Potlatch: uma definição enciclopédica

De Protopia
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Leonel Moura
Rizoma/Potlatch


1. De origem índia, a palavra potlatch significa dom na linguagem nootka. Os etnólogos americanos descobriram-na e descreveram-na largamente nos fins do século XIX, mas foi o sociólogo francês Marcel Mauss que deu sobre ela a teoria mais completa no seu Essai sur le don. Forme et raison de l'échange dans les sociétés archaïques. Identificada na vida social das tribos índias do nordeste americano, que forneceram o seu modelo mais notável, a prática do potlatch foi encontrada um pouco por todo o lado nas tribos primitivas, sob formas variadas.

2. O potlatch é uma cerimônia com caráter de festa, no decurso da qual um chefe oferece ostensivamente uma quantidade enorme de riquezas a um rival, para humilhá-lo ou desafiá-lo. Este último, para apagar a humilhação e contrariar o desafio, tem de dar satisfação à obrigação moral que reconheceu ao aceitar o dom. Assim, deve mais tarde ser organizado um novo potlatch, mais importante que o primeiro, no qual se mostrará mais generoso que o anterior doador. Por outras palavras, deve dar sem usura. Praticado no decurso de uma iniciação, de um casamento, de funerais ou de ascensão ao poder, o potlatch muda de forma segundo as tribos e segundo a importância de quem o organiza.

3. Os etnólogos que observaram o potlatch entre os Tlinguit, os Haida, os Tsimshian e os Kwakiutl puderam verificar que o dom não constituía a sua forma exclusiva. O potlatch consiste muitas vezes numa destruição espetacular de enormes riquezas. Os índios da costa nordeste chegam a incendiar as suas aldeias, destruir as canoas ou lançar para o mar lingotes de cobre de grande valor. Neste caso, o potlatch evoca as formas religiosas e míticas do sacrifício.

4. Excluindo qualquer regateio, o potlatch é ao mesmo tempo, paradoxalmente, perda e aquisição. O dom das riquezas equivale à aquisição de prestígio, de poder. Destruir e dar resulta afinal numa afirmação do poder de destruir e de dar. Mas estas duas operações só têm sentido se forem praticadas diante do outro. "O ideal", escreve Marcel Mauss, "seria oferecer um potlatch que não fosse pago na mesma moeda".

5. É também uma forma primitiva de troca e de concorrência. Um meio de circulação de riquezas que se manifesta sob a forma ritual de uma demonstração de generosidade em que há um vencedor e um vencido.

6. O potlatch parece ter atingido o seu apogeu na expressão do luxo, da ostentação e da exuberância entre os Kwakiutl, nos começos do século XX. Considerado por alguns como uma instituição característica das sociedades de transição entre o comunismo primitivo e uma espécie de feudalismo mercantil, o potlatch atraiu profundamente os surrealistas e as correntes da vanguarda artística revolucionária como negação da troca mercantil, fundamento das sociedades modernas, e como expressão do dom desinteressado que propicia o estabelecimento de relações humanas livres.


Texto extraído da revista portuguesa Babel (http://dc226.4shared.com/doc/kntcQhwW/preview.html).



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