Podemos Fazer o Nosso Próprio
A história não é algo que acontece às pessoas ― ela é a atividade das pessoas. A cultura não dita o comportamento humano ― ela é a soma do comportamento humano. O progresso tecnológico também não é uma força da natureza. Não há civilização sem que nós civilizemos, não há capitalismo sem que nós para capitalizarmos e capitularmos.
Essas são coisas difíceis de nos lembrarmos quando estamos no escritório do nosso chefe, muito menos quando estamos trabalhando no caixa do Wal-Mart. A grande mídia nos encoraja a nos sentirmos sentimentais sobre os "nossos" feitos: o ônibus espacial decola, a doença é curada, o astro fica com a garota no final do filme.
Mas nós podemos fazer nossa própria música, mitologia, ciência, tecnologia, tradição, psicologia, literatura, história, ética, poder político. Até que façamos isto, estamos presos comprando filmes produzidos em série e discos gravados por mercenários corporativos, sentados inexpressivos e imobilizados em mega-concertos de rock e em eventos esportivos, lutando com as invenções, programas e teorias de outras pessoas que fazem menos sentido para nós do que feitiçaria para os nossos antepassados, encabulados aceitando os julgamentos de padres, colunistas e apresentadores de programas de rádio, nos censurando por não alcançar padrões estabelecidos pelo vestibular e por revistas glamourosas, dando ouvidos a nossos pais, conselheiros, psiquiatras e gerentes que nós dizem que nós é que somos os problemáticos, comprando nossas vidas dos mesmos especialistas e empreiteiros para quem as vendemos ― e cerrando nossos dentes abafando nossa fúria enquanto eles derrubam as últimas árvores e heróis com o dinheiro e a autoridade que nós lhes damos. Estas coisas não são tragédias inevitáveis, inescapáveis ― são conseqüências da passividade à qual nos relegamos. Nas filas dos caixas no supermercado, discando e atendendo chamadas 0800, nos vestiários antes da aula de educação física e do turno na lanchonete, nós ansiamos por sermos os protagonistas de nossos próprios épicos, mestres de nosso próprio destino.
Se queremos nos transformar, devemos transformar o mundo ― mas para começar a reconstruir o mundo, devemos nos reconstruir. Hoje somos todos território ocupado. Nossos apetites, atitudes e papéis foram todos moldados por este mundo que nos volta contra uns contra os outros, e contra nós mesmos. Como podemos tomar e compartilhar o controle de nossas vidas, e não temer nem titubear, quando passamos nossas vidas sendo condicionados a fazer exatamente o oposto?
Nós somos os únicos atualmente trabalhando no significado como um meio.
Indivíduos não podem ser autônomos ― somos feitos de relacionamentos: sem eles não existimos. Não podemos criar significado no vácuo ― mas também não podemos ser nada se estamos alienados e à mercê de um significado que vem de cima. Devemos criar o significado com os outros, cooperativamente, para que ele seja cheio de significado. Liberdade não é ficar sozinho, o homem contra a humanidade ― aqueles que partem para "perseguir seus desejos" como individualistas esquecem que até mesmos esses desejos foram construídos socialmente. A liberdade também não é encontrada na obediência cega à lei: um ser humano livre não é um seguidor de leis ou um violador de leis, mas um inventor e reinventor de leis, uma parte de uma tribo." Quando queremos nos rebelar contra os limites impostos por uma cultura, a chamamos de "ideologia" ou "conformidade"; mas não podemos escapar da cultura em si ― nós a levamos conosco quando fugimos, deixando rastros dela por onde passamos.
A cultura é feita de linguagens ― linguagens, de palavras e números, de conceitos e suposições, de convenções e expectativa, de problemas e soluções, de respostas e perguntas. Linguagens escrevem nossas vidas: elas definem as opções sempre que fazemos uma escolha, por mais livre que sejamos ao escolher. Ao mesmo tempo, é o nosso uso delas que as faz o que são e as reproduz. Os termos nas linguagens só funcionam porque os temos em comum; criar linguagens é a maior das atividades coletivas, o denominador comum de todas atividades sociais. Ser livre da linguagem é impossível nas relações humanas ― o universo como o conhecemos não é apenos descrito pela linguagem, mas existe como linguagem.
Linguagens impõem seus limites sobre nós ― isso quer dizer, essas limitações somos nós ― mas cada vez que ajustamos um conceito ou subvertemos uma expectativa, nós nos refazemos. É nesta constante redefinição dos termos, na contínua criação e negação de formas e suposições, que a liberdade se torna possível.
Um câncer, da cultura pré-fabricada, impessoal, produzida em série, ameaça a nossa espécie. Uma criatura não morre "de" câncer ― ela morre ao se tornar câncer, quando as suas células começam a reproduzir a igualdade às custas da diversidade. Uma cultura que abre um milhão de franquias com trabalhadores em uniformes idênticos executando tarefas iguais é um câncer fora de controle, um monstro que leva a humanidade que lhe deu à luz para uma morte precoce. Precisamos de uma cultura que seja um diálogo, uma interação entre nós e as linguagens que pensamos, falamos e vivemos ― não um monólogo vindo através de um alto-falante.
Lutando por isto, nós atacamos o mediano, negamos o universal e alimentamos o anômalo.