Performances de Guerrilha

De Protopia
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Receitas Para o Desastre
CrimethInc


Ingredientes

  • Uma banda, orador, microfone aberto, grupo de dança, baile mascarado, etc.
  • Um local utilizado para fins que não aquele que você tem em mente


Instruções

Talvez você já tenha ouvido falar em teatro de guerrilha, no qual atores vigilantes saem às ruas para levar a sua mensagem. Teatro de guerrilha é perigoso pois ele tira o drama dos palcos e o leva à vida cotidiana, onde ele tem o poder de irritar e desmascarar de maneiras que não podem ser descartadas como mera arte. Uma performance de guerrilha é similar: um concerto ou festa, que normalmente ocorreria em uma área socialmente designada e cuidadosamente controlada, ocorre em um ambiente que não está nem um pouco preparado para ele.


Uma performance de guerrilha é essencialmente um evento de Retomar as Ruas, com duas características que o distinguem: primeiro, tem um ato principal, e segundo, podem não ser as ruas que você está retomando. Defina os seus objetivos: o seu evento é para os transeuntes, ou para um círculo de escolhidos que irão seguir instruções codificadas para se encontrar em uma locação secreta? Vale a pena arriscar ser preso? Como você irá lidar com a polícia ou com proprietários, se eles tentarem interferir? Como você irá proteger o equipamento deles — ele pode ser utilizado de dentro de um veículo que poderá ser ligado e tirado do local ao primeiro sinal de problema? Onde se encontram as rotas de fuga, se existem? Escolha a sua locação cuidadosamente pela perfeita proporção entre perigo e potencial. Estações de metrô, lavanderias no tardar da noite, telhados e porões de prédios, parques e estacionamentos públicos, armazéns vazios, todos estes têm qualidade que os recomendam, e também riscos e defeitos para se ter em mente.


Algumas aplicações recentes bem conhecidas desta tática incluem raves subterrâneas, festas em armazéns okupados por uma noite; as festas Boston "T", nas quais pessoas ocupam vagões do bonde e fazem festa neles; e um concerto do Rage Against the Machine em frente da Convenção Nacional Democrática no verão de 2000, um evento autorizado e que, ao mesmo tempo, terminou em luta de rua contra a polícia. Organize um show punk em um barco para interromper um evento público na orla de um rio (como os Sex Pistols fizeram), faça apresentações subversivas de marionetes para crianças da burguesia em algum evento de queijos e vinhos no parque, faça jogos semanas de Capture a Bandeira no centro da cidade — apenas faça o que for necessário para tirar o entretenimento da jaula e colocá-lo em espaços onde ele possa ser vital novamente!


Relato

Nos panfletos estava escrito simplesmente "USA IS A MONSTER 14h" em letras garrafais. Havia meses, J. deveria ter agendado um show para uma banda noise, e nunca mais lembrou do assunto até uma semana antes da data que ele havia lhes prometido, quando ele se deu conta que estava encrencado e começou a buscar uma solução. Ele encontrou Z., que trabalhava no turno da noite em uma loja de conveniências 24h, chamada Handy Pantry, no nosso bairro.


Z. é um desses maravilhosos caras do lumpemproletariado que sabe quem são os seus inimigos e arranja empregos apenas para foder com os seus empregadores. Eu ouvi dizer que quando ele estava cansado do seu último trabalho (turno noturno na empresa de entregas UPS), ele pegou um pacote que havia sido despachado por uma empresa de chicletes, colocou-o na frente de uma câmera de vigilância, abriu, pegou um pedaço de chiclete, e, olhando direto para a câmera, começou a mascá-lo. Na manhã seguinte quando o gerente encontrou o pacote aberto, olhou nas câmeras de vigilância e viu Z. olhando direto nos seus olhos, mascando seu chiclete.


J. foi atrás de Z. e lhe disse que ele tinha esquecido de agendar um show para uma banda que estaria chegando no sábado. Z falou arrastadamente: "Bem, eu trabalharei todas as noites desta semana", e estava feito: USA Is a Monster tocaria na Handy Pantry às 14h na noite de sábado.


Agora, a Handy Pantry não é uma loja de conveniências isolada. É no meio da rua principal perto do campus universitário, um dos centros da vida noturna (se é que há tal coisa) de Greensboro, próxima de todas as cafeterias e restaurantes, e divide o estacionamento com o Kinko's... e com a delegacia de polícia da universidade. A delegacia fica a 60 metros de distância: você pode vê-la claramente pelas janelas da loja de conveniências. Então não estávamos nem falando sobre uma proposta arriscada, estávamos encarando a catástrofe certa e lhe oferecendo um convite formal. Eu acho que isso foi o que mais nos atraiu nesta idéia: mais do que qualquer Retomar as Ruas ou Massa Crítica do ano anterior, mais dos que as paradas do barulho ou do que qualquer invasão noturna que nós tivéssemos feito, isto era algo louco o suficiente para que os resultados não pudessem ser previstos, nem mesmo imaginados. Nós tínhamos que fazê-lo para nos lançar naquele espaço perigoso onde tudo é uma surpresa.


A notícia do show se espalhou muito antes de J. espalhar os panfletos, e na véspera todas bocas cochichavam sobre ele. J. e eu fomos a uma festa de despedida para M., que estava partindo para passar o próximo mês ensinando arte em outra cidade, e então fomos a um show na cidade próxima de Winston-Salem, em um armazém coletivo lá, no qual nós iríamos nos encontrar com o pessoal da USA Is a Monster. Eles apareceram por volta da meia-noite, justamente quando estávamos começando a ficar preocupados, e fomos até o estacionamento para traçar nossos planos.


Eles pareciam bons rapazes, e estavam se esforçando tanto quanto nós para agir como se isso fosse uma coisa normal para eles — mas, para a nossa surpresa, eles eram oito, incluindo dois bateristas com o kit completo, e um tecladista com equipamento eletrônico maluco. Não seria fácil fugir com o equipamento deles pela porta de trás quando os porcos aparecessem — não que houvesse uma saída por trás do estacionamento da Handy Pantry. Eles nos seguiram de volta a Greensboro no seu furgão, e eu fiquei o trajeto inteiro tentando dissuadir J. de suas apreensões: "Esta é a nossa chance de colocarmos o punk rock onde ele nunca deveria ter estado, onde ainda é perigoso. Este é o pagamento por todas as noites que tivemos que dar voltas olhando nada acontecer nessa cidade, cara — esta é a vingança por aquela bandeira que eles puseram na lua!" Quando nós chegamos, ele virou para mim, reafirmado, e declarou: "Vamos colocar Greensboro na história, cara."


Eu concordei. Por todos naqueles fim-de-mundo, não havia escolha senão tornar a Greensboro, que todos conhecíamos e odiávamos, história.


Havia mais ou menos sessenta pessoas dos mais diferentes tipos (punks, estudantes de arte, sem-tetos, um professor de meia-idade "entrevistando" pessoas com um microfone que não estava ligado em nada) alinhadas na curva enquanto nós carregávamos dois kits de bateria, quatro amplificadores e alto-falantes, um amplificador para voz e um microfone emprestado, e diversos outros instrumentos e equipamentos para dentro da loja. Os bateristas tinham esquecido das suas baquetas, ou perdido elas em shows anteriores ou algo do tipo, então eles acabaram batucando nos seus tambores com diversos lanches (espetinhos de carne seca, latas e garrafas de refrigerantes, pirulitos), pegando outro sempre que uma baqueta improvisada quebrava, espatifava ou se despedaçava. As primeiras notas da passagem de som foram tão altas que eu não acreditei que eles iam conseguir tocar nem mesmo por um minuto.


Você pode planejar performances de teatro de guerrilha em áreas públicas para passar ideias; utilize humor e choque, faça bom uso de objetos cenográficos e pontos de referência fornecidos pelo ambiente, recuse-se a admitir que a sua apresentação educativa é uma atuação. Por exemplo, no próximo Natal, vista-se como Papai Noel, e dê presentes dentro de uma loja de departamentos, até que os proprietários se dêem conta — pense na impressão que ficará nas crianças, quando a polícia as forçar a devolver os presentes e levarem embora o Papai Noel algemado!


Todos empurravam, amontoados nos corredores, e o barulho começou. Os membros da banda pulavam, quebrando coisas e caindo uns sobre os outros como se estivessem em um show em uma casa de shows normal, mas aqui isso era totalmente novo e perigoso, visceral, e música que poderia ser o padrão em outro lugar, de repente era a coisa mais forte, mais veemente que qualquer um de nós já tinha ouvido. Em um show normal a banda é quem assume os riscos, mas aqui todos estavam correndo risco, somente por estar ali na loja — e não apenas por causa da ameaça policial. Não há como eu descrever como era o sentimento de dar um passo para fora da realidade de costume e entrar naquele espaço, para fundir duas partes separadas da minha vida (a paixão pelo punk rock, a esterilidade de lojas de conveniências) que nunca deveriam se encontrar... tudo estava eletrificado, tenso e intenso, dez mil anos de cultura virados de cabeça para baixo por um instante.


Você pode fazer uma apresentação surpresa de um grupo de dança em um prédio comercial ou na franquia de sua escolha: os dançarinos entram um a um, com a sua fantasia festiva escondida sob disfarces facilmente removíveis, até que o último adentra com um grande aparelho de som portátil e aperta play.


Surpreendemente, a banda terminou uma música, os membros trocaram de instrumentos enquanto o grito da microfonia rasgava o ar, e então engataram outra música, esbarrando contra as prateleiras, batendo nos refrigeradores, puxando os cartazes de papelão sobre as suas cabeças e atacando pessoas — todos nós olhando nervosamente para trás e para a frente, entre eles e a delegacia de polícia. Alguns civis que tinham vindo comprar cigarros se juntaram à multidão deslumbrados. Algumas pessoas estavam arremessando petiscos, doces, quebrando coisas, destruindo o lugar; este foi o tópico mais controverso depois, pois os garotos que estavam fazendo isso eram principalmente garotos burgueses do subúrbio que não corriam nenhum risco e não estavam preocupados com o bem-estar de Z nem com nada. Outros, e isso era muito mais bonito para mim, estavam se dando conta de que nós éramos os donos do lugar por um momento e eles poderiam fazer o que quisessem, estavam pegando doces e outros produtos, olhando para eles, e então largando-os, dando-se conta de como eles não tinham valor algum, não importa qual fosse o preço, especialmente se comparados com o furor do que realmente estava acontecendo. Z., por sua parte, ficou placidamente no seu lugar atrás do balcão — pois a única câmera de vigilância da loja estava apontada para lá! A banda trocou de instrumentos novamente no meio da música, tocando notas aleatórias e gritando absurdos — alguém da plateia pulou atrás de uma das baterias, e começou a tocar como se fosse a coisa mais natural — outros o seguiram — e então olhares de terror espalharam-se pela sala, quando todos nós vimos as luzes piscantes de uma viatura da polícia que ali chegava.


E sabe o que mais? Nós nos safamos. Os porcos encostaram, olharam para dentro, e, vendo a sua loja de rosquinhas predileta queimando num pandemônio além de qualquer coisa na sua descrição de emprego, foram embora em desespero ou negação — basicamente nos dando autorização para tomarmos a cidade: pois se podíamos fazer isso tão facilmente, então o que mais? "Devemos sair daqui?" gritou um dos integrantes da banda, agarrando um pedestal de prato. "Não, cara, ele foram pegar a Black Mariah", falou arrastadamente Z., "continuem tocando". A banda tocou por mais vinte minutos, até que todos tivessem satisfeitos que tínhamos feito o que tínhamos nos proposto; os camburões nunca apareceram. Ainda com a cabeça girando em um delírio de adrenalina, nós rapidamente empacotamos todo o equipamento pela porta de trás e colocamos dentro do furgão, enquanto quem morava na cidade saiu caminhando lentamente pela noite, trocando sorrisos de descrença e de prazer. Pelas próximas semanas, sempre que dois de nós nos cruzávamos na rua, ou em uma biblioteca, ou em uma cafeteria, nós trocávamos um olhar de cúmplices: nós tínhamos visto que todo as plácidas vizinhanças e shopping centers, até mesmo as lojas de conveniência, eram uma mera fachada, atrás da qual um mundo doido espreitava — apenas esperando por uma chance para sair.


Você pode organizar apresentações públicas de bonecos para crianças que passem informações importantes também para os seus pais; você pode ser capaz de conseguir apresentações educacionais em escolas também.