Maternidade Livre

De Protopia
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Amor Livre, Eros e Anarquia
Paul Robin


O casamento[1] tem sido praticado em todos os lugares e sempre em condições absurdas, odiosas e opressivas, e tem tido como lógica consequência, na imensa maioria dos casos, a troca das alegrias espontâneas e naturais do amor pela duríssima escravidão dupla e recíproca. O fato –ainda que velado pelas preocupações religiosas e legais e dissimulado pela arte do fingimento- tem sido patente e muitos pensadores têm se dedicado a seu estudo sem resultado positivo imediato, até que por último se cheio à única solução radical e eficaz: a liberdade do amor.

Entre as obras em que esta tese tem sido sustentada, me apraz citar em primeiro lugar o notabilíssimo livro “Elementos de ciência social”, de um médico inglês, publicado em 1854 e traduzido para vários idiomas, cujo um dos capítulos se intitula audazmente "A pobreza, sua única causa, seu único remédio". A causa, segundo o autor, é o casamento; o remédio é... o amor estéril (o autor emprega uma expressão mais precisa que não me atrevo a reproduzir). Este livro é volumoso, compacto, atestado de fatos e de argumentos, e pertence à classe dos que não leem as pessoas superficiais.

Outros tem abordado uma única parte do problema, combatendo o casamento legal, e substituindo-o pela união livre, espécie de casamento que, em seu conceito, oferece probabilidades de duração e constância iguais ou superiores às do consagrado pela autoridade. Paul Lecombe sustenta este pensamento em seu livro, já antigo: O casamento livre.

Mais atrevidas ainda, fazendo propaganda pelo fato, muitos casais declaram publicamente sua união livre e se abstêm de toda ceremônia ou se limitam a cerimônias familiares. Como casos notáveis, citemos na França as uniões das filhas de Eliseo Reclus; na Inglaterra, as de E. Lanchester e de E. Wardlaw Best. Mas nessas uniões, ainda que despojadas de um detalhe funesto, a submissão à Igreja ou ao Estado, permanece existente o mal fundamental, o gérmen de todos os sofrimentos que fazem detestável o casamento.

Não me deterei em um único instante nas objeções de origem teológica apresentadas contra o amor livre. O que apoia a ficção Deus vai contra a realidade homem, e como consequência, o que busca a felicidade humana há de descartar a ideia de um Deus cruel inventado pela imaginação aterrorizada dos primitivos, explorada pelos hábeis e conservada por um sentimento irrefletido; ideia sem utilidade prática, antes pelo contrário, causa da superpopulação e miséria consequente, de inumeráveis e horríveis matanças que marca a história.

A única objeção séria é a da situação dos filhos fora da pretendida proteção legal, e apesar do que digam os incapazes de submeter o assunto ao cálculo, o certo é que a objeção subsiste sempre, ainda em uma sociedade comunista, porque a resposta que se pode dar é a mesma na hipótese e naquela sociedade ideal e na realidade da sociedade presente: a liberdade do amor pressupõe a liberdade da maternidade.

A mulher deve ter, não direi o direito, não sei mais o que significa essa palavra velha e desgastada pelo abuso, senão a ciência e o poder de não ser mãe senão quando o tenha decidido depois de madura reflexão. Creio ter sido o primeiro a afirmar claramente esta solução única no Congresso Feminista de Paris (abril de 1896) e no segundo Congresso para Proteger e Aumentar a População (dezembro de 1896).

É aqui resumida minha doutrina do ponto de vista feminino:

Uma jovem não deve se casar nem se despojar da escassa liberdade que possui. Permaneça o maior tempo possível dona de si mesma, escolha livremente suas companheiras e companheiros, e para que seja respeitada sua liberdade sobre este ponto, cuide de respeitar os demais; abstenha-se de criticar os atos alheios, empregando por si mesma a reforma da pretensa "opinião pública", que se mete sempre no que no lhe importa e é mais tirânica que as mesmas leis positivas. Tenha a segurança de que não desobedece nenhuma lei nacional tendo os amantes que lhe agradam: mas entenda que comete uma grande falta contra a verdade moral se credita à casualidade filhos cuja educação e sustento não estejam assegurados.

A liberdade da maternidade é a condição indispensável da liberdade do amor, e a mulher não deve ter outros guias senão a ciência fisiológica e a prudência sexual. Se depois de mais ou menos numerosos experimentos, encontra um companheiro com quem, em perfeita conformidade de cultura e de gostos, crê que poderá passar uma vida larga e feliz, associe-se definitivamente a ele, se lhe parece bom, sem manter nas vãs sanções legais, e dê-se a imensa satisfação de ter filhos que poderá criar e educar impondo-lhes unicamente seu nome.

Se o companheiro amado, escolhido definitivamente, realiza o ideal sonhado, o que raramente ocorre no casamento legal atual, não há por que submeter-se à lei para concorrer com empenho e em companhia da mãe ao sustento e à educação dos filhos queridos. Se os amantes se equivocam e a concórdia se interrompe por incompatibilidade manifestada mais tarde, e se segue a separação, ao amor não sucederá o ódio, como ocorre hoje em dia, podendo continuar a amizade, quando não uma pacífica indiferença, em tanto que a honradez impulsionará o homem a contribuir ao sustento material dos frutos de seu antigo amor.

Se, apesar de tantas precauções, uma mulher se unisse a um vilão, o que apenas se pode considerar como possível, se separará dele levando seus filhos sob seu único encargo e direção, deixando em desgraçada situação indubitavelmente, mas sem aumentar seu infortúnio mais com os tormentos artificiais que acrescentam as leis opressivas.

Reconhecida como maior de idade, dona natural de seus filhos, não permanecerá escrava de um tirano que possa matá-la impunemente, roubar-lhe o fruto de seu trabalho, suas economias e o pão de seus filhos.

Notas

  1. N.T.: A palavra empregada na versão em espanhol é “matrimônio”. Como casamento e matrimônio são sinônimos e “casamento” é uma palavra mais usual em português, optou-se por esta tradução.


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