Outra cidade para outra vida

De Protopia
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Internacional Situacionista


A crise do urbanismo se agrava. A construção dois bairros, antigos e novos, está em evidente desenvolvimento com os modelos de comportamento estabelecidos, e ainda mais com os novos modos de vida que buscamos. Um ambiente amortecido e estéril é o resultado em nossa volta.

Nos bairros velhos, as ruas têm sido convertidas em pistas. O ócio está desnaturalizado e comercializado pelo turismo. As relações sociais se fazem impossíveis nestes. Unicamente duas questões dominam os bairros construídos recentemente: a circulação de carros e o conforto das habitações. São as miseráveis expressões de felicidade burguesa, e toda preocupação lúdica está ausente.

Diante da necessidade de construir rapidamente cidades inteiras, nos dispomos a construir cemitérios de concreto armado, em que grande parte da população está condenada a morrer de tédio. Agora bem, para que servem os inventos técnicos mais assombrosos que o mundo tem a sua disposição, se faltam condições para tirar proveito deles, se nada acrescentar ao ócio, se falta imaginação?

Nós reivindicamos a aventura. Ao não encontrá-la na terra, alguns foram buscá-la na lua. Apostamos sempre e, sobretudo, por uma mudança na terra. Propomos-nos a criar situações, e situações novas. Contamos com o romper das leis que impedem o desenvolvimento de atividades eficazes na vida e na cultura. Nos encontramos na aurora de uma nova era, e já tentamos esboçar a imagem de uma vida mais feliz e de um urbanismo unitário; o urbanismo feito para o prazer.

Nosso campo é por tanto a rede urbana, expressão natural de uma criatividade coletiva, capaz de compreender as forças criadoras que se liberam no ocaso de uma cultura baseada no individualismo. A nosso entender, a arte tradicional não poderá ter lugar na criação do novo ambiente em que queremos viver.

Estamos inventando novas técnicas; analisamos as possibilidades que oferecem as cidades existentes; fazemos maquetes e planos para cidades futuras. Somos conscientes da necessidade de utilizarmos todos os inventos técnicos, e sabemos que as construções futuras que empreenderemos terão que ser suficientemente flexíveis para responder a uma concepção dinâmica da vida, criando nosso redor em relação direta com tipos de comportamento em constante mudança.

Nossa concepção de urbanismo é social. Nos opomos à concepção de uma cidade verde, na qual arranha-céus espaçosos e isolados reduzirão necessariamente as relações diretas e a ação comum dos homens. Para que tenha lugar uma relação estreita entre o ambiente e o comportamento, é indispensável à aglomeração.

Quem pensa que a rapidez de nosso deslocamento, e a possibilidade de telecomunicação vão dissolver a vida comum das aglomerações conhecem mal as verdadeiras necessidades do homem. A idéia de uma cidade verde, que tem adotado a maior parte dos arquitetos modernos, opõem a imagem de uma cidade coberta na que ao separar os planos dos edifícios e das estradas, dão lugar a uma construção espacial contínua separada do solo, que compreenderá tanto conjuntos de alojamentos como espaços públicos (permitindo modificações de caminho segundo as necessidades do momento). Como toda a circulação, no sentido funcional, passará por debaixo ou pelos terraços superiores, serão suprimidas as ruas. A grande quantidade de espaços atravessáveis diferentes dos que se compõe à cidade formam um espaço social complicado e vasto. Longe de um retorno a ermos em tais construções, a imensa possibilidade de vencer a natureza e sunatureza da idéia de viver em um parque como outrora os aristocratas solitários, submeter a nossa vontade o clima, a iluminação, os barulhos nos diferentes espaços.

Entendemos por isso um novo funcionalismo que ponha ainda mais em evidência a vida utilitária realizada? Não se deve esquecer que, uma vez estabelecidas às funções, sucede-se o jogo. Desde muito tempo a arquitetura tem se convertido em um jogo com o espaço e o ambiente. A cidade verde carece de ambientes. Nós queremos, pelo contrário, utilizar mais conscientemente deles, e que correspondam a toda nossas necessidades.

As cidades futuras que estamos considerando oferecerão uma variabilidade inédita de sensações neste campo e haverá possíveis jogos imprevistos mediante o uso inventivo das condições materiais, como o ar-condicionado, a sonorização e a iluminação. Já existem urbanistas que estudam a possibilidade de harmonizar a cacofonia que reina nas cidades atuais. Não se tardará em encontrar nelas um novo campo de criação, assim como muitos outros problemas que se apresentarão. As anunciadas viagens ao espaço poderiam influir sobre este desenvolvimento, já que as bases que se estabelecem em outros planetas iniciarão de forma imediata o problema das cidades cobertas, que serão talvez o modelo de nosso estudo do urbanismo futuro.

Antes de qualquer coisa, a diminuição do trabalho obrigatório, para a produção através da extensão da automatização, criará uma necessidade de entretenimento, uma diversidade de comportamentos e uma mudança de natureza dos mesmos que chegaram forçosamente duma nova concepção de habitat coletivo que dispõe do máximo espaço social, ao contrário da concepção de cidade verde onde o espaço social se reduz ao mínimo. A cidade futura tem de conceber-se como uma construção contínua sobre pilares ou como um sistema ampliado de construções diferentes nas quais estariam suspensos locais de alojamento, de diversão, etc, e outros destinados à produção e distribuição, liberando o solo para a circulação e as reuniões públicas. A aplicação de materiais ultraleves e isolantes como os que são experimentados atualmente permitirá uma construção leve e que suporte muitos espaços. De forma que poderá construir uma cidade de várias camadas: porão, planta baixa, pisos, terraços, de uma extensão que pode variar a até um bairro atual de uma metrópole. Deve-se destacar que em tal cidade a superfície construída será de 100% e a livre de 200% (canteiros e terraços), enquanto que nas cidades tradicionais as porcentagens são de 80% e de 20%, e na cidade verde esta relação poder, no máximo, inverter-se. Os terraços formam um território ao ar livre que se estende por toda a superfície da cidade, e que pode dedicar-se ao esporte, à aterrissagem de aviões e de helicópteros, e ao mantimento de vegetação. Serão acessíveis por todas as partes mediante escadas e elevadores. Os diferentes pisos entrarão divididos em espaços vizinhos e comunicantes, condicionados artificialmente, que oferecerão a possibilidade de criar uma diversidade infinita de ambientes, facilitando a deriva dos ambientes e seus freqüentes encontros casuais. Os ambientes serão mudados regular e conscientemente com ajuda de todos os meios técnicos, mediante equipamentos de especializados criadores que serão, por tanto, situacionistas de profissão.

Uma das tarefas que estamos empreendendo é um estudo profundo dos meios de criação de ambientes e da influência psicológica dos mesmos. A tarefa específica dos artistas plásticos e dos engenheiros é levar a cabo estudos concernentes à realização técnica das estruturas equipadas e suas estética. O apontamento dos últimos sobre tudo é de uma necessidade urgente de fazer progresso no trabalho preparatório que nos propomos.

Ainda que o projeto que acabamos de trazer em grandes linhas corre o risco de ser considerado como um sonho fantasioso, insistimos no feito de que é realizável desde o ponto de vista técnico, desejável desde o ponto de vista humano, e que será indispensável desde o ponto de vista social. A crescente insatisfação que domina a humanidade alcançará um ponto em que nos veremos empurrados a executar projetos para que possuamos os meios e que poderão contribuir à realização de uma vida mais rica e completa.


Constant, 1959.


Publicado no nº. 3 da Revista Internacional Situacionista (1959) Segunda tradução, do espanhol para o português, por membros do coletivo Gunh Anopetil.



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