Deixando o Século XXI
Quando nossos ancestrais, pela primeira vez, cortaram as florestas que os abrigavam desde tempos imemoriais para construir cercas, eles lançaram as fundações para o mundo em que vivemos hoje. Em lugar de presentes e de compartilhamento, nos tempos competição e escassez imposta ― corporações projetam e fabricam mais e mais produtos de forma que ainda exista alguma coisa escassa pela qual lutar enquanto nossos lixões transbordam com excedentes. No lugar da fé de que a natureza irá nos sustentar, nós temos as defesas que a ciência nos dá enquanto ela transforma nossos últimos recursos naturais em máquinas de guerra e lixo tóxico. No lugar das alegrias de vagar por paisagens novas e em constante mudança, temos cidades estéreis como parques temáticos corporativos ligados por rotas de turismo e de transporte urbano ― enquanto os últimos aspectos da existência são reduzidos a código binário para uma realidade virtual.
Talvez este mundo nunca será livre de infelicidades ― as pessoas sempre morrerão antes de estarem prontas, assim como fantásticos casos amorosos terminarão em ruínas, aventuras serão interrompidas por catástrofes e momentos mágicos serão esquecidos. Mas o que é mais triste é o modo como fugimos destas verdades inevitáveis para encontrar coisas ainda mais horríveis. Pode ser verdade que nós estamos fundamentalmente sozinhos, que a vida é caprichosa e cruel ― mas não precisa ser verdade que umas pessoas passam fome enquanto outras destroem comida ou compram mansões. Homens e mulheres não precisam ser forçados a jogar fora suas vidas trabalhando para servir à ambição vazia de uns poucos homens ricos apenas para sobreviver; não precisamos deixar tradições e doutrinas inúteis nos guiar para vazios desconcertantes. Não precisamos ter medo de dizer uns aos outros o que realmente queremos, de nos abrirmos honestamente, de usar nossos talentos e capacidades para tornar a vida mais tolerável ― e mais bonita. Essas são tragédias desnecessárias, tragédias estúpidas, patéticas e sem sentido. Não é nem mesmo utópico exigirmos um fim para farsas como estas.
Nosso medo de fracassar nos impede de acreditar que podemos superar esses absurdos. Mas o medo, depois que é reconhecido pelo que realmente é, pode servir para outro propósito: se nós praticarmos fazer o que mais tememos, nossos medos podem ser guias mais confiáveis do que qualquer bússola para nos levar além das fronteiras desnecessárias que construímos ao nosso redor e para nos levar a novos mundos.
Vamos ser corajosos o suficiente para segui-los para fora desta escuridão, para reconhecer e encarar as tragédias inescapáveis de nossas vidas e acabar com as outras sem hesitação ou dúvida. Será que pode ser verdade que as antigas florestas cheias de recompensas ainda nos esperam em algum lugar além dos limites desta granja industrial que chamamos de civilização, e tudo que precisamos fazer para ser livres é largarmos nossas ansiedades e ferramentas de controle e partir?
...Arrombando e Entrando em um Novo Mundo