Divididos e Conquistados

De Protopia
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Espere Resistência
CrimethInc


Costumava-se dizer que o capitalismo reduzia o trabalhador industrial a um mero apêndice de carne de uma máquina de ferro. Hoje, esta descrição pode ser generalizada: cada um de nós é apenas um apêndice de carne na grande máquina que é a nossa sociedade, pois nossas comunidades e vidas estão divididas em setores isolados a tal ponto que a totalidade que eles formam parece inteiramente fora do nosso controle. Se quisermos mudar toda a vida, devemos de alguma forma nos tornarmos inteiros.


Separação: A Desintegração do Indivíduo


A atividade diária do homem moderno é atomizada como as cidades que a circunda. Ele vivencia a existência como um conflito contínuo entre seus feitos, romance, responsabilidade, saúde, relaxamento e lazer porque todas essas buscas parecem ser mutuamente exclusivas. Ele gostaria de passar mais tempo com sua esposa, mas se ele não ficar no escritório por mais uma hora ele não vai conseguir progredir em sua carreira, e depois ele ainda tem que ir à academia para diminuir os efeitos do almoço... e têm aquelas malditas férias para planejar, sem mencionar as notícias do mundo para se inteirar, antes que ele possa até mesmo pensar em romance. Ele baixa música da internet, mas nunca tem tempo para ouví-la; ele gostaria de se envolver em algum tipo de trabalho voluntário, mas não sabe onde isso encaixaria na sua agenda. Já é difícil o suficiente acompanhar o seu programa de rádio favorito, e mesmo isso já não lhe dá alívio da tensão de sua vida ocupada. Significado, é claro, está ausente em todo lugar quando a vida está tão desconexa; como nenhuma de duas atividades o envolve completamente, ele não consegue encontrar satisfação duradoura em nenhuma delas.


Compare isto com a vida integrada e holística do caçador-coletor. Para ele, não há diferença entre trabalhar e brincar, entre cuidar de suas necessidades práticas, se divertir e passar tempo com seus filhos, amigos e amantes. Ele se move por um mundo, retirando seu sustento, sua forma física e companhia das mesmas atividades, tecendo uma vida diária que é tão desafiadora quanto familiar: é aventura, sustento e cerimônia religiosa numa coisa só.


Talvez você tenha vivenciado este tipo de vida antes em uma tarefa que incorporava todos aspectos do seu ser em um equilíbrio perfeito. Se não podemos reintegrar nossas vidas, vamos desperdiçá-las tentando fazer escolhas impossíveis entre peças igualmente indispensáveis do nosso ser. Da mesma forma, se quisermos fazer mudanças sociais revolucionárias, temos que descobrir maneiras de se viver que sejam revolucionárias por sua própria natureza; pois ativismo, conservacionismo ambiental ou responsabilidade ambiental como domínios separados da vida ― como hobbies, ou mesmo como empregos ― nunca poderão superar o efeito do resto de nossas vidas.


Especialização: A Divisão do Trabalho


Assim como nossas vidas individuais são fragmentadas pela compartimentalização, a nossa sociedade está fragmentada por cada vez mais especialização, e toda esfera da vida vai sendo deixada ao cuidado de "experts". Toda profissão é dividida e subdividida: de cientista a químico, de químico a bioquímico, de bioquímico a neurobiólogo farmacêutico até que ninguém exceto um punhado de autoridades possa entender as questões, para não falar das respostas. Nesse ponto, a própria divisão do conhecimento se torna autoritária, pois ela dá a pequenos grupos de pessoas grande poder sobre outros que são incapazes de participar informados dos assuntos nas decisões que afetam suas vidas.


Tornar-se um especialista é um processo auto-eletivo: somente aqueles dispostos a se concentrar em um assunto, excluindo todos os outros, será bom nisso. Assim, engenheiros e programadores de computador estão dispostos a criar armas de destruição em massa e decifrar os códigos de grupos "subversivos" para o governo, pois eles nunca tiveram tempo de refletir seriamente sobre os efeitos dos seus esforços ― eles simplesmente fazem o que aprenderam para quem lhe der a oportunidade e o salário para fazê-lo. Um expert que faz bem o seu trabalho sem jamais refletir sobre como o seu trabalho afeta o todo social é potencialmente muito perigoso; sem tais homens, não haveriam armas nucleares. Ao mesmo tempo, sem uma análise do seu papel na sociedade, cada um desses especialistas vive a sociedade como uma força externa agindo sobre ele sem a sua participação, mesmo sendo ela formada por pessoas como ele.


A especialização desencoraja todos nós de sermos indivíduos bem versados. O entretenimento é deixado para os diretores de cinema, a manutenção de carros para mecânicos, as mudanças sociais para políticos profissionais ou ativistas amadores. Quanto mais complicadas se tornam as tecnologias, mais obscura fica a linguagem utilizada por aqueles que detém o conhecimento, e menos pessoas são capazes de exercer algum controle sobre os nossos ambientes. "Chame o técnico", nós falamos, intimidados à ignorância e à impotência. Muitos questionam a autoridade no sentido político, mas poucos estão preparados para questionar as autoridades em assuntos técnicos.


Como exemplo dos efeitos empobrecedores da especialização, reflita sobre quantas vezes adultos que não são reconhecidos como "artistas" partilham as alegrias da criação estética. O que importa em uma pintura não pode ser capturado ao comprá-la em uma galeria e pendurá-la na parede; o que importa está no momento em que a pintura é concebida, quando o artista está comparando rascunhos com seus colegas tarde da noite, discutindo sobre narrativa e forma, e tem uma empolgante inspiração repentina. Isto é algo em que todos podemos participar, cada qual com seus talentos únicos; mas ao final do ensino fundamental, todos exceto uns poucos aprenderam que não podemos pintar, cantar, dançar. O mito da inspiração divina dos artistas e das credenciais de experts dos críticos de arte que os deificam ― assim como o gênio dos cientistas e o conhecimento arcano dos chaveiros ― nos enganaram levando-nos a negar a nós mesmos alguns dos presentes mais doces que a vida tem a oferecer.


Segregação: A Sub-Divisão das Comunidades


Qualquer estudante sabe que a segregação racial não acabou com a Lei Áurea, ou quando começaram a levar estudantes dos guetos para salas de detenção em escolas predominantente brancas nos E.U.A. Classes e raças ainda vivem divididas, separadas pelos muros de condomínios fechados, pelas janelas de restaurantes e automóveis, e barreiras invisíveis mil vezes mais difíceis de atravessar. Isto não é um remanescente de tempos já idos, mas uma parte essencial da ordem mundial capitalista, assim como os muros que separam o México dos Estados Unidos e a Palestina de Israel; as fronteiras são abertas para os produtos e fechadas para corpos humanos, exceto quando esses próprios corpos são produtos valiosos ― turistas, por exemplo. Com estas barreiras posicionadas, as comunidades não podem aprender umas com as outras, não podem trocar recursos ou se misturar. Na melhor das hipóteses, elas se encontram no mercado e na grande mídia ― crianças brancas compram discos de hip hop e acham que sabem sobre a vida na periferia.


Mas esse apartheid sutil vai além: onde quer que hajam muros entre comunidades, existem inevitavelmente muros entre os indivíduos dentro de cada comunidade e muros dentro dos indivíduos também. "Cada um por si" significa "...contra si", enquanto ele tiver que renunciar todas as partes de si que residem em outras pessoas; se realmente estivéssemos "por nós mesmos" iríamos demolir toda barreira que nos separa, pois relações saudáveis com outros são a mais preciosa forma de riqueza. As tão faladas cercas brancas dos subúrbios norte-americanos, agora superdesenvolvidos em concreto e arame farpado, indicam um ímpeto patológico de privar a si mesmo de todos os nutrientes que esperam no mundo exterior.


Separadas no espaço, socialmente e psicologicamente, incapazes de se reconhecerem nos outros, as pessoas raramente buscam uma causa em comum. Pelo contrário, cada grupo tende a culpar os outros pelos seus problemas: a biblioteca conseguiria os fundos necessários se não fosse pelo departamento de lingüística, a comunidade afro norte americana seria capaz de se recompor se não fosse pelos mercadores coreanos a sugando. Mesmos ativistas políticos, ao atacarem problemas isolados ao invés de se dirigirem às raízes dos problemas modernos, acabam competindo com outros ativistas: Será que o congresso irá priorizar a legislação de proteção das florestas nesta sessão, ou se focar no direito ao aborto? O sujeito revolucionário da história é o proletariado ou os povos oprimidos do Terceiro Mundo? Tais quadros e campanhas isolados e mutualmente exclusivos só podem manter as bases de nossa impotência; precisamos transformar nossa sociedade doentia, não tratar os sintomas um a um.


Vamos Acabar com a Segregação! Vamos Reintegrar Nossas Vidas!


Enquanto você lê isto, em algum lugar do mundo há um circo alternativo ou uma banda de punk rock em turnê. Inconscientemente, eles carregam consigo as sementes de uma estrutura social muito antiga. Responsabilidades são compartilhadas e valorizadas igualmente dentro do grupo, e sempre que alguém quer uma folga de algo ou está curioso para aprender algo diferente, ele troca de papéis com outra pessoa. A participação de nenhum membro é mais ou menos importante que a de qualquer outro, quais quer que sejam suas habilidades individuais, pois a cooperação e o contentamento de cada um é crucial para o funcionamento do grupo. As atividades diárias de cada um dos membros satisfaz vários dos seus desejos: ele se sente em casa com seu amigos enquanto viaja através de novos ambientes, ele faz arte que ao mesmo tempo entretém e educa, ele faz exercícios carregando e descarregando equipamentos, ele aprende novas coisas consertando o furgão e interagindo com a população local, ele tem aventuras arranjando comida e outros suprimentos através da caçando e coletando de forma que não entre em conflito com sua ética anti-consumismo. E o melhor de tudo, ele não precisa mais distinguir entre suas próprias necessidades e as das pessoas ao seu redor, e isto elimina a maior parte do estresse de interagir com os outros. Juntos todos os participantes funcionam como uma família estendida, a tal ponto que com o tempo eles são capazes de perder alguns membros e ganhar outros sem perder os seus costumes e intimidade.


E isto vaza para as suas interações com aqueles de fora do clã. Se não existem hierarquias ou divisões rígidas dentro de um grupo, não precisam haver fronteiras artificiais entre esse grupo e outros. Eles podem se mover através de uma variedade de círculos sociais e culturais, dar e receber livremente, limitados somente pela sua própria sociabilidade.


Sim, teríamos de reduzir e retrabalhar toda nossa civilização para seguir a deixa desta alegre e feliz banda, mas pelos últimos séculos temos lutado com as dificuldades de não viver em tais comunidades ― e não obtivemos muito sucesso. Se nós vamos lutar de qualquer forma, poderia bem ser por uma utopia na qual nossas vidas possam abranger tudo que o cosmos tem a oferecer.




Divórcios


Produção : Consumo
Arte : Vida
Trabalho : Jogo
Amantes : Amigos
Intimidade : Sexualidade
Fazendas : Supermercados
Gerência : Trabalho
Teoria : Ação
Rico : Pobre
Jovem : Adulto
Branco : Colorido
Homens : Mulheres
Entretenimento : Educação
Exercício : Relaxamento
Palavras : Feitos
Tecnologia : Natureza
Auto-interesse : Generosidade
Poesia : Resistência
Locais de trabalho : Apartamentos
Negócios : Prazer