Tudo é Mito
Mitos são uma expressão das estruturas cognitivas fundamentais que usamos para apreender e moldar a nossa experiência do mundo – ou, o que dá no mesmo, para construir a nossa percepção da realidade. Kant chamou essas estruturas de “categorias apriorísticas do conhecimento” e Jung denominou-as de estruturas arquetípicas (que não devem ser confundidas com o arquétipo em si, que é outra coisa, mais próxima da Ding an sich kantiana).
A psicologia cognitiva e as neurociências vêm de demonstrar as bases neurobiológicas dessas estruturas, que estão enraizadas em nossos esquemas corporais. Embora a atualização concreta das estruturas arquetípicas dependa do contexto social, histórico e cultural, as estruturas propriamente ditas são inatas e universais.
Nas mitologias tradicionais, as estruturas arquetípicas são personificadas sob a forma de deuses e heróis, cujos feitos representam (de forma simbólica e/ou alegórica) as interações dessas estruturas entre si, com a consciência individual e com o mundo. Mas qualquer tradução das estruturas cognitivas fundamentais sob uma forma narrativa pode ser considerada um mito. Uma vez que toda a nossa experiência da realidade é necessariamente mediada por nossas estruturas cognitivas e que o processo cognitivo elementar da nossa mente, da qual todos os outros derivam, é a organização da experiência sob a forma de narrativa, é fácil concluir pela ubiquidade do mito. Do Gênesis ao Apocalipse, da Odisséia de Homero ao Ulysses de Joyce, dos romances de Sidney Sheldon às narrativas abstratas da ciência – tudo é mito. Como poderia ser de outra forma? olhamos com os olhos que temos, com estes olhos que a terra há de comer.