Festivais
Ingredientes
- Divulgação (opcional)
- Atividades e entretenimento
- Pessoas
- Um local
Instruções
Então você quer organizar um festiva! Talvez você queira se divertir, de uma forma que mostre como todos poderíamos estar nos divertindo mais. Talvez você queira juntar as pessoas, e você notou que muito mais pessoas comparecem a uma festa do que a um protesto. Ou talvez você esteva suprir as necessidades da sua comunidade diretamente, com a antiga tradição da ação direta, e você percebe que união, empolgação e diversão são necessidades humanas tão importantes quanto comida e abrigo. Se não pudermos dançar, quem é que vai participar da nossa revolução, não é mesmo? E há algo a ser dito sobre fazer amizades em tempo de paz, para que hajam pessoas cuidando de você quando a guerra começar.
Qual será o tema do seu festival? Poderia ser "anarquismo", mas então ele pode atrair somente pessoas que se consideram anarquistas. Melhor, organize uma feira de rua de acordo com os princípios anarquistas, ou um festival de música que explore a estética anarquista, ou um baile com implicações anarquistas. Se você quer tratar de um assunto, tente demonstrá-lo na prática, ao invés de apenas falar sobre ele. Por exemplo, você quer falar sobre economias alternativas, você pode organizar uma "Feira Realmente Livre", na qual as pessoas trazem presentes e recursos para compartilhar sem que o dinheiro troque de mãos ou que se mantenha uma contabilidade, e logo apresentando um exemplo prático da economia da dádiva; ou ainda uma "Feira de Troca Solidária", onde as pessoas podem trocar mercadorias, ou dá-las para alguém que não tiver o que trocar.
Como será a estrutura do seu festival? Você irá criar um roteiro de eventos que serão apresentados para uma plateia, ou estabelecer uma estrutura que permita os grupos de contribuir de forma autônoma? Um grupo organizados pode visualizar possibilidades e coordenar planos complexos que uma massa menos organizada não pode, e numa civilização onde todos são espectadores pode ser perigoso confiar demais nas contribuições espontâneas dos outros. Por outro lado, não há razão para limitar o seu evento ao que você e seus companheiros organizadores conseguem imaginar. Deixe espaço para outro trazerem a aplicarem suas próprias ideias, e conversem sobre como diferentes grupos podem se envolver; quanto mais pontos de partida houverem dentro do seu evento, mais eles poderão reunir as pessoas e complementar um ao outro. Assim como as revoluções, os melhores festivais têm o final aberto, encorajando os grupos para se organizarem como acharem melhor de maneiras que constituam um todo muito maior do que a mera soma das partes.
Quem será convidado para o seu festival? Mais uma vez, existem objetivos que um grupo homogêneo pode alcançar que seriam impossíveis com uma companhia mais variada, mas também há muito a ser dito sobre superar fronteiras e fomentar relacionamentos simbióticos entre comunidades. Pense em maneiras de atrair diferentes círculos, solicitando a participação de indivíduos e grupos que irão participar deles.
Quando, onde e como será o seu festival? Geralmente é difícil fazer as pessoas irem a lugares que nunca foram antes, ou participar em atividades incomuns; pense sobre como tirar vantagem das rotinas ou interesses que já estão estabelecidos, ou integre o seu evento em formas sociais já existentes. Em relação à data e ao local, pode ser bom escolher um lugar que receba bastante trânsito de pessoas, para que os passantes possam ver ou participar dos seus eventos. Para maximizar este potencial, escolha uma área que é frequentada por grupo demográficos que provavelmente se interessarão; por exemplo, uma ação de Reclame as Ruas pode atrair mais participação espontânea em um bairro com muita atividade cultural e artística do que numa zona industrial. Dependendo da escala do seu evento e do contexto local, pode ser necessário ir atrás de uma autorização da administração local; ao fazer isso, não disfarce o seu projeto completamente, mas não lhes conte nada que eles não irão entender ou não precisem saber. Muita atenção da polícia e repressão podem interferir com o seu projeto, ou ser usada para a sua vantagem, dependendo da sua estratégia; se você espera evitá-la, pode ser inteligente não anunciar o projeto em fóruns, como em sites de ação direta, os quais eles já associam com problemas.
Como você irá promover o seu festival? Posters, adesivos, releases para a imprensa, boca-a-boca, internet, anúncios em rádios universitárias: tudo é válido, a menos que o seu festival tenha que ser um segredo para ter sucesso. Certos tipos de atenção da imprensa podem ser inconvenientes para qualquer tipo de evento; para eles, seja o mais chato e tediosos possível, para evitar que avancem (veja Grande Imprensa). Quanto a associar festivais com perspectivas políticas, seja judicioso: às vezes isso pode aumentar o interesse, às vezes pode distrair ou excluir. Não tenha medo de ser explícito sobre quais as suas intenções, apenas certifique-se de que isto não limitará o número de pessoas que se sentirão confortáveis para participar.
Relato
Nós decidimos tirar proveito da nossa relação com uma sala de cinema local e independente para sediar um festival de filmes revolucionários. Ao invés de exibir filmes independentes pouco conhecidos com cunho revolucionário, nós tentamos o oposto: nós projetaríamos filmes comerciais com implicações subversivas, na atmosfera mais revolucionária que conseguíssemos criar. Nós esperávamos que isto chamaria pessoas que nunca iriam a um obscuro evento de contra-cultura mas que mesmo assim compartilhavam o nosso interesse em pensar e viver de formas diferentes, e dar-lhes a oportunidade de entrarem em contato com outros com os mesmos interesses. Para fazer isto funcionar, nós pedimos ajuda a todos nossos conhecidos, convidando pessoas para darem oficinas e compartilharem suas habilidades ou montarem mesas com literatura em nome de seuss infoshops e organizações.
Nós cobrimos as ruas de nossa cidade com centenas de panfletos e uma dúzia de pôsteres de dois metros nas semanas que antecediam o evento, promovendo ele como "heArt and film festival": quatro dias de filmes, compartilhamento de habilidades e outras atividades. Para tornar isso realidade, avisamos no principal dia do festival, que tudo seria de graça. Tentamos a sorte — nossas tentativas de convencer o pessoal do cinema em nos fornecer ingressos baratos obteve apenas um sucesso parcial, e nós não conseguimos ninguém para patrocinar o evento, então foi otimismo pensar que teríamos dinheiro para alugar
o espaço e todos os rolos de filme com os lucros de apenas algumas projeções de filmes. Ao mesmo tempo, nós postamos o programa na internet e enviamos um release à imprensa, o que nos valeu a cobertura do jornal local.
Você pode colocar mensagens em pastas, sapatos, gravatas e vestidos de baile passando a ferro algumas camadas de sacolas de plástico: coloque a temperatura do ferro de passar em "algodão", coloque os plásticos entre duas camadas de papel para que não grude, e seja rápido. Depois de fazer algumas folhas com cores diferentes, corte imagens ou texto e cole-as novamente com o ferro de passar em um fundo de sacos plásticos: pronto, mensagens em recortes de plástico.
Você pode costurar com fio-dental.
O evento começou tranquilamente, em uma quinta-feira. Neste dia, para economizar dinheiro, nós não alugamos o cinema, ao invés disso colocamos as oficinas de compartilhamento de habilidades — design gráfico revolucionário, rádios pirata e grafite — em uma sala da biblioteca pública e em uma casa de shows independente. Mais ou menos trinta pessoas compareceram em cada oficina. A oficina de grafite saiu às ruas no final, para decorar as ruas em preparação para o fim-de-semana. Vieram algumas pessoas de outras cidades, e conseguimos hospedagem solidária para eles. Nós também imprimimos uma programação com todas as atividades do fim-de-semana, e os distribuímos em massa.
O dia seguinte foi o primeiro dia no cinema, então nós fomos cedo para cobrir as paredes com pôsteres radicais e montamos mesa com literatura grátis, biscoitos da sorte revolucionários e suco de frutas orgânicas resgatadas do lixo. Muitas pessoas da nossa comunidade de dissidentes e excluídos trouxeram comida de graça, produtos resgatados do lixo e seu próprio material de leitura para compartilhar, e os colocaram em bancas também. Durante o dia, o cinema abrigou seis oficinas de compartilhamento de habilidades: conserto de bicicletas, dança popular, percussão (na qual baquetas roubadas foram distribuídas a todos os presentes), um desfile de ervas apresentando todas as plantas comestíveis e medicinais que crescem nas redondezas, uma discussão chamada "como aleijar o privilégio" sobre as maneiras em que as pessoas com corpos capazes podem ajudar os deficientes físicos, e gravura, cujos resultados foram logo colados nas paredes. Naquela noite nós cobramos por duas sessões de Clube da Luta e uma de Brazil. Antes de cada uma, havia um orador: uma foi introduzida por cheerleaders revolucionárias, outra por um inspirado manifesto anarquista, outra pela viúva de um homem que a polícia havia recentemente assassinado; ela estava sendo boicotada pela imprensa local e merecia uma chance de falar ao público. Em um intervalo, nós abrimos o cinema novamente, para que um grupo de vigias-de-polícia pudesse oferecer uma sessão grátis sobre como lidar com a polícia. Um bom número de pessoas compareceu, mas o teatro nem chegou perto de lotar; provavelmente não tinha mais de cem pessoas nele em nenhum momento.
O dia seguinte era o dia de graça. Além das decorações e amenidades do dia anterior, nós colocamos uma mesa de massagem, na qual um massoterapeuta local dava massagens de graça, e uma mesa de serigrafia, na qual as pessoas podiam aprender a serigrafar e imprimir de graça em suas camisetas; o grupo local de Comida Não Bombas também forneceu refeições completas com deliciosa comida de graça, e produtos alimentícios de graça para qualquer pessoa que precisasse. Nós exibimos quatro filmes, inclusive Malmcolm X' do Spike Lee, e Three Kings, um filme de ação de Hollywood anormalmente crítico da primeira Guerra do Golfo, ao qual um professor local anti-guerra de uma eloquente introdução. O cinema estava lotado o dia todo com uma plateia diversificada mas predominantemente formada de pessoas brancas, e alcançou o volume máximo de pessoas durante a exibição do primeiro filme; essa foi talvez a nossa mais importante realização do fim-de-semana, que conseguimos fazer com que tantas pessoas brancas aprendessem sobre a história negra.
Nós também tínhamos um truque em nossas mangas, para que nossa demonstração de economia alternativa não se limitasse ao cinema. Durante o dia, nós espalhamos dicas de que haveria uma grande aventura depois da última sessão. No final do último filme do dia, uma mulher subiu no palco e, tremendo, declarou que um grupo iria sair e ocupar uma casa vazia nas proximidades para mostrar as coisas positivas que se pode fazer em prédios vagos, e que todos estavam convidados a participar. Anunciar isto publicamente era meio arriscado, mas como vimos no final, a polícia não ficou sabendo; não só isso, mas a maioria das pessoas no cinema decidiu vir junto!
A fim de evitar atrair o tipo errado de atenção, a multidão se dividiu em grupos menores, cada um seguindo um guia por um trajeto diferente para se reunirem no prédio abandonado. Dentro de alguns minutos, o lugar estava cheio de vida: pessoas que nunca haviam ocupado um prédio antes estavam varrendo o pó, cobrindo as janelas e explorando o porão. Depois de alguns minutos, todos que quiseram passar a noite no prédio estavam apertados em uma sala lotada para ter uma discussão sobre assuntos importantes: como lidar com a polícia caso ela aparecesse, quais deveriam ser os objetivos e prioridades da ação, e o que anunciar à comunidade sobre o evento. Um panfleto sobre okupas que algumas pessoas haviam preparado com antecedência foi distribuído. Para mim, o momento mais empolgante do fim de semana todo surgiu durante este encontro, quando eu olhei ao meu redor e vi que dois dos adolescentes que haviam vindo de fora da cidade para o festival estavam ali no grupo, os seus olhos arregalados com a mágica que estávamos fazendo.
No dia seguinte, antes de cada um dos quatro filmes, nós lemos em voz alta uma declaração que o grupo da okupa havia preparado sobre a sua ação, tirando vantagem do público ali reunido para torná-la pública. O grupo de Comida Não Bombas serviu novamente, e dois infoshops revolucionárias da região montaram suas bancas no saguão para distribuir livros e literatura. Um dos filmes não era de Hollywood, mas um extravagante documentário francês sobre revirar lixeiras; nós o precedemos com uma série de documentários curtos que um de nossos colegas compilou sobre ciência popular e thinktanks, acompanhados por comentários ao vivo. No intervalo que se seguiu, nós abrimos o cinema com uma mostra de slides gratuita e uma discussão sobre okupas ao redor do mundo. O público que compareceu neste dia foi menor, novamente, como havia sido na sexta-feira; muitas das pessoas que estavam envolvidas antes passaram o dia na okupa, limpando e vigiando contra a polícia, que felizmente não apareceu.
No dia depois do festival de cinema, aqueles de nós que tinham trabalhado bastante para organizá-lo estavam completamente exaustos. Mesmo assim, aconteceu mais uma oficina — o curso avançado de design gráfico, que continuava o trabalho da oficina introdutória de quinta-feira — e nessa noite, o grupo que havia permanecido na casa ocupada abriu-a ao público para um jantar comunitário. A casa estava repleta de pessoas comendo uma comida deliciosa, conhecendo melhor uns aos outros, e discutindo os prós e contras do evento do fim-de-semana.
O nosso festival foi um sucesso? Há divergências. Perdemos uma boa quantidade de dinheiro, e as pessoas de nossa cidade não se levantaram para substituir o capitalismo com conselhos de ex-trabalhadores e economia da dádiva. As datas que escolhemos para o festival eram no meio do inverno, bem no final do semestre das universidades locais, e muitas pessoas estavam ocupadas ou já haviam partido de férias. Eu também senti que nós deveríamos ter variado mais dos formato de exibir os filmes; depois de três dias constantemente assistindo filmes, as contradições entre os nossos objetivos de motivar as pessoas e o meio baseado na passividade do espectador que nós escolhemos como ponto de partida eram dolorosamente óbvias. A nossa cidade não tinha população suficiente para apoiar um festival de cinema radical como o que organizamos, e nós esperávamos que a renda obtida com os filmes cobrisse as nossas despesas; as pessoas vieram para assistir um ou dois filmes, mas a maioria dos frequentadores de cinema não sai para ver mais do que uns dois filmes em um período de três dias, e por razões compreensíveis a maior parte das pessoas escolheu o dia grátis para comparecer. Se nós tivéssemos organizado o mesmo evento em uma cidade maior, provavelmente teria funcionado, supondo que as despesas não fossem maiores. Da maneira como foi, seria melhor se tivéssemos intercalado os filmes com performances e eventos de outros tipos, e alugando menos rolos de filme.
Por outro lado, nós conseguimos realizar um experimento muito idealista, e sobrevivemos e aprendemos com ele. Na pior das hipóteses, o nosso festival foi parte de uma série de eventos culturais que servem para construir e manter a base social revolucionária na nossa comunidade, e envolveu uma diversidade maior de pessoas que a média dos eventos de ativistas. Até que todo revolucionário esteja conectado com uma comunidade e toda comunidade seja radicalizada, eventos como este precisam acontecer constantemente, para que as pessoas possam se conhecer e se expor a novas possibilidades.