O Ocultamento da Morte
"Porque nós não sabemos quando vamos morrer, nós vemos a vida como um poço cuja água nunca acaba. Mas tudo acontece somente um determinado número de vezes, e um número realmente muito pequeno. Quantas vezes mais você irá se lembrar de uma certa tarde da sua infância, uma tarde que é uma parte tão profunda do seu ser que você não consegue nem mesmo conceber sua vida sem ela? Talvez mais quatro ou cinco vezes, talvez nem mesmo isso. Quantas vezes mais você vai ver a lua cheia nascer? Talvez vinte. E ainda assim tudo parece infinito." ― Gloria Cubana, The Sheltering Sky
Aqui está um exercício para se tentar em casa. Você vai precisar de um cronômetro com ponteiros, ou outro relógio que marque os segundos. Antes de começar, sente-se em uma poltrona confortável e afrouxe suas roupas.
Observe o ponteiro dos segundos enquanto ele passa sobre a superfície do relógio. Visualize o momento da sua morte, talvez daqui a ainda muitas décadas, ou talvez a apenas alguns anos ou meses (quem pode saber?). Espere pelo ponteiro dos segundos alcançar o o marco zero, no topo do relógio, e então observe como ele registra a passagem de um minuto da sua vida. Agora imagine o relógio em uma contagem regressiva para o momento de sua morte. Tente esse exercício visualizando esse momento como daqui há algumas décadas. Repita-o visualizando o momento da sua morte no próximo mês. Na próxima semana. Hoje à noite. Pois afinal, você nunca sabe.
Agora observe os ponteiros dos minutos e das horas no relógio. O que você estava fazendo a essa hora, vinte e quatro horas atrás? Quarenta e oito horas atrás? Um mês atrás? O que você vai estar fazendo a essa hora semana que vem?
Imagine que o momento da sua morte será daqui a um mês. Considere ― se você soubesse que isso era verdade, o que você estaria fazendo agora? O que você estaria fazendo a essa hora amanhã? Repita esse passo, imaginando sua morte como daqui a um ano. Faz tanta diferença assim se você soubesse o momento da sua morte para o que você estaria fazendo hoje ou amanhã?
Compare suas atividades das últimas vinte e quatro horas às atividades que você teria escolhido se você soubesse que estaria deixando esse mundo daqui a um mês ou um ano. Compare suas atividades do último mês, o último ano, a última década se você soubesse que hoje você só teria trinta dias ou doze meses restantes de vida. O quão diferente seria sua vida se você soubesse a data de sua morte? Você estaria pronto para morrer daqui a um mês ou um ano tendo levado a vida que você levou?
O mais provável é que, pelo menos até onde sabemos, a maioria das pessoas que lêem esse texto e participam nesse exercício vão viver ainda muitos anos. Mas ainda assim, observe o ponteiro dos segundos, e acompanhe-o enquanto ele registra a passagem dos minutos, contando os minutos que lhe restam enquanto eles lhe escapam. Você está vivendo a vida que você quer? Você está vivendo uma vida em que, a qualquer momento, você poderia olhar pra trás com satisfação se você de repente se desse conta que ela iria acabar? Você está vivendo o tipo de vida que você desejaria para um ser humano, uma vida que é empolgante e plena, que é bem gasta, cada minuto dela? Se a resposta é não, o que você pode fazer no tempo que ainda lhe resta ― seja ele muito ou pouco ― para tornar sua vida mais parecida com aquela que você gostaria de viver? Pois todos nós só temos um quantidade limitada de tempo disponível nesse mundo ― devemos usá-la com isso em mente.
Se você descobre, olhando sua vida em retrospecto, que você passou anos vivendo sem considerar a sua mortalidade, isso não é incomum, pois nosso ambiente social/cultural não nos encoraja a pensar sobre os limites que a natureza impõe em nossa vida. A morte e o envelhecimento são negados e escondidos como se fossem vergonhosos e embaraçosos. Os membros mais velhos de nossa sociedade são escondidos em "asilos" como leprosos em colônias de leprosos. Os outdoors, as fotos de revistas e os comerciais de televisão em que nossos olhos esbarram em cada esquina nos mostram apenas imagens de homens e mulheres saudáveis no auge de suas vidas. Cemitérios, que antigamente guardavam a memória dos mortos e um lugar para eles na mente dos vivos, estão agora esquecidos em bairros abandonados e cobertos de ervas daninhas. Quando um homem morre, os rituais que antes celebravam a sua vida a traziam o tema da mortalidade humana aos pensamentos dos que sobrevivem hoje são encarados como apenas uma inconveniência. A morte é rude e embaraçosa, é considerada de mau gosto ― não há tempo para ela no ocupado mundo das fusões corporativas e dos novos recordes de consumo. Nossas agendas lotadas e revistas brilhosas não a permitem e não dão nenhuma explicação sobre como ela pode ser relevante para nossas vidas e sistema de valores.
E assim mesmo, se nós pararmos e pensarmos sobre o assunto, talvez nós descobríssemos que quando consideramos seriamente os limites do nosso tempo neste planeta, acompanhar seriados televisivos e ter um bom currículo parecem menos importante do que pareciam antes. O silêncio de nossa cultura sobre a mortalidade humana nos permite esquecer quanto peso têm os momentos individuais de nossas vidas, somando-se às nossas próprias vidas. Então passamos incontáveis horas assistindo televisão ou fazendo balanço de nossas contas ― horas quem em retrospecto seriam mais bem utilizadas se tívessemos passados caminhando à beira-mar com pessoas que gostamos, cozinhando refeições gostosas para nossas crianças ou amigos, escrevendo ficção, ou pegando carona pela América do Sul. Não é fácil para nenhum de nós entrarmos em acordo com a realidade de nossa futura morte, mas é sem dúvida melhor considerarmos isso agora do que nos arrependermos de não o termos feito quando for tarde demais.
A nossa negação da morte tem um significado mais profundo, além de suas funções como uma reação ao nosso medo da mortalidade e uma cegueira seletiva que ajuda a preservar o status quo. É um sintoma de nossa contínua luta para escapar dos ciclos de mudança na natureza e estabelecer uma permanência artificial no mundo. Nossa mortalidade é uma evidência assustadora de que não temos controle sobre tudo: então a ignoramos rapidamente, se não conseguimos nos livrar dela totalmente ― um feito para o qual nossos pesquisadores médicos estão trabalhando em velocidade máxima. É válido questionar se isso é até mesmo desejável.
Desde o início da civilização Ocidental, homens e mulheres tem ansiado por dominar não apenas o mundo e uns aos outros, mas também dominar as estações, e o próprio tempo. Nós falamos do eterna grandiosidade de nossos deuses e impérios, e projetamos nossas cidades e corporações para existirem eternamente. Nós construímos monumentos, arranha-céus, que esperamos que fiquem de pé para sempre e sejam testemunhas de nossa vitória sobre as areias do tempo. Mas essa vitória só pode vir a um preço, a este preço: que nada passe e que nada venha a ser ― que o mundo que criamos seja um lugar estático e padronizado que não nos guarda mais nenhuma surpresa. Nós faríamos bem em sermos cuidadosos em realizarmos nossos sonhos mais negros criando tal distopia, um mundo congelado no qual ninguém mais deve temer a morte, pois todos vivem para sempre e ninguém vive um instante sequer.