criar um simulacro do espaço e do tempo que, especialmente no que se refere ao tempo, guarda pouca ou nenhuma semelhança com seus supostos correspondentes reais? O que levanta uma segunda questão, que deve ser cuidadosamente examinada: e se nosso cérebro puder perceber diretamente o contínuo, mas estiver impedido de fazer isso por uma série de fatores que ainda seria preciso determinar? Nesse caso, poderíamos imaginar algum método, técnica ou artifício que permitisse desbloquear essa capacidade e nos permitir contemplar diretamente a realidade, com todas as suas características quadridimensionais? Os místicos de todas as plagas e latitudes alegam que sim.



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