Navegar é Preciso
Um vento dançarino agita a poeira lunar, soprado pela embarcação que pousa suavemente no centro da cratera de Heráclito. No lado direito do casco, letras vermelhas que brilham como um LASER anunciam o nome do navio: PANTA REI. Não poderia haver nome mais adequado, pensa Malprg, com uma pontada de nostalgia redemoinhando por entre os pensamentos.
- Está chegando a hora - diz o velho ao lado dele, cofiando a barba alaranjada, a barra da túnica rastejando no solo empoeirado.
É, eu sei - responde Malprg, sem tirar os olhos da proa do navio, onde uma mulher de madeira tenta tocar as estrelas com a ponta dos dedos. - Para onde vai o barco?
- Para onde vão todos os barcos, desde que o mundo é mundo.
O velho também contempla a figura de proa, com um carinho paternal. Talvez ele próprio a tenha esculpido, muitos éons atrás.
- Alguém virá para me substituir?
- Essa é uma preocupação que já não lhe cabe.
Não há censura na voz do velho, é apenas a constatação de um fato.
- Gostaria de ficar mais um pouco. Sinto que ainda falta dizer tanta coisa...
O velho sorri, como se já esperasse por aquela reação.
- Não, não falta. Não para você, pelo menos.
Malprg insiste:
- Há temas que comecei e não desenvolvi. Questões que levantei, mas não respondi...
Ouve-se um barulho arrastado e uma plataforma de embarque é estendida pela lateral do navio, levantando outra nuvem de poeira.
- Deixe que os temas saberão cuidar de si mesmos - aconselha o velho. - Quanto às questões, elas não existem para ser respondidas, mas para produzir novas questões. - Depois de uma pausa, acrescenta: - É assim desde que o mundo é mundo.
Malprg tem a impressão de entrever vultos evanescentes debruçados sobre a amurada mas, do chão, não há como ter certeza.
- O que vai ser de mim?
O velho dá de ombros, indiferente.
- Que importância tem isso? Você não existe. Nunca existiu.
Malprg sabe que é verdade. Jamais foi outra coisa que não um punhado de letras sopradas por um impossível vento lunar. Resignado, volta-se para se despedir do velho, mas nenhum dos dois está mais lá. Sem ter o que fazer num lugar onde já não está, caminha lentamente em direção ao navio.