Entrevista com Saul Newman pela Siyahi Interlocal
por Sureyyya Evren, Kursad Kiziltug e Erden Kosova - 12/04/2005
((carece de revisão))
- 1. Como seu interesse em combinar pós-estruturalismo e anarquismo se desenvolveu? E quais foram as principais influências, pós-marxismo, Ernesto Laclau, Hakim Bey, Todd May ou outros trabalhos?
Basicamente eu era anarquista antes de me interessar pelo pós-estruturalismo. Vim de tradições Marxistas e Trotskyistas e, depois de me tornar desencantado com seus latentes autoritarismos - sua fundamental inabilidade de endereçar os problemas do poder do Estado - me tornei interessado em anarquismo, primeiramente como uma crítica ao marxismo. Um pouco depois comecei a me interessar pela teoria pós-estruturalista - particularmente Foucault e sua crítica do poder. A análise de Foucault das minúcias do poder - as múltiplas e ocultas dominações que passam por debaixo do edifício da democracia e da soberania estatal, com instituições como a prisão e os hospícios, e em discursos de saber que nós usualmente consideramos como politicamente neutros e inócuos - parecia ser incrivelmente relevante para a luta política e social contemporânea. Claro que também havia forte ética política anti-autoritária implícita lá, uma que extendia a crítica anarquista clássica da autoridade para outros planos de dominação, e, ao mesmo tempo, tornou-se a base epistemológica dessa crítica problemática rejeitando suas assumpções sobre a natureza humana e racionalidade. Então enquanto a ética-política de Foucault tem sido descrita como "libertária" ou "anarquista", ela é claramente um anarquismo de um tipo diferente, um que é despojado de suas fundações ontológicas no humanismo e Iluminismo.
Parecida, depois, que havia um certo diálogo - ou potencial diálogo - não mencionado, entre anarquismo e teoria pós-estruturalista, e que um tinha implicação sobre outro. E então parecia lógico tentar lê-los em conjunto - ver se era possível repensar o anarquismo sob uma nova luz, ver se poderia ser revitalizado e tornado mais relevante para a política radical atual. Na verdade, quando comecei pesquisando esse tópico para o meu doutorado surpreendeu-me que não havia quase nada escrito sobre isso tirando o livro germinal de Todd May, que foi uma grande influência. May deu uma abordagem teórica um pouco diferente da minha, mas nós dois detectamos significantes pontos de interseção entre o pensamento anarquista clássico e a teoria pós-estrutural contemporânea - particularmente em sua ênfase na política anti-autoriária e anti-representativa. Onde me afasto de May é em meu deslocamento da "política da diferença" pós-moderna pura para um foco mais lacaniano sobre o Real como aquele que se desloca, e ao mesmo tempo, constitui o sujeito na falta dele/dela. E aqui Laclau e o projeto pós-marxista de Mouffe foram importantes referência para mim. Parece que houve um paralelo entre a leitura pós-estruturalista de Laclau sobre o Marxismo(via Lacan, Derrida, Wittgenstein, e é claro Gramsci) e minha reconfiguração pós-estruturalista do anarquismo clássico. Os dois projetos atacam os conceitos essencialistas e as narrativas dialéticas que foram o coração desses discursos, e enfatizam numa anti-autoritária, anti-institucional e política democrática radical. Existe também, é claro, outras influências - Zizek, Agamben, Badiou, para outro âmbito, e Claude Lefort, entre outros.
- 2. Max Stirner é uma figura chave em seus trabalhos. E você encontrou um paralelo entre Stirner e pensadores pós-estruturalistas como Deleuze e Guattari, Foucault e Derrida. Você vê relação genealógica entre eles também?
Se por "genealógica" você quer dizer que Stirner tem direta influência sobre esses pensadores, isto é improvável. O ponto de partida deles é geralmente Nietzsche, embora Deleuze em seus trabalho sobre Nietzsche faça uma extensa referência a Stirner, que ele vê como uma figura extremamente importante no pensamento pós-hegeliano e como um tipo de precursor para Nietzsche. De acordo com Deleuze, a questão central de Stirner é "que fala?" - em outras palavras, que interesses e perspectivas particulares, e que mecanismos de dominação, repousam por trás da idéia universal de Homem? Em outras palavras, o valor de Stirner foi em expor essas idéias como ideológicas - como dissimulando uma posição particular do poder. Então nesse sentido de expor o ponto de vista particular por trás do universal, e a dominação que isso implica, Stirner pode ser visto por realizar uma operação genealógica similar a de Nietzsche - rompendo com as grandes narrativas do Iluminismo, e desmascarando violentos antagonismos e descontinuidades que estão escondidas por trás disso. Apesar disso, Stirner tem sido muito esquecido pela escola contemporânea - ou é na melhor das hipóteses considerado como uma pobre conexão a Nietzsche.
Então eu vejo Stirner como uma figura germinal na trajetória teórica pós-estruturalista, tão importante quanto Nietzsche. Em sua crítica a Feuerbach e Hegel, Stirner introduziu algumas "quebras epistemológicas" no Iluminismo e humanismo. Ele mostra que a idéias de Homem é simplesmente Deus reinventado - logo que pensávamos termos ultrapassado a ilusão cristã, re-introduzimos ela em forma de humanismo. Então para Stirner, o Homem é uma construção ideológica ou "espectro", algo que não tem real existência e ainda que continua a assombrar o indivíduo, forçando sobre ele uma norma ideal de que ele não pode viver de acordo com. A rejeição de Stirner da idéia de essência - como identidade fixada ou subestância que espreita abaixo da superfície do sujeito - foi radical, e tem uma clara ressonância com as abordagens pós-estruturalistas de mais tarde. Sua ênfase no fluxo e reinvenção do único, depois tornaram-se todas temas pós-estruturalistas e pós-modernas centrais. Então, embora pensadores pós-estruturalistas tem sido largamente silenciosos sobre Stirner, eu vejo ele como um tipo de conexão perdida ou "mediador desaparecido" - usando a terminologia de Zizek. Ele facilitou a transição do moderno ao pós-moderno, do humanismo ao pós-humanismo, e ainda - como um de seus espectros e fantasmas - desaparece depois que seu trabalho é feito.
- 3. Sob a luz do pensamento pós-estruturalista, a docotomia entre indivíduo e sociedade pode ser vistas como um tipo binário de oposição que pertence ao pensamento modernista. Se isso é verdade, a divisão (cisão) do anarquismo individualista e social anarquismo ainda é singnificante? Nesse contexto, o que você gostaria de dizer sobre o rótulo sobre Stirner marcando-o como "o fundador do anarquismo individualista"?
Sim eu concordaria que essa dicotomia essencial entre indivíduo e sociedade não pode mais ser sustentada sob a luz do pós-estruturalismo. Por exemplo, Foucault mostra o caminho que nossa experiência de individualidade é construída externamente através de discursos e relações de poder; Deleuze e Guattari viram o sujeito como sendo implicado em redes de desejo, e realmente parte da "maquinaria" do social, etc. Apesar disso, no entanto, eu ainda quero insistir em um tipo de distinção ideológica entre individualismo e social anarquismo. A razão para isso é que enquanto, para social anarquistas, a noção de liberdade individual é tão importante quanto a de dimensão igualitária e coletiva, para anarquistas individualistas, o conceito de identidade coletiva ou social mais ampla é completamente ausente. E é por isso que o anarquismo individualista tem sido adotado por libertarianistas e anarco-capitalistas ("o indivíduo é tudo, a sociedade é nada"). Isso não quer dizer, é claro, que não podemos nos beneficiar dos insights de certo anarquista individualista e tradições libertarianistas - como sabe, vejo o pensamento de Stirner como sendo de enorme benefício para o anarquismo de Esquerda. Mais ainda, enquato certamente colocaria Stirner na categoria de anarquista individualista, ele claramente não tem nada em comum com a perspectiva contemporânea anarco-capitalista. Ele via o dinheiro como fetiche que escravizava o indivíduo, e relações de propriedade como empobrecedores e marginalizadores de todos os setores da sociedade. Não havia nada de libertador, para Stirner, acerca da propriedade privada. Então nós temos que ter um pouco de cuidado aqui. Mas o problema com o constante individualismo radical de Stirner é que não deixa espaço para nenhuma tipo de dimensão política coletiva - além de uma muito vaga idéia de "associação de egoístas". Essa dimensão universal, coletiva é crucial para a política radical de Esquerda. Como matéria de fato, estou trabalhando em um livro novo que com esperança deve ser lançado no próximo ano que considera a possibilidade de uma dimensão política radical universal dentro de uma teoria pós-estruturalista própria. Sem essa dimensão não há emancipação, além de um tipo de niilismo individualista. Então é por isso que o social anarquismo - que vê a liberdade individual e autonomia apenas como sendo possível em uma sociedade igualitária - é muito mais relevante e produtivo.
Ao mesmo tempo, entretanto, nós temos que questionar essa idéia de "sociedade" que os social anarquistas tem tradicionalmente fundamentado. 'Sociedade' não pode mais ser visto como uma orgânica plenituda que contem uma imanecente racionalidade e sociabilidade - como Kropotkin, e também Bookchin imaginam. Em vez, como Laclau e Mouffe afirman, sociedade não é um objeto de discurso válido. Em outras palavras, tem de ser vista como um campo discursivo antagônico que abre, estruturalmente incompleta, e que não é baseada em qualquer essência racional ou princípio unificante. É um campo aberto de diferenças que podem dar origem a múltiplas e imprescindíveis formações políticas.
- 4. Você acha possível combiar o pensamento de Stirner com política radical? Pode-se criar algumas conexões com os atuais ativistas libertários?
Apesar das limitações discutidas acima, vejo Stirner como tendo muito a contribuir à política radical contemporânea em geral. Embora Stirner estivesse escrevendo no século XIX, suas análises do caminho que o poder e a ideologia operavam é surpreendentemente relevante hoje. Em um estilo similar a Foucault, ele mostra o caminho que o indivíduo é sujeitado a uma série de normas - de comportamento racional, higiene moral, etc. - que este é forçado a se conformar, e que, mais ainda, amarra-o ao Estado e instituições políticas. A resistência a essa sujeitação, aliás, não pode tomar a forma tradicional de revolução, porque isso só reinventa a dominação de uma forma diferente. Antes, Stirner chama por uma "insurreição" que envolve o indivíduo rejeitando sua identidade normalizada, assim desenredando a si mesmo da ordem do Estado. Nós vemos essa obsessão com a norma mais ainda nos dias de hoje, particularmente no Ocidente, onde nós somos encantados com questões sobre como deveriamos nos comportar (conforme direcionado pelos "comitês éticos"), como deveríamos contemplar, como deveríamos apreciar a nós mesmos, como deveríamos nos sentir. Nós vivemos no que poderia ser chamado de "bio-cultura" onde transgressões das normas são vistas como tendo causas biológicas e são tratadas medicamente - drogas para depressão, ansiedade, super-atividade, mau desempenho. Essa é uma cultura do super-ego que não mais nos proibe de aproveitar, não diz mais "Não" (como no sentido freudiano de proibição edipiana) mas agora diz "Sim!" ("você pode e você deve!"): existe uma prescrição para divertir-se, ser feliz, consumir, lutar por uma "vida boa", econtrar realização, experienciar completo gozo sexual, etc. Isso é meramente uma normalização de um tipo diferente - mas é tão dominadora, prescritiva e viciosa quanto os códigos morais de séculos anteriores. Foucault dizia que cada vez mais o poder opera através da norma e não da lei, e isto foi precisamente um fenômeno cujo surgimento Stirner detectou no século XIX. Então o valor da análise de Stirner hoje é em continar a mostrar a nós as múltiplas maneiras em que participamos da nossa própria dominação por constantemente nos esforçar a viver dentro normas sociais prescritas.
- 5. Em alguns de seus mais polêmicos escritos políticos nós sentimos que os dois, Bookchin e Zerzan parecem evitar que o pensamento pós-estruturalista seja incorporado ao anarquismo. O que você gostaria de dizer sobre a abordagem deles à reflexão pós-estruturalista?
Bookchin e Zerzan atacam o pós-estruturalismo de diferentes ângulos e para diferentes propósitos, mas seu argumento central é que o pós-estruturalismo - já que questiona a autonomia do sujeito, e o potencioal libertador da racionalidade Iluminista - implica em um tipo de niilismo irracionalista que, dizem eles, torna incapaz de se ser política e eticamente engajado e que ultimamente tem conservado complicações. Ao invés, eles querem segurar-se ao legado do Iluminismo e à uma essência normativa que é encontrada ou na natureza (pelo privitivismo de Zerzan) ou em uma iminente racionalidade social que é dialeticamente elevada (pelo social anarquismo de Boockchin). O que eles dizem sobre o pós-estruturalismo não é nada de novo - sua crítica tem sido feita uma vez e outra por todos do marxismo, da Teoria Crítica, e filósofos políticos normativos.
Minha resposta ao que eles dizem seria em parte de acordo com sua crítica ao pós-modernismo - que pode ser visto como expoente cultural do capitalismo globalizado. No entanto, eu insistiria aqui em uma distinção entre pós-modernismo e pós-estruturalismo. O molde é uma condição cultura geral que tem implicações para tudo, do pop-art ao design arquitetônico de shoppings, e em si mesmo, não é subversivo - na verdade, seus temas de diferença, fluxo, superficialidade, realidade virtual, cibernética, e assim por diante, parecem refletir a dinâmica do capitalismo atual, cujas estruturas tem sido pós-modernizadas. O pós-estruturalismo, por outro lado, enquanto desenha sobre certos aspectos da condição pós-moderna, é ao mesmo tempo muito mais rigoroso teoricamente, e política e eticamente engajado. A análise das redes de poder/discurso/saber que nos rodeiam tem claras implicações políticas e éticas, e o fato de que não há sujeito autônomo, essencial que de alguma forma magicamente está fora desas redes não significa que devemos simplesmente desistir da resistência, mas que de preferência devemos encontrar diferentes maneiras enfrentá-los. Em segundo, Bookchin e Zerzan tendem a ter uma simplista preferência lendo a crítica pós-estruturalista do Iluminismo, que é muito mais variada e sofisticada do que a que eles aprovam. Foucault, por exemplo, em seus últimos escritos sobre Kant, na medida que rejeitava o Iluminismo, efetivamente via-o como contendo um potencial crítico e emancipativo que ainda é relevante hoje. Derrida tem realmente clamado por uma defesa da Declaração dos Direitos Humanos, reinvidicando que pode continuar a comunicar lutas políticas radicais. O pós-estruturalismo não rejeita o Iluminismo sem moderação. Ao invés, busca revigorá-lo ao lê-lo contra si mesmo. Por exemplo, Foucault acreditava que a razão não poderia ser usada contra o discurso de racionalidade em favor de desmascarar suas aporias, limites e contradições. Em terceito, eu poderia argumentar que nós não podemos simplesmente "dar as costas ao relógio", como Bookchin e Zerzan tentam fazer, e ignorar as implicações da teoria pós-estruturalista. Nem deveríamos simplesmente abraçar um niilismo pós-moderno. Temos de encontrar uma espécie de meio termo, e sermos capazes de pensar e praticar política radical sem confiar em conceitos essencialistas. Por exemplo, a idéia de haver algum tipo de essência racional na base da sociedade, ou que o sujeito é independente das estruturas linguísticas que configuram seu mundo, não são mais sustentáveus - e temos que trabalhar dentro desses limites epistemológicos.
- 6. Todd May diz que tenta resistir a sua orientação lacaniana. E levanta dúvidas sobre a possibilidade de mover o sujeito individual lacaniano a uma ação coletiva. O que você pensa sobre essa crítica?
Aqui eu discordo da avaliação de May da teoria psicoanalítica lacaniana. Mesmo para Freud, psicoanálise é muito mais do que apenas uma psicologia inidividual. Porque é tudo sobre como um se relaciona com outros perto dele, primeiro com membros familiares, mas depois com outros da sociedade, isso é uma "psicologia social". Então, para Freud, a psicoanálise foi imanentemente situada ao campo político e social, e podia ser usada para explicar interações sociais complexas, dinamismos e fenômenos. Dez anos antes da ascenção de Hitler e dos nazistas, Freud em seu grupo Psicologia e a Análise do Ego, previa a emergência de uma nova formação política baseada na ligação libidinosa do grupo à figura do líder. Lacan extendeu as implicações do incosciente freudiano, vendo-o como inteiramente externo e social, ao invés de interno e individual. O inconsciente foi "estruturado como uma linguagem", de acordo com Lacan, e as estruturas da linguagem - as relações entre significantes - são externas ao sujeito. Então meu ponto é que o próprio domínio da psicoanálise lacaniana é a dimensão inter-subjetiva da linguagem, mais que estritamente psique individual. A subjetividade é para ser entendida, então, como um ponto de intersecção entre o indivíduo e as estruturas socias externas. Se nós entendermos esse ponto crucial, podemos ver que a teoria psicoanalítica de Lacan não pode apenas ser usada para entender, por exemplo, mecanismos ideológicos e seus efeitos sobre o sujeito, mas também para intervir no campo político-social explicando a estrutura dinâmica da luta política radical. Então há uma dimensão coletiva, ou pelo menos inter-subjetiva, na psicoanálise, e é isso que torna-a importante para a teoria política radical.
- 7. Outra crítica do seu livro diz que você reduz bastante as implicações do corpo do anarquismo em geral. Junto a isso, nós gostaríamos de perguntar, qual seria sua re-leitura pós-anarquista de práticas libertárias como a Revolução Espanhola?
It’s true that my account of anarchism is by no means comprehensive, e foca amplamente em pensadores como Bakunin, Kropotkin e Stirner, eu tenho negligenciado muitos aspectos dessa rica e diversa tradição Mas meu livro não pretendia ser uma enciclopédia do pensamento anarquista, ou relato histórico dos movimentos anarquistas. Eu estava tentando explorar uma certa lógica política no coração da teoria anarquista clássica e mostrar como ela se dirige à certas limitações conceituais, que eu tentei chamar a atenção através do pós-estruturalismo. Tenho que confessar que não sou realmente um especialista na história das milícias e coletivos anarquistas durante a Guerra Civil Espanhola. Por todas as narrativas uma muito significante e profunda revolução social estava tomando lugar - uma revolução que foi também realizada nos arranjos sociais coletivos livres que começaram a emergir em larga escala em muitas partes da Espanha. Diferentemente da horrível coletivização forçada da indústria e agricultura que estava ocorrendo ao mesmo tempo na União Soviética, os coletivos anarquistas espanhóis eram livres, decentralizados, semi-autônomos e funcionavam democraticamente. Essas comunidades tinham coletivamente conduzido fábricas, workshops, fazendas, padarias, hospitais, escolas, transporte público - tudo dirigido diretamente pelos trabalhadores eles mesmos, através de comitês decentralizados onde decisões sobre produção, distribuição e condições de trabalho eram tomadas democraticamente. Além disso, esses arranjos coletivos aparentemente funcionavam muito eficientemente e eles de maneira significante melhoraram suas vidas de pobre e classe trabalhadora, que se beneficiavam não só de uma muito mais igualitária distribuição de recursos e melhoramento das condições de trabalho, mas também dos serviços sociais como saúde gratuita, educação, cuidados para os idosos, etc. Então é claro que algo muito profundo estava acontecendo na Espanha no momento - um evento radical que continha um real potencial emancipativo. Eu vejo esse movimento como sendo um exemplo do imaginário democrático radical que começou com a Revolução Francesa, e mais tarde com a Comuna de Paris, cujos sonhos foram tão impiedosamente esmagados. Democracia radical envolve uma extensão dos princípios democráticos ára além dos limites da dominação política, para setores sociais e economicos. Isso pode tomar várias formas, e os coletivos anarco-sindicalistas na Espanha forneceram um possível modelo a se seguir. Mas o crucial aqui é a forma decentralizada, democrática e não-hierárquica das tomadas de decisões que isto envolve - a meneira que isso concede a um nível muito maior de reciprocidade em relações de poder entre as pessoas (que era o que Foucault advogava), e foi além da lógica da representação política. Nesse sentido, eu vejo a democracia radical - em que a que os anarquistas da Espanha experienciaram foi um muito instigador exemplo - como sendo o cerne do projeto político pós-anarquista.
- 8. Nós podemos traçar motivações paralelas no pós-estruturalismo e no anarquismo através do seu livro e outros ensaios. Mas e sobre tradições anarquistas pré-modernas como "rizomáticas" no mundo? Especialmente as heterodoxias em muitas culturas...
Certamente o pós-anarquismo pode esboçar sobre algumas dessas tradições, mas penso que ao mesmo tempo nós deveríamos ser um pouco caultelosos sobre o misticismo pré-moderno - junto a suas fascinantes heterodixias que podem ser também apavorantes, cruéis, desiguais, hierárquicas, opressivas às mulheres, etc. Eu vejo o pós-anarquismo como tendo modernidade (e certamente pós-modernidade) com sua possibilidades libertadores e democráticas, como ponto de partida. Um encantamento com o pré-moderno pode frequentemente ter implicações conservadores. Eu não sou um grande fã do primitivismo de Zerzan, por exemplo. A idéia de que podermos retornar a uma espécie de "vida-mundial" pré-moderna incorrompida pela modernidade e civilização é ridícula.
- 9. Você vê alguma motivação paralela entre o pós-anarquismo e os movimentos anti-globalização pós-Seattle?
Sim, certamente. Pós-anarquismo é uma lógica política que persegue em combinar os aspectos igualitários e emancipativos do anarquismo clássico, como um reconhecimento de que lutas políticas radicais atuais são contingentes, plurais, abertas a diferentes identidades e perspectiva, e são muito diferentes questões - não apenas as econômicas. O amplamente chamado movimento "anti-globalização", apesar de seu futuro incerto, é um dos mais importantes desenvolvimentos na política radical em anos recentes. Ele transcende a lógica de novos movimentos sociais - não é simplesmente outra identidade exigindo reconhecimento e autonomia. Em vez, re-inventa uma política universal a medida que combate o capitalismo como contexto geral para dominação e exploração. Mas ao mesmo tempo, não é como as antigas lutas proletárias marxistas sobre questões econômicas. Não há partido vanguarda liderando o percurso. Ele não privilegia nenhuma classe ou identidade sobre outra; tão pouco vê qualquer questão particular como sendo central e superior à outras. Ao invés disso, combina uma multiplicidade de diferentes questões e inquietações - preocupações ambientais, direitos laborais, direitos dos refugiados, consumidores, do povo indígena, etc. Aqui penso que isto pode ser visto como um exemplo da lógica de Laclaus de hegemonia política: toma espaço contra o contexto universal do capitalismo global e a dominação do Estado, mas ao invés dessa luta encarnat em uma identidade central - como no proletariado, para Marx - incorpora identidades plurais que se alteram e formam inesperadas alianças com outros durante o curso da luta. Então ele envolve o que pode ser visto como uma contaminação do universal e do particular: existe uma "inimigo" universal - o capitalismo globalizado - mais isso é um tipo de "universalidade vazia" que tem diferentes implicações para diferentes grupos. A diferença entre esse movimento e o marxismo é que, enquanto o marxismo criou uma universalidade imaginária sobre a base de uma particularidade, o movimento anti-globalização criou uma real universalidade sobre a base de múltiplas particularidades, particularidades cujas identidades são elas mesmas contingentemente construídas através da própria luta, ao invés de pré-determinadas.
- 10. E poderíamos dizer que existe algum tipo de elementos pós-anarquistas entre o movimento Zapatista e os escritos do Subcomandante Marcos?
Sim, eu penso assim. O movimento zapatista, na medida em que pode ser visto como um aspecto da luta mundial contra o neo-liberalismo e o capitalismo globalizado, é muito mais do que simplesmente uma luta por reconhecimento, embora esse seja um importante aspecto deste. Ao mesmo tempo, embora rascunhe sobre elementos marxistas e althusserianos, não exatamente uma luta marxista também. Ele apela para os amploes setores da sociedade mexicana - os pobres, marginalizados, camponeses sem-terra, povos indígenas. Mais do que isso, emprega táticas que são muito mais próximas daqueles novos movimentos sociais pós-marxistas - uma combinação de campanhas armadas e nao-armadas, que são usualmente altamente simbólicas na natureza; como também usando a internet para mobilizar as pessoas e divulgar sua causa para o mundo exterior. Ademais, eles clamam que não estão desempenhando um papel de vanguarda, que seus objetivos não são ampliar o poder mas criar um tipo de espaço social emancipativo. É uma espécie de noção gramsciana de criação de um bloco hegemônico que rivaliza com a do Estado mexicano.
- 11. O que você pensa sobre o "terceiro mundo" hoje, e a significância dos estudos pós-coloniais? E pode aí haver um pós-anarquismo universal?
Eu diria que o Terceiro Mundo - que agora está sentido os efeitos da borda afiada das "reformas" economicas neo-liberais e livres acordos de comércio, que tornaram piores as vidas das pessoas comuns, não melhores - contém uma situação potencialmente explosiva. Penso também que o ponto colocado por Zizek está correto: que a lógica do capitalismo globalizado é de que não há centro real - é um imperialismo descentrado que está tornando tudo para dentro dele apenas outra exploração, mercado ou fonte de mão de obra barata, e é por isso que há tão forte reação contra a globalização partindo da extrema direita nacionalista. Logo nós temos um aumento do empobrecimento e deslocamento de massivos setores da humanidade - a crescente classe baixa de desempregados a longo prazo, por exemplo, que vivem em guetos do Primeiro Mundo que estão cada vez mais a se assemelhar aos guetos do Terceiro Mundo. Temos também uma tensão entre o impulso desterritorializante do capitalismo, e o desejo reterritorializante das Nações-Estado. Então enquanto há, de um lado, um movimento libertador do trabalho e capital ao redor do mundo, há por outro lado, fronteiras nacionais mais fortemente policiadas, controles mais sofisticadas e vigilância da população, e políticas mais autoritárias e restritivas anti-imigração. Eu acho que isso pode criar as condições para uma rebelião universal, que tomarão diferentes formas em diferentes partes do mundo - mas o alvo será o mesmo: o capitalismo das multi-nacionais apoiadas pelo poder estatal, e toda a dominação e miséria que eles infligem às pessoas em todo lugar.
- 12. O que você pensa sobre as causas anti-eurocentristas no pós-estruturalismo e anarquismo? Pode haver qualquer vestígio para uma política mundial após o 11 de Setembro?
Paradoxalmente, o ataque ao eurocentrismo no pós-estruturalismo (ou para ser mais preciso, na cultura e teoria social inspirada no pós-estruturalismo) é em si mesmo eurocêntrico. Críticas à Foucault costumam dizer que a análise dele era eurocêntrica porque elas eram baseadas primariamente em um contexto histórico europeu - quando Foucault estava escrevendo sobre prisões e asilos, essas eram prisões e asilos franceses. Isso é um tanto irônico, então, que os estudos críticos pós-coloniais/culturais do eurocentrismo derivem de origens intelectuais que são distintamente européias. Mais do que isso, eu diria que enquanto este momento anti-eurocêntrico foi profundo e necessário, não é mais tão relevante hoje. O capitalismo em si não é mais eurocêntrico, mas global e universal. Então ataques ao eurocentrismo hoje parecem perder o foco, e de um modo estranho, aqueles que fazem esses ataques confirmam sua posição "eurocêntrica" mais do que todos.
O 11 de Setembro é uma das coisas mais importantes a acontecer por muito tempo - o que Baudrillard chamaria de evento real, algo que retroativamente altera suas próprias condições e realmente transforma a maneira como pensamos sobre política. Tudo desde aquele momento agora cai sob as sombras do 11 de Setembro e deve ser considerado a partir dessa nova perspectiva. Isso tem causado dramaticamente o deslocamento de todo o campo ideológico para a Direita. Proporcionou o pretexto para um tipo de Estado Orwelliano de guerra permanente - a então chamada "guerra ao terror". Um clima de medo e paranóia tem permeado a vida política e social, e é deliberadamente manipulado pelo Estado, não apenas para justificar as completamente ilegítimas ações militares (a invasão do Iraque) mas, mais sutilmente, lancar uma guerra interna contra sua própria população em nome da duvidosa "segurança". Democracias liberais no Ocidente estão cada vez mais parecidas com as polícias de Estados totalitários, com a massiva expansão do poder de aparatos de segurança, o sempre generalizado uso de tecnologias de vigilância - incluindo vigilância biopolítica, como DNA e impressões digitais - bem como a deprimente limitação diária de todas as liberdades civis básicas e garantias judiciais. O campo se modificou para tal extensão que ser radical nesses dias é insistir em típicas exigências liberais como Estado de Direito e a protecção das liberdades civis. O alvo da "guerra ao terror" não são os sombrios grupos terroristas que ouvimos tanto sobre. Ao invés, sua real intenção é o aumento da regulação, controle e vigilância das populações. Logo a questão mais importante colocada pela "guerra ao terror" e a reafirmação agressiva da soberania do Estado, é aquele que contorna a política radical em si mesma. Isso quer dizer que a cresente expansão do poder estatal é algo que concerne a humanidade como um todo. Pessoas comuns - não apenas grupos minoritários - são agora sujeitadas a essas novas técnicas de vigilância e controle estatal.
Isso é talvez o aspecto mais crucial da biopolítica - que toma como alvo a existência humana em si. Em outras palavras, as implicações da "guerra ao terror" são universais - porém não no sentido que seus defensores sugestem: é, ao invés, que todo mundo está sendo apanhado numa estranha nova rede de poder, e inscritos em um novo terreno ideológico onde a única escolha que parece ser possível é aquele entre um Estado autoritário e um dogma fundamentalista, e entre a violência e terror infligido por ambos. A própria humanidade se encontra entre essas forças. A política da esquerda radical deve urgentemente chamar a atenção para essa polarização do campo político e social. Em outras palavras, a política radical deve inventar uma abordagem mais universal e coletiva para esse problema. Se ela falha em fazer isso, então está arriscada de ser inteiramente afastada por um novo conservadorismo ideológico que está permeando sociedades ocidentais, onde qualquer forma de dissidente político agora está em perigo de ser rotulado com o conveniente termo "terrorismo". Então eu acho que o 11 de Setembro fornece as condições para um repensar da política em geral, e a política radical em particular - na verdade, ela demanda para que façamos isso.
- 13. Você poderia comparar a posição de pensadores marxistas contemporâneos como Antonio Negri e John Holloway com a teoria política pós-anarquista?
Sim, eu penso que existem paralelos e pontos de similaridades entre o pós-anarquismo e neo-marxistas como Negri, em particular na maneira que ambos os projetos estão em desmascarar novas formas de poder, dominação e ideologia que são encontradas entre nós hoje - não apenas a soberania do Estado, mas também todas as difusas e múltiplas redes de poder que são infundidas pelo social. Mais do que isso, ambos as perspectivas são emancipativas, e vão além de identidade política. Onde vejo o neo-marxismo se afastar do pós-anarquismo é na maneira como o primeiro se segura no legado marxista de determinismo econômico e de classe, mesmo que de forma diferente. Por exemplo, para Negri e Hardt a imagem de política emancipatória é a "multitude", que é vista como sendo imanente dentro do próprio capitalismo. Aqui eles estão apresentando muito do argumento marxista sobre a maneira que a dinâmica do capitalismo está produzindo uma subjetividade de classe que irá provocar sua queda transformando os meios de produção. Eu penso também que precisamos teorizar alguma noção de "multitude", mas aqui eu concordaria com Laclau - que identidades de resistência são articulações políticas, o que significa que elas devem ser construídas contingentemente ao invés de serem vista como de alguma forma determinadas nas entre-linhas das transformações econômicas. Com certeza as transformações econômicas criam certas condições sociais e oportunidades políticas, mas continua a ser o trabalho dos ativistas e aqueles envolvidos em suas próprias lutas diretas a definir os contornos dessa multitude.
- 14. Zizek é outra figura política de hoje que também se refere ao pensamento lacaniano. O que você gostaria de dizer sobre a abordagem dele?
Eu tenho tido muita admiração por Zizek ao longo dos anos. Mas preciso dizer que também tenho preocupações acerca das conclusões políticas que ele parece desenhar a partir de sua muito sofisticada análise lacaniana. Houve uma mudança em seu pensamento a partir de sua orientação inicial para uma abordagem da análise do discurso e política radical democrática; seu último trabalho, onde tem defendido um estilo leninista altamente autoritário de política democrática de vanguarda - bem como algum tipo de niilista e terrorista "propaganda pelo ato". Seu último livro sobre Deleuze termina com um altamente suspeito ode à Revolução Cultural Maoísta. Então eu não sei o que está acontecendo com Zizek no momento, e se alguém deveria levá-lo a sério aqui - acho que de um lado, ele está sendo deliberadamente provocativo (tentando irritar liberais), e de outro, existe uma tentativa muito séria de usar a teoria lacaniana para romper com a camisa-de-força ideológica da democracia liberal, que parece ser simplesmente a forma institucional do capitalismo globalizado.
Agora, eu concordo que precisamos ir além dos limites correntes da democracia liberal, mas isso pode tomar formas outras que não as da política autoritária revolucionária de vanguarda que ele parece estar defendendo. Queremos mesmo voltar para o Leninismo? Por exemplo, poderíamos ainda expandir o quadro liberal democrático e quebrar suas conexões (que sempre foram contingentes) com o capitalismo, estendendo-o para uma esfera social e econômica - no modo como sugerido por Laclau e Mouffe, e também por Claude Lefort. Então eu desenharia diferentes conclusões políticas para a teoria lacaniana, provavelmente ao longo das linhas de Lacan and the Political de Yannis Stavrakakis. As noções centrais de Lacan do Real e a carência constitutiva na identidade social são vistas aqui como dando expressões para lutas radicais-democráticas que estão simbolicamente vazias, e abrindo para uma pluralidade de diferentes lutas. Porque eu vejo o foco de Lacan como sendo acerca dos incomplementos estruturais de identidade e a irrealizável natureza do objeto de desejo, isso empresta a si mesmo para uma política de abertura e contingência. Zizek tem uma leitura ligeiramente diferentes de Lacan, e desenha conclusões políticas e éticas diferentes a partir dele.
- 15. O seu projeto em geral, e o nosso projeto daqui pertence a uma vasta série de anseios que visam fundir a recente emergência de novas subjetividades depois do pensamentos pós-estruturalista com algum tipo de atividade resoluta sobre o terreno político - que parece estar faltando nos escritos dos pós-estruturalistas. A reformulação do Situacionismo pela teoria radical contemporânea, por exemplo, sugere também a esse tipo de busca. Em seus textos sobre Stirner você propõe que ele oferece saídas paras impasses entre a fomulação mistificada da "agência" do sujeito dentro da tradição humanista-hegeliana-marxista e esmagando o encerramento da "estrutura dentro do pensamento (pós-)estruturalista. Em vez de mais recentes tentativas contemporâneas de quebrar essa paralisia, você traz adiante Stirner como uma solução. Qual a razão e a necessidade para esse movimento retrospectivo? O que você diria sobre, por exemplo, os argumentos da teoria performativa que permite cesuras e momentos de interrupção que admitem ocasiões de re-significação no interior da estrutura?
Como eu disse anteriormente, penso que a solução de Stirner tem suas limitações, precisamente porque ela é extremamente individualista. Tendo dito isto, estou interessado na maneira em que Stirner nos permite pensar sobre o agente individual e subjetivo - vendo-o como uma aberta e contingente estrutura que não é mais completamente definida por noções de humanidade e racionalidade. Em outras palavras, eu acho que o valor de Stirner está em nos deixar libertar o sujeito das identidades essencialistas, e é aqui que ele assenta um plano para o pós-estruturalismo e o pós-humanismo. Então é aqui que Stirner vai além de ambos humanismo e estruturalismo - enquanto o sujeito não for autônomo, em que elx é definidx através de abstrações ideológicas e "identidades fixas, ao mesmo tempo, ainda há meio de resistir a essa subjetivação, e redefinindo o único de sua própria forma, portanto inventando um tipo de autonomia radical. Mais isso envolve a rejeição da essência - um tipo de transgressão do ser. Isso é similiar às últimas tentativas de Foucault de explorar as possibilidades de diferentes modos de subjetividade, através de estratégias éticas como o "cuidade de si". Então eu não diria que Stirner oferece uma solução completa de qualquer maneira, na verdade, sua noção de agente é um pouco problemática. Ele tem de ser visto como parte de um projeto de repensar do sujeito, para além de identidades essencialistas, enquanto ao mesmo tempo permite um grau de autonomia e liberdade de ato. Certamente há paralelos entre a chamada de Stirner para reinventar o ser de formas imprevisíveis, e a teoria perfomativa de Judith Butler, que perseve subverter identidades fixadas através da paródia. Os enfatizam a maneira como a identidade é realizada, e portanto contingente, ao invés de ser essencial e fixa. Novamente, essas são soluções políticas incompletas nelas mesmas, mas quando aplicadas a questões de ação coletiva e formação política hegemônica, elas podem ser muito valiosas no entendimento de diferentes formas em que a identidade política pode ser constituída.
- 16. Tanto as tradições anarquistas e o pensamento pós-estruturalista suportam o legado nietzscheano na ênfase do estilo. Mas o seu método de escrita parece ser mais próximo ao da linguagem analítica da academica anglo-americana. O que você diria sobre isso?
Bem, é verdade que em alguma medida eu sou parte dessa tradição anglo-americana, apesar de minha afinidade com a filosofia continental. Eu trabalho dentro da disciplina acadêmica de teoria política - uma disciplina em que infelizmente ainda restam indisposições para/com a teoria pós-estruturalista. E parece haver uma dissonância entre as duas tradições, mesmo em termos de seu estilo de escrita - embora eu sempre achei pessoas como autores como Foucault muito claros, e certamente muito mais sugestivos do que alguns da muito seca teoria anglo-americana. Mas eu também penso que uma tradição pode beneficiar-se otimamente ao atrair a outra, e é isso que eu tenho tentado fazer - para entender o desenvolvimento das implicações políticas da teoria pós-estruturalista e da filosofia continental, como elas levam-nos a pensar sobre conceitos como poder, soberania, democracia e agência política, de novas maneiras. Então meu estilo de escrita talvez reflita minha intenção de fazer isso precisamente. Mais do que isso, eu suponho ter uma noção muito "não pós-estruturalista" sobre a importância de ser capaz de comunicar minhas idéias claramente para que outros possam entendê-las.
- 17. Por anos temos lutado para localizarmo-nos fora das restrições da esquerda histórica ortodoxa e anarquismo clássico. Mas quando vamos pelo menos andar em potencialidades práticas do ganho que recuperamos em nossas discussões? Quando iremos deixar o modo teórico de auto-reflexão, terreno espitemológico, enciclopedianista que o pós-anarquismo se encontra? Quando essa nova manobra discursiva vai atuar?
Não podemos nunca simplismente sair da teoria. Fenômenos políticos e sociais só podem ser entendidos discursivamente - sem teoria, eles não seriam inteligíveis. Na verdade sua questão me lembra dos levantes em Paris no Maio de 68, onde os estudantes ativistas que assistiram seminários de Lacan perguntaram-no porque ele estava insistindo em teorizar sobre política quando havia uma revolução real acontecando nas ruas lá fora. Ele respondeu escrevendo no quadro quatro fórmulas extremamente abstratas, e isso se tornou a base de sua série de seminários (XVII) sobre os Quatro Discursos. Mas seus ponto era que esses "discursos" ou teorias estruturais na verdade subscreviam todos os fenômenos políticos e sociais, permitindo transformações revolucionárias serem explanadas em termos estruturais, e que, nesse sentido, estruturas de fato realizam "marchas nas ruas". Então temos de estar cientes que paradigmas teóricos e discursivos vão sempre estar presentes em qualquer atividade política, e portanto são fundamentais no entendimento do porquê as pessoas resistirem, como resistem, ao que elas estão realmente resistindo. Logo o ativismo político sempre será instruído pela teoria - na verdade, Foucault e Deleuze acreditavam que eles eram realmente parte da mesma atividade: fazer política era ao mesmo tempo fazer teoria, e vice-versa. Então há um tipo de relacionamento simbiótico entre teoria e prática. Por exemplo, eu vejo o pós-anarquismo como uma teoria que está continuamente sendo instruída e expandida por lutas políticas concretas como o movimento anti-globalização. Por outro lado, a teoria pós-anarquista fornece um paradigma conceitual que permite esses movimentos de serem explicados - como e porque eles tomam espaço, e as condições sociais e epistemológicas que dão origem a eles. Então para responder sua pergunta, nós já estamos vendo o pós-anarquismo - ou pelo menos elementos de sua teoria - atuando precisamente nesses tipos de luta.
Tradução do inglês pelo Coletivo Protopia