Subjetividades Anarquistas e Subjetividade Moderna
Um das questões instigando esse ensaio pode ser colocada a seguir: qual o relacionamento do anarquismo ao que é chamado de modernidade? Como Bruno Latour em particular tem mostrado, nós podemos realmente considerar a sociedade moderna ocidental como essencialmente fundada sobre a ideia de uma radical separação entre homem e natureza, entre homem e liberdade e determinismo natural, entre homem como sujeito puro, guiado pela razão, livre e responsável por suas ações, e o mundo como objeto puro, aberto à manipulação do homem.
Dentro dessa construção dualística da realidade que tem dominado o ocidente por três séculos, tudo que existe é dividido, nas palavras de Bruno Latour, em “duas inteiramente diferentes zonas ontológicas: aquela dos seres humanos, de um lado; e aquela de desumanos, por outro.” De um lado é o mundo social e político, “a sociedade de livre expressão, pensando sujeitos”, voluntariamente construída por seres humanos que deram a si mesmos leis e constituições, enquanto por outro lado é o mundo natural das “coisas”, evidentemente inconsciente de si mesmo, mecânico, e inteiramente sujeito ao determinismo [We Have Never Benn Modern 10-11,37].
Sem dúvidas, nos termos dessa representação, o homem ainda emerge desse mundo natural em que dele irá depender, tanto externa quanto internamente. De qualquer forma, é em liberar a si mesmo deles que ele se torna homem; é em oposição a essa natureza radical que o envolve que a outro mundo se espera elevar-se, ao qualitativamente diferente, desnatural mundo da “liberdade”.
No pensamento moderno, liberdade não é natural de qualquer modo. Isso requere muito esforço, muitas restrições: restrições sobre uma pessoa e restrições sobre outros. Para o pensamento moderno, a luta da humanidade contra o des-humano (em nós e fora de nós), de liberdade contra necessidade, de espírito contra matéria, é o âmago da tarefa da humanidade. É a sua maneira de se tornar humano[1], alcançando o autodomínio por meio da razão, moralidade, e lei, impondo sua dominação sobre a natureza e o mundo através da ciência, que permite-o comandar as leis se seu determinismo, e através da tecnologia, que permite-o modificá-lo e acomodá-lo à liberdade humana. Em sua forma extrema, assim como a cisão radical entre homem e natureza é intensificada em um igualmente extrema separação “revolucionária” entre passado e futuro - “deixe-nos fazer uma limpeza completa do passado!” - o anarquismo pode aparecer bem a ser atrasado, mas herdeiro direto dos levantes ocorridos pela Europa no século dezesseis, um excessivo porém legítimo enxerto da idéia moderna de liberdade, a extrema divergência de um movimento muito mais amplo, convencido de seu poder de submeter a realidade ao livre arbítrio do homem, a última manifestação das utopias da Revolução Francesa, para que a sociedade poderia, nas palavras de M. de Certeau, “constituir a si mesmo como uma página em branco com respeito ao passado, (…) escrever a si mesmo por si mesmo (…), produzir uma nova história sobre o modelo do que foi inventado”[2].
É essa interpretação do anarquismo como uma utopia e extrema manifestação de representações modernas que esse livre pretende ajudar e desafiar. Nascido no ocidente, no contexto de uma modernidade a que ele deve muito e com que ele tem muito em comum, o anarquismo não é uma variante, nem mesmo simpático a essa modernidade. Também não origina-se da tradição, de um desejo nostálgico de retornar ao período pré-moderno, mesmo que a tradição tenha grande papel em sua história e pensamento. Dentro das categorias e quadros das representações dominantes, o anarquismo pode parecer a primeira vista inclassificável, incongruente, e inconsistente. Isso provavelmente explica a falta de nada mais que mero interesse anedótico que tem colhido na história do pensamento e da vida social e política.
Essa diferença entre anarquismo e a visão moderna do homem, da política, e sociedade pode ser abordada de várias maneiras. No entanto, é indubitavelmente com respeito ao “sujeito” e “subjetividade”, onde anarquismo e modernidade parecem mais próximos, que podemos melhor compreendê-lo. O “sujeito”, o indivíduo como “sujeito” livre que é responsável ante a si mesmo e o mundo, é propriamente a maior invenção do pensamento moderno: aquela de Descartes e o cogito, Kanto e o sujeito transcendental, a fenomenologia transcendental de Meditações Cartesianas de Husserl. É também também aquela dos “direitos do homem e do cidadão” do Iluminismo e da Revolução Francesa, aquela da economia liberal, direito, democracia representativa moderna de moralidade secular. Mas o sujeito e a subjetividade não ocuparam também um lugar central no anarquismo, na revolta que o anima, em sua constante preocupação com a justiça, em seu desejo de mudar o mundo? Indubitavelmente que sim. Mesmo em suas concepções de revolução (quem é o “sujeito” da revolução, quem pode mudar as coisas?) ou de liberdade que ele proclama (quem deve e pode rebelar-se? Quem pode libertar a si mesmo, e libertar a si mesmos de quem ou o que?), o anarquismo está do lado do sujeito, da subjetividade. Nesse sentido, ele realmente não tem nada a ver com todos aquele que, de Joseph de Maistre a Heidegger, tem denunciado a mentira do subjetivismo moderno, seja em nome do Ser, uma ordem natural, ou uma tradicional ordem de coisas. Anarquismo é subjetivismo, um subjetivismo radical, e seus tradicionais oponentes reacionários não estão errados. Mas essa radicalidade, contrária a aparências, tem pouco a ver com a subjetividade moderna de que parece em princípio ser meramente um versão exagerada. A subjetividade anarquista é de um caráter diferente, muitas vezes incompreendida, porque é dubitavelmente oposta ao pensamento tradicional ou reacionário e ao pensamento liberal moderno.
O que distingue a subjetividade anarquista da subjetividade moderna? Podemos notar duas diferenças fundamentais:
- Primeiro diferença: o sujeito moderno é unificado, contínuo e homogêneo. Ele existe em apenas uma forma, duplicados tantas cópias quanto há indivíduos. Reciprocamente, o sujeito anarquista é múltiplo, mutável, e heterogêneo. Sua forma varia constantemente em tamanho e qualidade. É na maioria das vezes coletivo mesmo quando é indivíduo, e resguarda ao indivíduo, no sentido banalizado, uma amplamente ilusória figura em suas muitas metamorfoses.
- Segunda diferença: o sujeito moderno é construído em radical oposição à natureza, distinguindo a si mesmo no mundo, posicionando como pensamento puro e como liberdade pura, como “outro com respeito a natureza e o mundo das coisas”, assim como o filósofo moderno Alain Renaut nos diz.
Enquanto o sujeito anarquista deve muito à modernidade em sua luta contra a ordem natural e tradicional, ele também alcança um reverso brilhante que define suas especificidades. Se ele constitui a si mesmo contra a ordem de coisas, é somente a fim de retornar imediatamente, do seu lado, ao mundo e natureza, para reclamá-los. Enquanto é radicalmente subjetivo, o é em nome do real e do mundo que o anarquismo é levado a virar a grandeza dessas forças contra o “sujeito” moderno que inicialmente parecia assemelhar-se, contra suas pretensões de ser “puro de espírito”, contra a abstração e escravização então chamado “livre-arbítrio”, contra todas as formas de dominação e opressão para os quais seus idealismo servem como justificação. É dentro da realidade que essa subjetividade nasce, se entende e se modifica; é aqui que o projeto anarquista almeja tomar forma.
Como demonstrar essas especificidades das subjetividades anarquistas – sob o signo da multiplicidade, de um lado, under than of inscrições dentro do mundo da realidade, de outro? Duas abordagem (dentre outras, certamente) são possíveis:
- A primeiro delas, mais teórica, aparece em vantagem do movimento anarquista do lado de Proudhon e Bakunin; no entanto, ela excede os limites e ambições desse artigo.
- A outras aparece mais tarde na maneira que o movimento anarquista foi levado, depois de várias décadas de experiências, a tentar pensar sua própria história e formas de existência. Esta é uma que iremos traçar aqui, pelo menos parcialmente, parando no período entre guerras (no fim dos anos 1920s, para ser mais preciso), o fim do primeiro período de sua história resumida, um ponto em que suas principais militantes tentaram reimaginar do que são ou não capazes.
O fim dos anos 1920s foi uma época difícil para o anarquismo, depois de sua virtual eliminação do movimento sindical da francês, esmagamento dos anarquistas búlgaros, a supressão da resistência espanhola CNT, caçada pelo ditador Primo de Rivera, o enfraquecimento do anarquismo na Argentina, o esmagamento do movimento libertário na Rússia sob o golpe dos ditadores bolcheviques e sob o golpe do fascismo na Itália. Assim como a terra de exílio para anarquistas europeus, vindos da França, nas palavras de J. Maitron, um “pequeno congresso internacional, perpétuo mais reduzido à impotência, incapaz de atingir os últimos entendeimentos restantes, um congresso dominado por pessoas violentas e conflitos ideológicos.” É então, nesse clima, que a representação da totalidade do movimento libertário toma forma, um representação comum, além de todas as divergências, das forças que o compõe. O anarquismo é composto de três correntes principais: anarco-sindicalismo, comunismo libertário (ou anarco-comunismo), e individualismo – três correntes que, com todos os seus altos e baixos, continuaria hoje como identidades ou formas organizacionais. Nós provavelmente deveríamos não investir muito importância a essa distinção, que, bem como deve parecer, é longe de poder julgar para a multiplicidade de formas da subjetividade anarquista. É interessante, mesmo assim. Em seu modo de organizar mais de sessenta anos de história libertária, é levando em sua volta, depois de Proudhon e Bakunin, mesmo que muito mais rudimentar, para anos-luz a originalidade da subjetividade anarquistas na relação com o pensamento moderno e seus típicas concepções do sujeito. Leva a questão do sujeito anarquista, e já multiplica as respostas possíveis.
Quem, no anarquismo, é o “sujeito” da liberdade, o “sujeito” da história e da transformação revolucionária que esse movimento proclama? ´Seria o “indivíduo” dos individualistas, identificados com um “eu” que é irreconciliável com o social, o implacável inimigo da sociedade, de qualquer externalidade, e de toda conexão social e política? Ao contrário, pertence à “organização anarquista” dos comunistas libertários, uma estrutura com uma “vontade”coletiva que é, como a Plataforma de Arshinov de 1926 declara, responsável por configurar os objetivos revolucionários, elaborando os meios para atingí-los, e liberando o povos até seu fim? Por outro lado, devem este papel do sujeito está entrosado com o anarco-sindicalismo e as “uniões” sindicalistas revolucionárias com a expressão multifacetada do trabalho e, ultimamente, de uma economia livre do capital e do Estado?
Tão amplo e generalizantes quanto possam ser, três respostas são suficientes, e a irredutibilidade de suas opniões, desafia qualquer asserção sobre unidade anarquista. Ele estão mesmo assim longe de fazer justiça à multiplicidade que essas três correntes contêm, não apenas em um relacionamento adverso entre eles que os opõem, mas em que cada um diz sobre o anarquismo no nível da realidade que cada um persegue em expressar.
Individualismo anarquista
Considerado em si mesmo (sem se preocupar em síntese com outros componentes), o “indivíduo” que esse tende a celebrar pode de início parecer muito próximo ao sujeito moderno, o momento negativo de sua emergência. De fato, em sua rejeição de todo vínculo social, de qualquer inscrição com um mundo fora do ser, visto como necessariamente alienante, o indivíduo não contribui para criar as condições para um sujeito libertado, uma pura consciência , capaz de retornar ao mundo a fim de submetê-lo a sua vontade? Sem dúvidas a insistência individualista em nunca romper com esse movimento negativo, em nunca cessar em recusar o vínculo social que é suposto em reconstruir, teria sido suficiente para introduzir um dúvida tanto para a natureza e significado desse movimento, como para a vontade que anima-o e deste modo propulsiona-o em um vôo sem fim através do “si mesmo (..) que consome o ele mesmo” em que Stirner diz, ao longo do “Nada”[3].
Mas esse vôo em nada, essa recusa e denunciação das armadilhas do vínculo social, constitui apenas o lado negativo de uma afirmação que é ainda mais turbulenta para a unidade do sujeito moderno. Se o “Eu” do individualismo, na natureza radical de sua crítica, tende ao “nada”, isso é porque ele tem ao mesmo tempo uma inalienável, irredutível “propriedade”: sua própria existência. Mas o “próprio” da propriedade individual (por assim dizer) é precisamente sua absoluta singularidade: homem como ele é, em sua irredutível singularidade”, como Eugene Fleischmann fala de Stirner, “sempre diferente dos outros e sempre jogada atrás para seus próprios recursos em seu comércios (…) com outros.” Para o individualista anarquista, como Martin Buber escreveu sobre Kierkegaard e Stirner, “A categoria do Único, também, significa não o sujeito ou 'homem', mas concreta singularidade”[4]. Tal como a subjetividade absoluta, o anarquista individual, esteja ele ou não concebido de acordo com Stirner, não constitui uma entidade que poderia unificar uma multitude de indivíduos similares. Ao contrários, ele multiplica a irredutibilidade da subjetividade para uma escala de todos os seres humanos possíveis. Para os anarquistas individualistas, apesar do criticismo que possamos fazer à sua maneira de ver as coisas, há tantas subjetividades quanto há seres humanos, uma multitude de subjetividades, singular em cada caso, “particular”, como diria Stirner.
Comunismo libertário
Seria a corrente comunista libertária mais dirigida a uma concepção moderna do sujeito de ação política que atinge o domínio das coisas através da consciência, conhecimento e ciência? Sim, certamente, quando comparados à singularidade individualista em versão organizacional mais assertiva (chamada “plataformista”). Uma vez de acordo com o objetivo final – comunismo libertário – a “consciência” anarquista uni-se em uma organização política que é carregada de 1) desenvolver a tática e estratégia que esse objetivo requere, 2) providenciar militantes disciplinados capazes de implementarem eles. Como podemos não reconhecer nessa forma de grupo anarquistas as concepções políticas e partidárias modernas: crença em lugar específico, definido exclusivamente por seus atributos políticos e racionais, um lugar onde homem, mulher, crianças, idosos, jovens, trabalhadores manuais, intelectuais, maçons, músicos, franceses, italianos, rabugentos, apáticos, os míopes e corcundas aboliriam suas diferenças reais a fim de pensar juntos como melhor atingir o objetivo que os une, decidir que atalho seguir e depois conformar-se pelas decisões adotadas.
Alguém pode observar, entretanto, que em sua forma extrema, essa visão de organização comunista libertária (ou anarco-comunista) nunca foi real. E é significante que seus criticismo mais categórico foi formulado por Malatesta, o líder teorizador da corrente comunista libertária. Para Malatesta, concepções “plataformistas” cessam efetivamente de pertencer ao anarquismo. Eles meramente reprisam o modelo de “representação” próprio aos governos, aparatos políticos e religiosos que o anarquismo recusa:
“Isso é anarquismo?” Malatesta escreve em resposta à Plataforma. “Isso, na minha opinião, é um governo e uma igreja. Verdade, não há polícia ou baionetes, nenhum rebanho crente a aceitar a ideologia ditada, mas isso significa apenas que seu governante seria impotente e impossível e sua igreja um berçário para heresias e cismas.”[5]
Um sobrevivente respeitado e influente dos círculos bakunistas originais, Malatesta desenvolve um conceito significantemente diferente de “organização” comunista libertária que, em sua diversidade, é flexível, e sua confiança na “vontade” dos indivíduos, cuidadosamente considerados da diversidade e diferenças que definem o movimento libertário: diversidade e diferenças de “ambiente”, “condições”, “escolha”, e “temperamento”, de compatibilidades e “incompatibilidades pessoais”:
- “Existem muitas diferenças do ambiente e condições de luta; muitos caminhos de ação possíveis para escolher entre, e também muitas diferenças de temperamento e incompatibilidades pessoais para uma União Geral, se levada a sério, um obstáculo para a atividade individual e talvez também uma causa luta interna mais amarga.”[6]
Com formas e propósitos que variam de acordo com as circunstâncias e eventos, as organizações que Malatesta tinha tentado construir ao curso de toda sua vida, “íntima”, “secreta”, e “pública”, poderia de fato agradar à “vontade” individual. É errado interpretar o conceito da vontade sobre o registro de uma “filosofia voluntarista”, concebida, em oposição ao determinismo, como a livre imposição de uma abstração e ideal sem fim sobre fatos. Se os indivíduos malatestanianos, com seus “temperamentos”, suas “afinidades”, são provavelmente não menos múltiplo do que os indivíduos dos individualistas, a “vontade” que anima-os certamente não corresponde à implementação da abstrato e intelectualizada liberdade que o pensamento moderno reconhece nos “cidadãos” da política representativa. “[Um] poder criativo cuja fonte e natureza não podemos compreender”[7], Malatesta escreve, a “Vontade” é precisamente primeiro e antes de tudo um “poder”, muito mais próximo, tendo tudo considerado, à “vontade to live” denunciada por Schopenhauer, ou mesmo a “vontade de poder” de Nietzsche, do que da indiferente liberdade ou “livre-arbítrio” da modernidade
Como Malatesta explicou, em termos que Bakunin poderia ter aprovado:
- “A liberdade que perseguimos, para nós e para outros, não é essa absoluta, abstrata, metafísica liberdade que , na prática, inevitavelmente se traduz em opressão da fraqueza [...]”[8]
Inscrito em cada indivíduo pelos “refinamento de sentimentos com o cultivo das relações”, pelas “possibilidades para o homem em se unir com um sempre crescente número de indivíduos e em relacionamentos sempre mais íntimos e complexos ao ponto em que a associação entende-se a toda humanidade e todos os aspectos da vida”, a “liberdade” e “vontade” anarquistas são são conseqüências presentes de um futuro ideal, posterior a ação humana, mas a expressão de forças primárias no complexo de relacionamentos que o produzem[9]. Como Malatesta escreveu [citando Bakunin]:
- “A exata liberdade de cada indivíduo não é outra coisa que não o resultante, continuamente reproduzido, desse massa de material, influências intelectuais e morais manifestadas nele por todos os que o envolvem, pela sociedade no meio em que nasce, cresce, e morre.”[10]
Anarco-sindicalismo
Com o anarco-sindicalismo, de longe a maior corrente na história do movimento libertário, a multiplicidade do sujeito anarquista é dada um novo plano de consistência onde ela muda completamente em seu âmbito, dimensão, e qualidades. As diferenças em intensidade e qualidade não apenas afetam, como em um comunismo libertário, a “vontade humana” individual, o singular resultante de uma multitude de condições externas, ou a singularidade existencial do subjetivismo radical anarquista individualista. A partir do “indivíduo” esse múltipla subjetividade se torna coletiva, como um amplo número de complexos arranjos de forças, desejos, indivíduos e coisas, realidade humanas e desumanas.
Variável em tamanho, conteúdo e estrutura, enredado um ao outro, tais organizações ou agentes coletivos não param em providenciar algumas das condições que podem variar a intensidade, qualidade e objetivos da vontade individual ou apresentar a garantia externa da singularidade individualista. Eles também tendem a romper com a similaridade e aproximação ilusória dos indivíduos a quem eles se unem ou, ainda melhor, como G. Simondon demonstra, relevam dentro dele os potenciais que são anteriores a sua individuação. De fato, indivíduos, produzidos em frente a uma multitude de condições heterogêneas, são também levados, a posteriori, a constantemente modificar a si mesmos, a dispersar mais uma vez as qualidade que tem sido combinadas em tais maneiras casuais, a transformar a si mesmos (por expansão, contração, alteração de significado...) em uma constante e irredutível sucessão de composições, decomposições, e recomposições. Um processo que é, desse ponto de vista, seriamente relativizada a distinção entre um sujeito heterogêneo a priori mudar e unificar a posteriori caracterizado por uma insistente e evidente vontade individual.
A organização pelo comércio, depois pela indústria, de mineração, vidro, maneira, metais, prédio, etc., junto a (e para) seuas numerosas e específicas seções comerciais (pedreiros, trabalhadores de cimento, carpinteiros, trabalhadores, pedreiros, fabricantes de tijolos, galheteiros, marcadores de corda, trabalhadores de chapa, etc.), cada união anarco-sindicalista tem uma face de si mesma, uma identidade particular, uma subjetividade que é tanto singular quanto frágil, durável e modificável, dependendo de qualquer dado momento em uma multitude de fatores: o número de membros, o número de trabalhadores no setor onde está localizado, o tamanho e número de empresas, o caráter dominante da atividade industrial, a idade e origem geográfica da força de trabalho, prioridades na organização, as tradições ou quebras nas tradições de cada história traçada, os eventos que tem marcado-os, a origem de seus militantes e membros, etc. Uma organização singular , o próprio sindicado é apanhados, diferentemente a cada vez, mesmo em amplas identidades, abrigada uma a outra: federações locais, câmbio laboral, federações comerciais ou industriais, confederações, associações internacionais que cada uma em seu tempo define, para um grau diferente e mutável, através da composição que constituem os em dado momento, as entidades e identidades que são cada uma registradas com sua própria fisionomia, sua própria subjetividade.
A esse plano de realidade propriamente sindical, a sua multiplicidade particular dos sujeitos coletivos, intersetindo , atravessando, ou emergindo com o plano das “vontades” anarco-comunistas bem como as do subjetivismo individualista, há de indubitavelmente ser unido a muitos outros que desdobram a si mesmos em outro lugar e que apenas por acaso, mas algumas vezes de maneira decisiva, vem a participar no todo da composição dos movimentos libertários: por exemplo, a família, suas características estruturais em tal e qual região ou em tal e qual tradição cultural, e suas formas, singulares a cada caso; as conexões entre gerações e a sociabilidade de jovens sem os quais não podemos entender, por exemplo, a natureza da “afinidade” que dá força a pequenos e operantes grupos na FAI de Barcelona, ou, de outro modo, dentro da insurgências makhnovista, etc.
Associado ao anarco-sindicalismo e ao formalismo de suas diversas organizações deve ser uma mais flexível e ainda mais diversa percepção dos sujeitos coletivos capazes de representar as transformações libertárias da realidade: o “proletariado”, a “classe trabalhadora”, o “povo”, as “massas” ou mesmo a própria “revolução”, como afirmado por todos aqueles que, de diferentes maneiras, poderiam ser chamados “espontaneístas”, de Proudhon a Voline, Bakuno, James Guillaume, e Kropotkin.
É então por uma multiplicidade de “sujeitos” a que o anarquismo refere-se a fim de pensar uma transformação libertária da realidade: a uma multiplicidade de “planos de consistência[imanência] em que cada um desses sujeitos são formados, uma multiplicidade de sujeitos correspondendo a cada plano de imanência. Mas por multiplicando subjetividade, anarquistas não apenas dão substância à “anarquia” clamado pelo movimento libertário, que é as vezes tão fortemente pressionada a justificar. Eles também providenciam uma maneira de pensar “anarquia” positivamente.
Referências
- ↑ Em outras palavras, do devir humano (N. do T.).
- ↑ Pratice of Everyday Life 135
- ↑ The Ego and His Own, 490.
- ↑ Between Man and Man, 48.
- ↑ Em Graham, ed., Anarchism: A Documentary History, 437.
- ↑ ibid, 426.
- ↑ Malatesta, “Anarchists Have Forgotten Their Principles”
- ↑ Malatesta, Anarchy, Richard trans.
- ↑ ibid
- ↑ ibid.
Esse texto, escrito em 1996, foi apresentado de outra forma no Colóquio em Grenoble. Traduzido do francês para o inglês por Jesse Chon e para o português pelo Coletivo Protopia.