Minando a Opressão

De Protopia
Ir para navegação Ir para pesquisar
Receitas Para o Desastre
CrimethInc


Instruções

Pergunte a um pássaro urbano o que é um céu poluído. Você não receberá uma resposta. Mesmo se os pássaros pudessem contar as suas histórias de forma que você conseguisse entender, eles provavelmente não teriam uma explicação para os poluentes que eles respiram e nos quais voam em todos os momentos das suas vidas. O ar poluído simplesmente existe. Os pássaros acham que é assim e ponto.


O primeiro passo para se combater a opressão é aprender a reconhecê-la. Muitas pessoas no Ocidente pensam que racismo, por exemplo, é coisa do passado, agora banido por programas de ação afirmativa. Os radicais geralmente têm mais consciência de como o racismo ainda predomina, e podem até desenvolver uma análise sobre como ele é apenas uma manifestação da supremacia branca sistemática, mas muito não vão além disto. Para minar e finalmente abolir a opressão, é necessário confrontar e acabar com ela em nós mesmos e nos outros.


Existem quase tantos tipos de opressão como existem facetas de nossas complexas identidades; alguns tipos são baseados em traços visíveis como raça ou sexo, outros não. Felizmente, existem também ferramentas que podem ser usadas para identificar, resistir e demolir todos eles.


Ao longo desta receita, nós nos focamos na supremacia branca para oferecer exemplos concretos, embora ela não seja necessariamente mais difundida ou nociva que o patriarcado ou qualquer outra forma de opressão. Opressão e privilégio se entrelaçam de formas extremamente complexas; racismo, classismo, heterossexismo, preconceitos por capacidade, idade e outros se sobrepõem e se estendem por todas as esferas de nossas vidas. O ativismo tradicional de um assunto se foca em contestar uma manifestação de opressão por vez: lutando contra o complexo prisional-industrial, opondo-se à exploração corporativa dos trabalhadores assalariados, desafiando políticas extrangeiras específicas. Esse ativismo pode se beneficiar muito de uma compreensão holística da opressão e de como ela funciona ― neste exemplos, como a repressão estatal, capitalismo e imperialismo todos são fundados sob a opressão e o privilégio. Qualquer que seja o foca que escolhemos, é importante ter consciência das diversas formas de opressão e desafiá-las em todos os níveis.


Raiva, Silêncio e Culpa

Trabalhar contra as manifestações tanto institucionais quanto pessoais da opressão pode ser emocionalmente intenso e desafiador. Enquanto aprendemos a reconhecer e lutar contra a opressão, provavelmente iremos encontrar e vivenciar grande ressentimento, arrependimento e tristeza.


Muitas pessoas ficaram profundamente feridas e enraivecidas durante as suas experiências de opressão, e esses sentimentos de mágoa e raiva podem ser difíceis para os outros escutar. Mesmo quando as formas que eles escolhem para expressar esses sentimentos parecem improdutivas ou provocantes para aqueles que não compartilham a sua experiência, é importante que eles tenham apoio ao fazê-lo ― de outra forma, como as pessoas aprenderão umas com as outras e ganharão perspectiva sobre si mesmas? Se ódio e dor são difíceis de se escutar, imagine o quanto mais difícil é para quem tem que viver com eles e expressá-los!


Da mesma forma, lutar contra o racismo e contra a supremacia branca não é uma questão de simplesmente aprender a não dizer a coisa errada. Na pior das hipóteses, aspirantes a revolucionários podem abordar esses assuntos de uma maneira interesseira, concentrando-se em como evitar ser acusado de racismo e privilégio ao invés de se concentrar em realmente combatê-los. Se quisermos realizar mudanças reais na nossa sociedade, é melhor lidar com tudo abertamente, por mais besteiras que façamos, do que ficar em silêncio com medo de nós mesmos e uns dos outros.


Aqueles planejam contestar os seus próprios privilégios irão inevitavelmente lutar contra sentimentos de culpa. Esses sentimentos podem ser recursos poderosos; eles também podem paralisar e incapacitar. A culpa pode motivar alguém a agir de acordo com a sua consciência, cultivando a auto-consciência e coragem; ela também pode aprisionar alguém em um círculo fechado de auto-recriminação. Quando as pessoas que possuem privilégios focam o seu pensamento sobre opressão na sua própria culpa, pode ser uma forma de recentralizar as suas próprias experiências, deixando de lado as experiências daqueles que sofrem o impacto das injustiças e a questão do que pode ser feito.


Quando for lidar com a culpa, comece analisando o que é que faz você se sentir culpado, e rapidamente comece a se perguntar que coisas concretas você pode fazer para corrigir a situação. Foque-se nisto, ao invés de focar-se na culpa e na auto-flagelação. Por mais que você seja cúmplice nos sistemas opressivos, por mais que você se beneficie do status quo do que os outros, você também merece, você também é único, você também sofre, assim como todos outros ― isso não está em discussão. A questão é o que você pode fazer para deixar de ser cúmplice, para parar de se beneficiar às custas dos outros.


Entendendo O Que É Opressão

Opressão é uma rede de forças e barreiras que não são acidentais nem ocasionais e, portanto, são evitáveis, mas relacionadas sistematicamente de forma a prender as pessoas dentro e entre elas, restringindo e penalizando o movimento em qualquer direção. A experiência de ser oprimido é similar à experiência de ser enjaulado ― todos os caminhos, em todas as direções, estão bloqueados.


Imagine uma gaiola para pássaros. Se você olhar bem de perto um dos arames da gaiola, você não pode ver os outros arames. Você pode examinar aquele arame, para cima e para baixo, e ser incapaz de descobrir por que as aves simplesmente não o contornam ao seu bel-prazer. Não existe nenhuma propriedade física em nenhum dos arames, nada que um exame mais minucioso descobriria, que revelaria como um pássaro pode ser inibido ou prejudicado por ele. É somente quando você dá um passo atrás para ver toda a gaiola que você consegue perceber por que o pássaro não vai a lugar algum. Então se torna claro que ele está cercado por uma rede de barreiras sistematicamente relacionadas, nenhuma das quais, sozinha, seria um empecilho ao seu voo, mas que, em conjunto, são tão sólidas quanto as paredes de uma masmorra.


A opressão pode ser realmente difícil de se ver e de reconhecer: podemos estudar os elementos de uma estrutura opressiva com muito zelo sem ver a estrutura como um todo, e portanto sem se dar conta de que estamos olhando para uma jaula.

Com esta compreensão da opressão, podemos distinguir entre os termos opressão e dominação. Dominação ocorre quando um indivíduo ou grupo coage, controla ou intimida outros. A dominação é nociva em todas as suas formas, mas nem toda dominação é opressão. Dominação é ser bloqueado por um único arame de uma gaiola. Por exemplo, quando o único garoto branco em uma escola de negros é provocado e até mesmo agredido fisicamente, estes são atos de dominação, não de opressão. Alguns chamariam isso de racismo invertido, mas esse expressão engana: sugere que o menino branco está sofrendo a mesma coisa que os estudantes negros passam ao crescerem em um sociedade dominada por brancos, o que não é o caso. A opressão não são apenas casos individuais de dominação, preconceito ou ignorância; é a concessão sistemática de dar privilégios a um grupo ao invés de outro. Não é possível que um grupo mais privilegiado seja oprimido por um grupo menos privilegiado, portanto o termo racismo inverso é uma contradição.


De algumas formas, termos como racismo e sexismo também nos enganam: eles não conseguem mostrar o fato de que em todo caso de opressão, há tanto um grupo privilegiado como um grupo alvo. Ao usarmos essa linguagem, podemos ignorar o papel que temos nestes sistemas de opressão. O racismo parece uma simples questão de preconceito e ignorância, mas o problema é mais profundo que isto: é a centralização da brancura em nossa cultura, o que se descreve melhor com um termo como supremacia branca. A supremacia branca moderna é um sistema de longo prazo, perpetuado institucionalmente, de exploração e opressão de continentes, nações e pessoas de cor. Pessoas e nações brancas tiranizam as outras para manter e defender um sistema de riqueza, poder e privilégio. Ao usarmos uma linguagem que indica isso, podemos identificar claramente onde ficam os privilégios e o que realmente está em jogo.


Identidade

A cultura ocidental usa uma lógica binária para classificar as coisas e as pessoas. Desde a infância aprendemos opostos tais como dia/noite, bom/mau, menino/menina, e entendemos cada palavra tendo um significado somente em relação ao seu oposto. Bom significa a total ausência de coisas más, menino significa a total ausência de coisas de menina: meninos são ensinados a serem meninos em grande parte sendo desencorajados de todos os comportamentos considerados de menina. Quando estamos crescendo, nós aprendemos os diversos dualismos que enquadram as formas como vemos a nós mesmos: feminino/masculino, homossexual/heterossexual, imigrante/nativo, criança/adulto, velho/jovem, transexual/sexo normal, cor/branco.


Estes dualismos contribuem para uma concepção do mundo que é simplória demais, até mesmo puramente falsa. Nenhum de nós incorpora os extremos que eles definem. Assim mesmo, nós tentamos nos encaixar nessas caixas rígidas que essas palavras delimitam, para que possamos encontrar palavras para descrever que somos nós e viver de acordo com as palavras que descrevem o que vale a pena ser. No processo, construímos nossas identidades individuais, nosso senso de ser, cuja definição então cria outro dualismo: a dicotomia eu/outro. Ao definirmos rigidamente quem eu sou, nós nos separamos de todo o resto que dizemos que não é como nós, como "outro".


Assim como cada um de nós tem um eu individual, nossa sociedade tem um eu cultural. O eu cultural busca representar a experiência social que mais prevalece, embora a perspectiva que ele represente seja na verdade a de uma pequena minoria, se é que representa alguém. O eu cultural é branco, homem, com corpo inteiro e saudável, heterossexual e toda outra característica definida como "normal", e é codificado em nossa sociedade através de várias deixas visuais e linguísticas: os rostos que vemos em grande quantidade na grande imprensa, os significados implícitos em palavras como história* e humanidade. O eu cultural pode ser reconhecido no que não é dito, mas pressuposto: filosofia significa filosofia ocidental, história significa a história da Europa e suas colônias. Os pressupostos de que algumas pessoas não têm sotaques, de que apenas comunidades não-brancas são grupos étnicos, essas são ambas evidências do eu cultural em ação; o mesmo vale para o costume de se referir a não-brancos, mulheres e outros grupos como "minorias", apesar do fato óbvio de que eles são a maioria da população. As metades dos binários que são normalizados desta forma são tidos como certo por ser o padrão ― mesmo que, como as atrizes loiras nas novelas mexicanas, eles sejam extremamente incomuns ― e nós apenas especificamos os aspectos das identidades das pessoas quando elas desviam da norma.


  • - Em inglês, "history", onde "his" significa "dele" e "story", história, ou seja, "história dele".


Privilégio

Quer queiram ou não, membros dos grupos sociais dominantes possuem vantagens injustas sobre os membros de grupos menos privilegiados. O privilégio depende da existência de hierarquia: um desequilíbrio de poder se estendendo através da sociedade, fornecendo para alguns grupos demográficos mais recursos, influência e conforto do que para outros. As maquinações da hierarquia são justificadas pelo pensamento supremacista, como a idéia de que alguns grupos trabalham mais duro, estão mais bem equipados ou merecem mais que os outros; eles também estão cegados pela inconsciência que vem junto com a identificação com o eu cultural. O privilégio pode ser praticamente invisível para aqueles que o possuem; e é quase sempre é dolorosamente óbvio para quem não o possui.


Entretanto, as dinâmicas sociais nunca são tão simples a ponto de podermos facilmente dividir as pessoas entre opressores e oprimidos. Qualquer indivíduo pode compartilhar do privilégio em uma situação, e sofrer com a sua ausência em outra. Faz mais sentido nos focarmos nas formas com as quais alguns se beneficiam e outros sofrem de acordo com critérios específicos, ficando atentos para ver como eles mudam em contextos diferentes. Um grupos de pessoas em que todas se identificam como mulheres de cor pode ser composto de diferentes religiões, gêneros, histórias de classe, línguas nativas, etnias, orientações sexuais e condições de saúde mental, e vivem os desequilíbrios de poder de acordo. Da mesma forma, é um erro pensar na opressão como existente em uma hierarquia de seriedade, ou argumentar que algumas manifestações da opressão são meras subseções de outras; fazer isso trivializa as experiências únicas dos seres humanos, que não podem ser medidas ou reduzidas a abstrações.


Muitas pessoas privilegiadas pensam ser auto-suficientes, presumindo que elas vivem em uma meritocracia e que tudo que elas têm na vida são resultado do seu trabalho duro ou do de suas famílias. Ao fazerem isso, eles ignoram as vantagens institucionais e culturais das quais se beneficiam. Para fazer as contas de quais vantagens você pode ter em termos de privilégios raciais, veja quantas dessas afirmações refletem a sua experiência:


  • Eu posso, se quiser, arranjar uma forma de ficar na companhia de pessoas da minha raça a maior parte do tempo.
  • Eu posso ligar a televisão ou abrir as páginas do jornal e ver pessoas da minha raça amplamente representadas.
  • Eu posso ter certeza que os meus filhos serão ensinados com um material curricular na escola que testemunhe a existência da sua raça e a história e feitos de outros do mesmo passado racial.
  • Eu posso entrar em uma loja de música e esperar encontrar música feita por outros da minha raça, em um supermercado e encontrar alimentos que se encaixem na minha tradição cultural, em um cabeleireiro e encontrar alguém que saiba trabalhar com o meu cabelo.
  • Quer eu use cheques, cartões de crédito ou dinheiro, eu posso contar que a cor da minha pele não irá dar uma impressão negativa na minha aparência de confiabilidade financeira.
  • Eu posso falar palavrão, me vestir com roupas usadas ou não responder a cartas sem que as pessoas atribuam essas escolhas a uma moral má, pobreza ou alfabetização da minha raça.
  • Eu posso me sair bem em uma situação de confronte sem ter minha raça mencionada nela.
  • Eu nunca sou convocado para falar em nome de todas as pessoas do meu grupo racial.
  • Eu posso criticar o governo dos EUA e falar sobre como eu temo as suas políticas e comportamento sem ser imediatamente visto como um estrangeiro cultural.
  • Eu posso ter quase certeza de que seu eu pedir para falar com a "pessoa responsável" eu irei conversar com uma pessoa da minha raça.
  • Se o meu dia, semana ou ano está sendo uma droga, eu não preciso ficar pensando se cada episódio negativo teve ou não uma conotação racial.


Para ter mais perspectiva, cheque a lista novamente, substituindo "raça" por etnia, sexo, gênero, idade, forma, e assim por diante. É claro, nenhuma pessoa branca vivência o privilégio branco exatamente da mesma forma que outra, assim como nem todo homem se sente mais seguro caminhando à noite que todas as mulheres. Algumas pessoas tomaram certas decisões em suas vidas e como resultado não usufruem dos privilégios cotidianos aproveitados por outras pessoas de seu grupo demográfico: pode ser tão provável deum motorista de táxi recusar-se a fazer a parar para um homem branco com tatuagens faciais quanto para um homem negro sem elas. Mas o privilégio, em um nível mais profundo, não é tão facilmente deixado de lado. O homem branco, em um extremo, pode remover as suas tatuagens, enquanto o homem negro sabe que os desafios que ele confronta em uma sociedade racista são inescapáveis. Um mulher de uma família de classe média pode escolher uma vida de pobreza e até mesmo morar na rua, mas o fato de que ela possui conexões com pessoas que podem ajudá-la em uma emergência torna a sua experiência muito diferente daquela de um sem-teto com um passado de pobreza. Da mesma forma, as vantagens que vêem junto com a criação em um ambiente privilegiado permanecem durante toda a vida, não importa o que aconteça. Pessoas com passados privilegiados que escolhem um caminho de exílio no qual vivenciam a alienação e a perseguição podem através dessas experiências imaginar como é a vida para quem nunca teve essas vantagens em primeiro lugar.


Ao invés de negar os privilégios que possuímos ou imaginar que poderíamos lavar as nossas mãos deles e portanto da nossa cumplicidade na opressão, faz mais sentido usarmos nossos privilégios, quaisquer que sejam, para minar os privilégios em geral. Uma forma de fazer isto é descobrir maneiras de colocá-los à disposição de outras pessoas que possam se beneficiar deles (veja Solidariedade e Construindo Coalizões). Nós pelo menos devemos ter consciência das vantagens injustas que possuímos, e levá-las em consideração em nossas interações com os outros; mas simplesmente aprender a reconhecer e a listar os nossos privilégios enquanto seguimos lucrando com eles não constitui num luta eficiente contra a opressão.


Reclamando Identidade: Políticas de Identidade

Uma medida clássica de auto-afirmação têm sido reivindicar as caixas dentro das quais nos colocam, reinterpretando-as como identidades politizadas. Ao nos conectarmos com outros como nós, descobrimos a validação das nossas experiências e perspectivas, e companheiros com quem lutar contra as forças que oprimem nós e os outros.


O assunto da identidade realmente é complexo. A identidade de uma pessoa não é um conjunto de essências fixas, mas uma intersecção fluida de processos sociais, políticos e psicológicos. Embora as identidades impostas sobre nós por esta sociedade possam não refletir o que nós consideramos nosso verdadeiro eu, nós devemos nos casar com elas para subvertê-las. Quer nós queiramos ou não que este seja o caso, nossas experiências são moldadas pelas maneiras como os outros nos percebem, então pode ser útil nos organizarmos com aqueles que compartilham as nossas experiências.


Mesmo em encontros de revolucionários ou outros que pressupõe-se que sejam conscientes sobre o racismo e a supremacia branca, as pessoas de cor podem se sentir alienadas, por exemplo, quando têm uma grande diferença de números entre aqueles que têm o privilégio branco em comum e aqueles que não o têm. Em tais situações, uma opção é pedir um "caucus" ou estabelecer um "espaço mais seguro" onde as pessoas de cor convidam outras que também se identificam para se reunir e interagir em um espaço exclusivo, ou pelo menos tiram uma folga da experiência potencialmente desgastante que é ser uma minoria que têm que lidar com dinâmicas de poder desiguais. O propósito disto não é excluir aqueles que não se identificam como pessoas de cor. É, em vez disso, uma forma para aqueles que se sentem excluídos, marginalizados ou vitimizados em ambientes nos quais quem dá o tom são grupos mais privilegiados, se reunirem, apoiarem uns aos outros e se organizarem como quiserem. Pode ser um alívio tirar uma folga dos desafios de interagir com outros com quem não se compartilha referências de opressão, e do sentimento de pressão da observação e expectativa dos outros. Finalmente, é do interesse de todos em um grupo que todos os indivíduos dentro dele se sintam confortáveis e auto-confiantes.


Você pode mostrar respeito pelos outros aprendendo como eles identificam a si mesmos ― como porto-riquenhos ao invés de hispânicos, por exemplo ― e usando estes termos de acordo.


Caucus e lugares mais seguros não precisam ser exclusivos para pessoas de cor, é claro: todos que acham que podem se beneficiar desse modelo podem empregá-lo. Eles também não precisam acontecer somente em reuniões de revolucionários de curta duração: pode ser uma boa ideia ter caucus semanais em uma comunidade, ou mensais em um coletivo, ou pedir um na organização de um evento. Casas só para mulheres podem oferecer um espaço seguro em tempo integral, rádios só para jovens podem dar oportunidades para que os indivíduos desenvolvam suas vozes únicas, revistas e grupos de ação só para homossexuais podem pôr em prática campanhas de longo prazo. Desta forma, as identidades que marcam grupos alvo de opressão podem se transformar em locais de resistência a ela.


Auto-Afirmação

Cobrindo a superfície desta sociedade encontra-se uma complexa rede de regras e normas detalhadas na qual as mentes mais originais e a personalidades mais enérgicas mal conseguem penetrar. A vontade das pessoas não está despedaçada, mas amaciada, curvada e submissa. Nós raramente somos forçados a agir, mas somos constantemente impedidos de agir. Essa repressão não destrói, ao invés disso impede a existência; ela não tiraniza, mas comprime, sufoca e idiotiza, para que todo indivíduo cresça e se torne um carneirinho obediente que não precisa de nenhum pastor para ficar dentro do cercado. Isto não é repressão política, que precisa da polícia secreta e de campos de prisioneiros, mas repressão cultural, na qual as pessoas policiam e aprisionam a si mesmas.


É simplista demais imaginar controladores sociais individuais nos escalões mais altos do poder como a fonte de toda opressão. A supremacia branca, por exemplo, não é apenas os cassetetes dos policiais brancos, nem os clubes de golfe dos executivos. O poder branco não é apenas o poder das pessoas brancas: é um sistema de dinâmicas que se estende através de todos os níveis da sociedade, presente em todas as interações e dentro de cada indivíduo. É por isso que pode existir privilégio branco mesmo em nações onde ― de acordo com os padrões convencionais europeus e norte-americanos ― ninguém é, tecnicamente falando, branco. Da mesma forma, não existe um inimigo externo contra o qual podemos marchar para acabar com o patriarcado; nós estamos dentro do território inimigo, e o inimigo está dentro de nós. Ao mesmo tempo em que lutamos contra manifestações externas da opressão, devemos também lutar contra a opressão que temos internalizada, colocando um fim às nossas próprias ações opressivas e nos auto-afirmando para nos livrarmos dos grilhões que recebemos.


Aprender a aceitar críticas de forma construtiva ― mesmo quando é difícil sentir que a intenção dela era ser construtiva ― é uma importante parte disto. Se formos defensivos demais para termos uma perspectiva das nossas próprias atitudes e conduta, perderemos inúmeras oportunidades de auto-aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo, devemos aprender a reconhecer a voz do opressor na nossa própria cabeça, nos dizendo o que podemos ou não fazer, o que merecemos ou não merecemos. Um grupo encorajador e inspirador de apoiadores pode ajudar a regirmos contra esta opressão internalizada.


Sendo um Aliado

Aliar-se com outros na luta contra o racismo ― só para dar um exemplo de opressão ― é reconhecer que o racismo existe dentro de nós sem nos resignarmos a este fato, e nos engajar na verdadeira resistência que vai além da confissão de nossa cumplicidade pessoal. É aceitar que nós que temos a dominância racial internalizada nunca entenderemos completamente a situação daqueles que sofrem as injustiças da supremacia branca mais do que nós, e ainda fazermos tudo que podemos para aprender com a experiência deles. É assumir um papel ativo na luta contra as instituições racistas, sem pôr em risco a autonomia daqueles que têm mais a perder do que nós nesta luta.


As pessoas às vezes pressupõem que os meios para se aprender sobre racismo estão escassos. Este é um pressuposto absurdo, talvez até mesmo racista, pois ignora a abundância de experiências ao nosso redor. Para obtermos uma compreensão do funcionamento da supremacia branca, não precisamos participar de diversas oficinas ou nos envolvermos em uma subcultura obscura; de fato, existem razões para suspeitarmos de organizações anti-racistas nas quais especialistas brancos são os primeiros a educar e organizar. Não existem especialistas sobre opressão ― ou ainda, todos que sofrem opressão são especialistas. Mesmo que você tenha sido tão privilegiado a ponto de não tê-la sofrido você mesmo, existem pessoas ao seu redor que sabem em primeira mão o que é carregar o peso das injustiça e desigualdade racial. Você simplesmente precisa aprender a escutar eles, e se comportar de tal maneira que eles terão vontade de compartilhar as suas experiências com você.


Ao mesmo tempo, nenhuma pessoa que seja uma vítima maior do sistema racista do que você tem a obrigação de gastar seu tempo para lhe ensinar sobre racismo. Eles já têm problemas suficientes sem você se sentindo apto a fazer afirmações ou exigências. Muitas pessoas de cor estão exaustas de lhe pedirem, durante toda a sua vida, para que falem em nome de todos os membros de sua raça, ou até em nome de todas as raças não-brancas. Sempre que pessoas menos privilegiadas do que você estão dispostas a usar o seu tempo para compartilhar as suas perspectivas, elas estão dando um presente generoso, maior do que jamais se poderia pedir deles e deve ser levado em consideração. Enquanto isto, sempre que você precisar aprender sobre racismo e supremacia branca e não sabe quem abordar, você sempre pode consultar o vasto conjunto de literatura, filmes, música e história escritos por aqueles com passado menos privilegiado que você. Aspirantes a anti-racistas de todas as idades, acostumados a escutarem as opiniões da população branca sobre quase todos os assuntos, se beneficiariam ao receber conhecimento das mais diversas fontes. Programados como fomos por esta sociedade racista, temos uma dívida com nós mesmos e com os outros para começar a aprender o resto da nossa história e cultura.


Educar-se é um ponto de partida crucial, mas não é suficiente para ser um bom aliado: é preciso fazer uso desta educação na prática. Depois de aprender as formas com as quais os grupos privilegiados dominam os outros, é preciso tomar medidas para acabar com estas atividades. Isso pode ser tão simples como um homem aprender a não interromper mulheres em uma conversa, ou tão complexo quanto um grupo de inquilinos brancos unindo-se à luta contra a gentrificação de um bairro predominantemente negro.


Finalmente, para ser um aliado, precisamos fornecer apoio concreto àqueles no fronte da luta contra a opressão (novamente, veja Construindo Coalisões e Solidariedade). Ao fazer isso, uma pessoa privilegiada deve ser cuidadosa para não tentar assumir o controle, como ela foi condicionada a se sentir merecedora de o fazer, mas ao invés disso, deve esforçar-se para fornecer apoio aos outros de acordo com os seus desejos expressos. Acima de tudo, para ser um aliado é preciso ficar sensível, tanto às necessidades dos outros como às tragédias no mundo à sua volta, e colocar a sua indignação à disposição daqueles que sofrem estas tragédias.


Dinâmicas de Grupo

A opressão não é um problema individual, mas um fenômeno social; e assim, enquanto indivíduos podem tentar desconstruí-la dentro de si mesmos e apoiar outro que lutam contra ela, o esforço mais importante contra as dinâmicas opressivas acontece em grupos sociais.


As dinâmicas hierárquicas de poder são comuns até mesmo em grupos de afinidade, coletivos e outros grupos que aspiram atividades revolucionárias. Muitas comunidades possuem indivíduos dominadores ou agressivos que, ao falar ou agir, impedem que os outros o façam. Eles oferecem as suas opiniões sobre todos os assuntos, assumem a organização de todos projetos, aproveitam todas as oportunidades para falar em nome dos outros. Esses indivíduos dominadores podem acreditar que estão fazendo a maior parte do trabalho porque ninguém mais o faria se eles não o fizessem; mas existe também a possibilidade de que eles estão criando um ambiente no qual os outros não têm vontade de lutar por espaço para agir. Sozinho, este comportamento é só dominação; mas quando soma-se a isso os privilégios dos quais muitos indivíduos dominadores abusam e perpetuam, pode-se reconhecer como ainda outra manifestação da opressão.


Os indivíduos precisam desenvolver auto-consciência para resistirem à situações sociais em que se sentem tentados a dominar e para prevenir que outros os dominem. Existem também ferramentas que os grupos podem usar coletivamente para este fim. Assuntos simples, como quão acessíveis os horários e locais de reuniões são para diferentes grupos demográficos e se existe serviço de creche, podem determinar que será ou não capaz de participar em projetos e círculos sociais específicos. Em reuniões (veja "Facilitando Discussões" em Grupos de Afinidade), um grupo pode dar prioridade de fala para aqueles que têm falado menos, ou para aqueles que são mais diretamente afetados pelo assunto em questão. Discussões podem ser organizadas em um formato que encoraje a participação igual de diferentes grupos: por exemplo, mulheres e homens podem se alternar falando, para que se escute um número igual de vozes femininas e masculinas. Não podemos esperar que nenhuma estrutura seja melhor do que as pessoas que a usam ― não há substituto para a auto-confiança e sensibilidade ― mas tais convenções podem ser um passo para se chegar em dinâmicas mais naturalmente igualitárias.


Outro formato útil para se resolver conflitos ou dar perspectiva a um grupo sobre as suas dinâmicas internas é chamado às vezes de "aquário". Este exercício é como os "caucus" ou espaços mais seguros por reservar um espaço e um tempo para cada grupo demográfico dentro do grupo falar, mas neste caso o resto do grupo está presente, escutando mas não participando da discussão. Isso pode ser uma oportunidade tremendamente instrutiva para os privilegiados aprenderem sobre as experiências dos outros, e para aqueles que enfrentam desafios ao trabalhar com indivíduos privilegiados se dirigirem a eles; ao mesmo tempo, esta prática deve ser utilizada com cuidado, pois pode fazer as pessoas se sentirem vulneráveis.


Ninguém gosta de se sentir usado ou exposto por causa da cor da sua pele ou outra característica do tipo. É um erro que muito cometem ao tentar tornar as suas comunidades mais receptivas aos "outros". Recrutar pessoas de cor, mulheres ou outros grupos menos privilegiados para provar a sua dedicação ao esforço anti-opressivo, ou pedir que eles falem como "a minoria" em reuniões e conversar, pode ser comportamento opressivo.


Nutrindo Relacionamentos

Desenvolver relacionamentos com aqueles que possuem menos privilégios não é garantia de que nós vamos lidar abertamente e consistentemente com raça ou qualquer outro assunto. Muitas vezes, as pessoas alegam entender as experiências de outro grupo devido a um alto grau de exposição a eles: "Mas meu melhor amigo é negro!", "Mas meu padastro não nasceu aqui!" O relacionamento de uma pessoa branco com uma pessoa de cor nunca pode ser prova ou credencial de consciência anti-racista.


Mesmo assim, trabalhar para desmontar as barreiras institucionais, culturais e pessoais que nos mantém alienados uns dos outros é fundamental se quisermos minar a supremacia branca e outras formas de opressão. Podemos ter que aceitar que sempre haverão mais barreiras para serem removidas, mas ao removermos aquelas que somos capazes, aprendemos e crescemos de maneiras revolucionárias. Relacionamentos significativos que transcendem barreiras e construções podem oferecer um gostinho do mundo que de outra forma a opressão nos nega. Construir amizades e alianças com pessoas cujas experiências de opressão sejam diferentes das nossas é muito mais do que uma estratégia para alcançar fins políticos específicos; é também uma forma de viver a vida mais plenamente e fazermos a nossa parte para tornar possível que outros façam o mesmo.


Se você precisa falar para as pessoas sobre aspectos potencialmente opressivos do seu comportamento, será mais fácil para eles escutarem sem ficar na defensiva se você o fizer de forma construtiva e respeitosa, em um ambiente privado e onde haja pouca pressão.