Excursão à cidade de Sonsorol
Um velho ônibus escolar, completamente reconstruído em bronze e cromo reluzentes, faz o mesmo percurso de ida e volta pela única estrada asfaltada de Sonsorol, do Bazar em Port Watson à capital da república, a cidade de Sonsorol. (Isto é, ele o faz quando se encontra alguém para dirigi-lo.) A estrada passa pela savana, a área rural mais povoada e cultivada da ilha, especialmente por famílias cristãs sonsoroleanas nativas, que apegam-se às "virtudes" do trabalho pesado.
A vida na república flui em um ritmo mis lento e mais conservador do que no livre encrave. Os nativos mais velhos se apegam as atitudes da Igreja Holandesa Reformada ou então seguem o Caminho Moro com toda a sua sutileza, boas maneiras, elitismo estético e "superstição mágica". A república não possui uma força policial, mas as pessoas tendem a se adaptar a certos costumes, pelo menos em público, e dentro de um contexto de uma integridade geral, descontraída e ao estilo polinésio. O visitante deve se lembrar de não ofender nenhum sentimento por um comportamento abertamente watsoniano (como foder em público).
A cidade de Sonsorol é até menor e mais sossegada do que Port Watson. O ônibus os deixa em uma rua empoeirada com lojas feias de fachadas de ferro ondulado ao longo da margem do rio. Em um extremo da Rua do Mercado fica o Hospital pequeno, porém ultra-moderno, o único prédio novo da cidade. No outro extremo fica a "Catedral Calvinista", na verdade uma igreja pequena e de estilo holandês um pouco indistinto construída em 1910 (o pároco é holandês e liberal. Ele prega "Tolstói, Thoreau e Gandhi"!)
A oeste da catedral fica o "Bairro Cristão", uma área de pequenos bangalôs tropicais/coloniais concentrados ao redor da Sede do Governo, o prédio da antiga administração colonial no estilo batavo "holandês-indonésio", com uma fachada levantada no estilo de Amsterdã, cor rosa-coral com teto de telhas vermelhas, onde se pode assistir a uma eventual sessão do Legislativo, e ouvir discursos delirantes e prolixos de todos os pontos de vista, do fundamentalismo protestante ao anarco-monarquismo místico. A Agência de Correio, um centro de computadores público e uma velha máquina de impressão manual constituem os únicos Órgãos do Estado, mas a praça em frente à Sede do Governo é sombreada de forma agradável e bastante freqüentada por aqueles que gostam de passear à noite e colocar as fofocas em dia.
Entre a Sede do Governo e o rio fica o Bairro Moro, onde as antigas villas batavas valem um passeio a pé. Os "aristocratas" moros são menos de duzentos, e não usufruem de mais nenhum privilégio fiscal em relação aos outros cidadãos — na verdade, a maioria deles se nega a trabalhar, e vive às custas de seus dividendos do Banco, modestos e avaros. Sua vida se concentra nos arredores do "Palácio" do Sultão, (na verdade, uma villa de doze cômodos), e a Mesquita do Sultão, um kraton [1] grande, mas simples de estilo javanês com um pátio coberto, cercada por villas adjacentes, oficinas e jardins.
O Sultão Pak Harjanto Abdul-Rahman Moro IV (nascido em 1945) pode ter renunciado todo poder, mas não todas as atividades. Sua fascinação tanto pela filosofia libertária, como pelo misticismo sonsoroleano tradicional o inspirou a criar diversas instituições culturais e educacionais estreitamente relacionadas, que se concentram ao redor da mesquita. A Corte Gamelan (uma orquestra javanesa de percussão importada no fim do século XIX e extremamente preciosa) encontra os seus músicos na Academia do Palácio das Artes e Ofícios Tradicionais. Ligadas a essas há duas escolas para crianças, uma para meninos e uma para meninas, cada uma com aulas de música, dança, arte e confecção de batique, mas em geral ignoram todo o resto. As crianças sonsoroleanas que queiram uma educação moderna podem freqüentar a "Escola do Governo", que é mista, ou uma das Academias de Port Watson. Mas aqui, tudo é antiquado, refinado, rebuscado, até um pouco decadente e perverso. Os alunos não se submetem a nenhuma disciplina tradicional, porém: eles são livres para ir e vir como quiserem, contanto que cumpram o seu "contrato" de estudar e realizar todos os concertos públicos semanais (todas as sextas-feiras, começando quando o sol se põe e durando às vezes até o amanhecer), que constituem o ritual central do Caminho Moro.
Junto com a Academia do Palácio e as duas escolas para crianças, a Mesquita também mantém uma oficina de batique, aulas de teatro e dança para amadores e aficionados, uma biblioteca de trabalhos sobre a cultura e a história sonsoroleanas, e sessões regulares de meditação em grupo. Também há aulas de artes marciais. O único jornal de Sonsorol, o mensal Court Gazette, também é publicado aqui e impresso na velha máquina da Sede do Governo.
As matrículas nessas instituições têm o mesmo número de "colonizadores" e "nativos". Alguns watsonianos se tornaram cidadãos da república para poderem morar e estudar na cidade de Sonsorol. As artes tradicionais e especialmente música são bastante apreciadas, particularmente pela nova geração de filhos de nativos que são descendentes de colonizadores. Talvez elas estejam se rebelando contra o anarquismo de seus pais através dessa paixão pelo gamelan e Ramayana [2], do uso de sarongues, batique e flores no cabelo, da imitação de gestos moros conservadores, e de um culto a pirataria e bruxaria.
Os ocidentais na cidade de Sonsorol ou moram perto da Sede e da Mesquita, ou ao longo da costa no antigo bairro holandês. Na ponta da Praia do Holandês encontra-se o Old Colonial Club, agora ocupado pelos dois únicos restaurantes de verdade de cidade: um dedicado à culinária nativa (The Corsair’s Cave) e outro à elegância da cozinha francesa (Chez Ravachol [3]) — ambos são caros. O Clube também oferece uma sala de jogos com "os únicos fliperamas de toda a Oceania". Ao longo da praia pra o oeste ficam as antigas villas holandesas, algumas em ruínas, outras habitadas por comunidades de colonizadores artistas, músicos e outros estetas que apreciam a vida tranqüila ou beber com os amigos na Corte.
Além da vida cultural da Sede e da Mesquita, nada mais acontece. Aqueles que querem "agito" vivem em Port Watson — aqueles que preferem a "falta de agito" em Sonsorol — e aqueles que gostam dos dois vão e voltam de um lugar ao outro, de acordo com o humor.
Referências
- ↑ Kraton, o "Palácio do Onipotente, é o famoso e tradicional palácio do sultão de Jacarta, na Indonésia.
- ↑ Um dos mais belos poemas épicos da humanidade, o Ramayana foi escrito pelo sábio Valmiki há dois mil anos e é um dos principais textos do Sul da Ásia. Conta a história do príncipe herdeiro Rama e é cheio de reflexões sobre os aspectos da cultura indiana, sendo influência decisiva na política, religião e arte da Índia moderna.
- ↑ O anarquista francês François Ravachol (1859-1892) era outro que advogava o terrorismo e é conhecido por sua famosa frase, "ninguém é inocente".
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